Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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Quanto custa a Justiça nacional?

Artigo de Joaquim Falcão, membro do Conselho Nacional de Justiça e diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (RJ), publicado originalmente no jornal Correio Braziliense.


Quanto custa a Justiça nacional? Não é fácil calcular, embora uma resposta mais precisa seja cada vez mais necessária. Se vamos entrar - e vamos - em fase de estrito controle de gastos públicos para enfrentar a crise de crédito que se avizinha, mais do que nunca a verdade orçamentária é imposição nacional. Mas, ao contrário do que parece, saber quanto um órgão governamental gasta não é tarefa simples, mas complexa.


No caso do Judiciário, por exemplo, lhe são debitados custos que não são seus. São dos vizinhos: dos demais poderes e outras instituições do Estado brasileiro. Vejamos alguns exemplos.


O orçamento federal da Justiça (que, além do STJ, do STF e do CNJ, inclui as justiças Federal; do Trabalho; Militar da União; Eleitoral; e do Distrito Federal e Territórios) para o próximo ano de 2009 é de cerca de R$ 30 bilhões - mais exatamente R$ 30.709.520.418,00. Destes, para surpresa geral, mais de R$ 5,1 bilhões (R$ 5.119.355.458,00) referem-se a precatórios - ou seja, cerca de 17% do orçamento.


Precatórios são, em sua imensíssima maioria, despesas do Executivo. Não podem ser debitados no orçamento do Judiciário. Trata-se de clara inverdade orçamentária. Que, aliás, não vem de hoje, vem de muitos anos. Distorce o custo da administração da Justiça. E, provavelmente, diminui o déficit público de responsabilidade do Poder Executivo.


O fato de ser o Judiciário responsável por determinar a ordem de pagamento dos precatórios não justifica que ele seja o responsável pela despesa. Essa situação federal se repete nos Estados e nos mais de noventa tribunais. A conta é fácil. Só na Justiça Federal debita-se, indevidamente, ao Judiciário, R$ 5,1 bilhões. Some-se o resto.


Mas a inverdade não pára aí. Os recursos que compõem o Fundo Partidário - destinado ao financiamento dos partidos políticos - representam cerca de R$ 211 milhões no orçamento federal da Justiça. Ou seja, são, também, debitados do Poder Judiciário. Consomem o orçamento do único dos poderes que não tem - nem pode ter - relação alguma com os partidos. Doar recursos do Tesouro para partidos não é fazer Justiça. Não faz sentido esse débito à Justiça Eleitoral.


Outro exemplo: os magistrados e membros do Ministério Público que servem à Justiça Eleitoral recebem uma gratificação sobre os vencimentos. Que as gratificações referentes aos magistrados sejam incluídas na conta do Poder Judiciário está correto. Mas que o Poder Judiciário venha a pagar ao Ministério Público para ele realizar suas atividades constitucionais é, claramente, um desvio de realidade orçamentária. Diminui o custo per capita do procurador e aumenta o do magistrado. Despesa do Ministério Público é responsabilidade do próprio Ministério Público.


Essas e muitas outras práticas orçamentárias não vêm de hoje. Vêm de muito longe. Várias estão consubstanciadas em normas legais. Mas nunca é tarde para mudá-las e corrigi-las. Sem a verdade orçamentária, não podemos calcular o custo real de um magistrado, o custo real de uma sentença. Não podemos fixar metas de produtividade com base no orçamento. Mais ainda: isso alimenta a percepção de que o Poder Judiciário do Brasil é um poder caro, se comparado com o de outros países. Aliás, qualquer comparação ficará distorcida. Só o item precatório representa uma bolha de quase 17% de seu custo real.


Acredito que é mais do que conveniente ao Congresso Nacional enfrentar logo a questão dos precatórios a partir do projeto, já em tramitação, do senador Renan Calheiros. Discuta-se, aperfeiçoe-se, modifique-se, mas é hora de agir. O mercado, detentor desses papéis estimados em mais de R$ 60 bilhões, começa a desenvolver soluções paralelas e imaginativas para se ver livre deles. Daqui a pouco, surgirá incontrolável mercado negro de precatórios, que a ninguém beneficiará. Se é este o caminho - o do livre mercado - que o façamos legalmente e que se libere cada assembléia estadual para regular como lhe aprouver o problema.


Outro dia, dois magistrados, diante dessa situação, fizeram-me comentários diferentes. Um disse sorrindo: "verdade orçamentária é quase uma contradição". Outro disse mais sério: "prefiro o poder orçamentário ao poder político".


Ambos, à sua maneira, apenas evidenciam mais uma tarefa a implementar em nosso Estado Democrático de Direito: o princípio da transparência deve incluir a verdade orçamentária; pois sem um instrumental poder orçamentário, o poder político do Judiciário não se realiza.