Em artigo para o Conjur, presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados diz que a matéria voltou à cena por causa do jogo político
José de Arimatéia Neves Costa
Há que se questionar os meios quando eles não justificam os fins. De volta à pauta de votação da Câmara dos Deputados — e aprovada às pressas — a PEC 457/2005, mais conhecida como PEC da Bengala, contraria o entendimento hoje predominante no Supremo Tribunal Federal sobre a unidade da magistratura, sobre a existência de uma única magistratura nacional. Isso porque defende aposentadoria compulsória aos 75 anos apenas aos membros dos tribunais superiores, aos tribunais regionais federais e aos ministros do Tribunal de Contas da União.
O dispositivo foge ainda ao propósito de origem, defendido pelo então senador Pedro Simon (PMDB/RS), de que o aumento da longevidade e a melhoria da qualidade de vida da população não seriam mais motivos para invocar a incapacidade laboral aos 70 anos, o que também, por si só, daria um certo fôlego à previdência, ao atrasar a aposentadoria dos agentes públicos, que sairiam da ativa com os mesmos direitos adquiridos aos 70. Sem ganhos.
Ocorre, no entanto, que a PEC do senador Simon, aprovada pelo Senado e estacionada por quase dez anos na Câmara dos Deputados, voltou à baila por ocasião do jogo político. A urgência com que se pretendeu arguir a votação está na regra das Disposições Transitórias, que teve o acréscimo de um artigo a fim de dar vigência imediata da aposentadoria aos 75 anos, principalmente para os ministros do STF, na tentativa de impedir que dez dos 11 ministros do STF sejam indicados pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Isso porque, até dezembro de 2018, cinco membros devem atingir a casa dos 70 anos.
A Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam) defende que eventuais mudanças no funcionamento da corte tenham motivação institucional, e não politico-partidária, o que configura um desrespeito à independência deste Poder no país.
É clara a tentativa de impedir que a Presidência da República exerça uma prerrogativa constitucional, e, mesmo que o objetivo alegado não seja este, o aumento da idade para efeito de aposentadoria compulsória não mais reflete a realidade de vida do brasileiro, que atualmente é de 74,9 anos, segundo dados do IBGE. Além disso, não há fato científico para embasamento da decisão que comprove tal desiderato legislativo.
Por ser uma alteração constitucional, a medida ainda precisará ser votada em um segundo turno na Câmara dos Deputados. Caso aprovada, a PEC da Bengala será responsável pelo engessamento da carreira dentro da magistratura e entre membros do Ministério Público, uma vez que as promoções ocorrem apenas com a aposentadoria dos titulares. Isso causaria um desestímulo aos novos juízes, além do prejuízo da renovação de mentalidade, que acompanha as transformações sociais.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), por exemplo, considera a PEC da Bengala contrária à lógica republicana. Senão, vejamos: poucas foram as carreiras e órgãos públicos que mereceram atenção da Constituição. A magistratura, a advocacia pública, o Ministério Público e a Defensoria Pública estão nesse seleto grupo. E isso não é desprovido de sentido, afinal, a Constituição quis dar um tratamento nacional a essas categorias.
No que diz respeito à magistratura, isso ficou claro mais uma vez, em data recentíssima, no julgamento da ação originária 1.773/DF, na qual o ministro Luiz Fux, do STF, estendeu o direito ao auxílio-moradia a todos os juízes brasileiros. A decisão, segundo o relator, tem caráter de equiparação salarial numa magistratura que é nacional. Inclusive, este é o ponto em que a Amam se baseia para a reivindicação do auxílio-transporte: a simetria entre magistrados, promotores e procuradores, já entendida como necessária, inclusive pelo CNJ.
Não há, portanto, motivos para estabelecer-se dois pesos e duas medidas para aposentadoria compulsória aos 75 anos apenas para membros dos tribunais superiores. Será que os labores desses magistrados seriam mais suaves que a carga física e mental dos demais juízes deste país? Ou seriam eles uma espécie de “super-homens” com capacidade laboral superior ou mesmo com superior expectativa de vida?
A insegurança jurídica seria outro prejuízo por conta do efeito social multiplicador de demandas judiciais a abarrotar Tribunais Brasileiros com litígios, arguindo a inconstitucionalidade da PEC. Não devemos voltar a cometer erros passados apostando nessa alternativa apenas para solucionar divergências pontuais dos que são contra ou a favor dessa Emenda Constitucional.
Ou aprovemos a elevação da idade de aposentadoria compulsória para todos os magistrados ou deixemos como está em nossa Constituição.
José de Arimatéia Neves Costa é juiz titular da 3ª Vara bancária de Cuiabá e presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam).