O presidente da Comissão responsável pela reforma do Código Penal, ministro do STJ ( Superior Tribunal de Justiça), Gilson Dipp, disse na sexta-feira (20/4), que dificilmente o grupo de 15 juristas cumprirá o prazo estabelecido para conclusão dos trabalhos. “Nossa data limite é 28 de maio. Mas, em decorrência do volume de proposições, certamente precisaremos de mais dez ou 15 dias para concluir nossa tarefa”, salientou o ministro.
Vice-diretor da Enfam (Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados), o ministro informou, durante o XXVII Encontro do Copedem (Colégio de Presidentes de Escolas Estaduais da Magistratura), que a reforma do Código Penal é a mais importante das leis apresentadas à sociedade brasileira nos últimos três anos.
Dipp sugeriu aos integrantes do Copedem para que também aproveitem esse novo prazo para apresentarem sugestões à comissão, que debate alterações no texto do código, datado de 1940, portanto, com 72 anos de vigência.
O projeto revisado pelos juristas será transformado em anteprojeto para análise do Congresso Nacional. O relator da proposta é o procurador Luiz Carlos Gonçalves.
De acordo com o ministro, o Brasil necessita de um Código Penal moderno, voltado para o presente, mas sem perder de vista o futuro. "Finalmente, o código será adaptado à Constituição de 1988 e aos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil em matéria criminal. Enfim, um código de condutas que se aplique tanto ao executivo da avenida Paulista como ao ribeirinho do Amazonas. Em resumo, significará a interferência do estado na vida e na segurança do cidadão”, salientou Gilson Dipp.
Ele explicou que a comissão também defende a tipificação do crime de enriquecimento ilícito para os funcionários públicos que não justificarem a incompatibilidade entre patrimônio e renda.
Segundo Gilson Dipp, ao longo dos anos a legislação brasileira preocupou-se muito com o patrimônio particular, esquecendo-se do público. “Nossa legislação está defasada. Por isso, vamos aperfeiçoar os já existentes e criar tipos novos. Pensamos incluir certas condutas atualmente previstas na Lei de Improbidade Administrativa", afirmou.
Para Gilson Dipp, o grupo está preocupado com as competições esportivas internacionais previstas para os próximos anos no Brasil. Por isso, aprovou proposta que torna crime a revenda de ingressos por preço maior, como a praticada por cambistas, e tipifica a fraude de resultado de competição esportiva. A revenda de ingressos por valor maior poderá render ao infrator pena de até dois anos. Já a fraude de resultado terá pena de dois a cinco anos de reclusão.
“Esses atos no novo CP certamente trarão mais segurança aos eventos”, avaliou o presidente da comissão. O novo código trará, ainda, a distinção de associação criminosa e organização criminosa. O CP atual fala apenas de formação de quadrilha ou bando.
Gilson Dipp chamou a atenção para a importância da mudança, que equipara a legislação brasileira ao que estabelece a convenção das Nações Unidas sobre o tema. “É preciso haver tratamento diferente para grandes organizações, que têm lesividade social muito maior do que criminosos que eventualmente se associam para praticar um crime”, explicou.
Observou que o posicionamento da comissão é no sentido de que o objetivo da organização criminosa não precisa ser, necessariamente, uma vantagem econômica, mas de qualquer natureza. A pena para essa conduta será de três a dez anos. Por enquanto, as poucas divergências são referentes à possibilidade de agravamento da pena para o consumidor de drogas.
A proposta analisada sugere prisão para o consumidor, em substituição às penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e medida educativa, constantes da legislação atual. Alguns profissionais da área defendem o mesmo tipo penal para tráfico e consumo.
O grupo também já tratou dos crimes cibernéticos, de terrorismo e de trânsito. De acordo com o ministro, uma das alterações aprovadas resolve definitivamente os equívocos legislativos quanto ao crime de embriaguez ao volante. Com o novo texto, o polêmico índice de alcoolemia previsto na Lei Seca – de seis decigramas de álcool por litro de sangue – deixa de existir, bastando que o motorista esteja dirigindo sob efeito de álcool e expondo a dano potencial a segurança viária.
A comprovação, segundo a proposta, pode se dar por qualquer meio de prova que não seja ilícito, incluindo a possibilidade de testemunhas comprovarem a embriaguez de um motorista ao volante.
Outro tema relevante trata da mudança de tipificação do jogo do bicho, de contravenção penal para crime. A proposta é extinguir a Lei de Contravenções Penais e transformar todas as práticas descritas nela em crimes. A intenção é que a prática do jogo seja levada mais a sério pelas autoridades por estar ligada a outros crimes mais graves, como tráfico de drogas e homicídio.
Gilson Dipp entende que, se antes esse tipo de contravenção não causava grandes distúrbios sociais, hoje ele é comandado por "máfias" que brigam por território. Ele lembrou que também já foi aprovado o aumento da pena mínima para o tráfico internacional de armas de fogo. Atualmente, o Estatuto do Desarmamento prevê reclusão de quatro a oito anos. O novo intervalo poderá ser de cinco a oito anos.
Dados apresentados pelo ministro aos membros do Copedem indicam que 90% das sugestões apresentadas à comissão pela sociedade são relativas ao endurecimento das leis. “Isso reflete o pensamento da sociedade sobre a segurança pública no Brasil”, assinalou Dipp.
Ele vê na impunidade a causa desse sentimento social, mas ressalva que o endurecimento da lei não significará a diminuição da criminalidade. “Uma boa lei penal, condizente com a realidade do Brasil atual, é o ponto de partida, a base, a plataforma para que as entidades envolvidas na segurança pública, no sistema de prevenção e no sistema de penalização possam trabalhar adequadamente. Mas só a lei não basta”, afirmou, destacando a necessidade de uma mudança de mentalidade, maiores investimentos em polícia técnica, em remuneração e no combate à corrupção nos órgãos públicos.
“Precisamos de um Ministério Público dedicado e aparelhado e, sobretudo, de um Judiciário engajado e envolvido em decisões justas e em tempo hábil”, argumentou o presidente da comissão.
O vice-diretor da Enfam garantiu que toda sugestão enviada é apreciada pela comissão, e serve de parâmetro para que os membros da comissão saibam como pensa a sociedade. Lembrou que na manhã da sexta-feira os juristas debateram a possibilidade de ampliação do aborto legal para os casos específicos de perigo à saúde da gestante. “O código está sendo feito nos dias de hoje, mas projetado para o futuro. Pensamos entregar uma lei clara objetiva e, principalmente, capaz de materializar um país plural como é o Brasil”, concluiu o ministro Gilson Dipp.