O presidente da ASMEGO, juiz Gilmar Luiz Coelho, assina artigo publicado neste domingo no jornal O Popular sobre proposta apresentada por conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) relacionada a possível aplicação das normas da Lei da Ficha Limpa no âmbito do Judiciário. "As regras atualmente em vigor para a seleção de juízes mostram maior nível de rigorismo do que as propostas ora formuladas pelo CNJ", afirma o presidente. Leia íntegra do artigo:
A Ficha Limpa e o CNJ
Gilmar Luiz Coelho
Recentemente, um dos conselheiros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou proposta de aplicação da Lei Ficha Limpa no âmbito do Judiciário brasileiro, prevendo a exoneração, em até 90 dias, dos servidores comissionados e em funções de confiança dos Tribunais de Justiça que respondam por crimes listados na referida norma.
Haveria, ainda, segundo a proposta, a obrigação dos servidores em declarar, por escrito, que não respondem por crimes que possam impedir a sua nomeação e obrigaria, também, os Tribunais a enviar, no prazo de 60 dias, projetos de lei às Assembleias Legislativas para que essas mesmas normas fossem impostas para a seleção de servidores do quadro efetivo e de magistrados.
Embora louvável a iniciativa, é bom deixar claro que nos concursos públicos de seleção de magistrados as regras que existem já há muito tempo são bem mais rígidas do que as que integram a Lei da Ficha Limpa ora cogitada pelo CNJ.
Veja que o candidato ao cargo de juiz, para a inscrição definitiva no concurso aqui em Goiás, por exemplo, precisa, dentre outras coisas, de uma "declaração (...) com firma reconhecida, da qual conste nunca haver sido indiciado em inquérito policial ou processado criminalmente ou, em caso contrário, notícia específica da ocorrência, acompanhada dos esclarecimentos pertinentes". Esta é a exata redação do item 10.1, alínea h, do edital do concurso em andamento, e do artigo 58, letra h, da Resolução n.° 12/2009, ambos facilmente encontrados no site do Tribunal de Justiça de Goiás.
Além disso, o candidato deve apresentar folha de antecedentes da Polícia Federal e da Polícia Civil Estadual ou do Distrito Federal e certidão dos distribuidores criminais das Justiças Federal, Estadual ou do Distrito Federal e Militar dos lugares em que haja residido nos últimos cinco anos.
E qual o objetivo disso tudo? O de verificar se o candidato ao cargo de juiz tem as condições éticas e morais exigidas para o exercício do cargo, se corresponde às expectativas presentes na Lei Orgânica da Magistratura e em seu Código de Ética, que, dentre outras, inclui a de "manter conduta irrepreensível na vida pública e particular" (segundo artigo 35, inciso VIII da Lei Orgânica da Magistratura Nacional).
Essas exigências, de forma idêntica, se repetem pelos Tribunais de Justiça do Brasil nos editais de seleção de concurso para magistrados, do Rio Grande do Sul (atual Edital n° 42/2011 do TJRS) à Bahia (atual Edital n° 1/2012 do TJBA).
Assim, as regras atualmente em vigor para a seleção de juízes mostram maior nível de rigorismo do que as propostas ora formuladas pelo CNJ, porque, diferentemente da Ficha Limpa, o candidato sequer precisa ter sido condenado por órgão judicial colegiado. Basta ter sido indiciado em inquérito policial para que isso comprometa sua aprovação, de forma que, com a nova regra, arrisca-se diminuir a severidade das seleções.
Por outro lado, é louvável a iniciativa de se estender um nível maior de exigência nos concursos para servidores e contratação de comissionados pelo Judiciário, bem como para os casos de manutenção, aditamento ou prorrogação de contrato de prestação de serviços com pessoas jurídicas que tenham em seus quadros de empregados postos à disposição dos Tribunais pessoas abrangidas pela mencionada lei.
Isso porque, embora eventual determinação do CNJ nesse sentido, quando muito, venha a atingir raríssimos e pontuais casos de servidores do Judiciário brasileiro, servirá como melhora na qualidade da transparência deste Poder, num processo que tem aumentado a cada dia.
Quem sabe no futuro possa se esperar dos titulares dos outros dois Poderes e seus respectivos servidores e comissionados as mesmas exigências que hoje são feitas àqueles que se encontram no Judiciário. De todo modo, é bom que o Brasil amadureça o debate a respeito do tipo de pessoa que quer ver cuidando da coisa pública, desde que afaste a demagogia da pauta.
Gilmar Luiz Coelho é presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás.