Reportagem publicada nesta segunda-feira (28) pelo jornal O Popular traz pontos levantados pelo Conselho Nacional de Justiça quando da realização der inspeção do órgão no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), de 19 a 23 de novembro do ano passado. Os inspetores encontraram em Goiás elevado déficit de magistrados, com consequente acúmulo de trabalho nas mãos dos juízes. O problema é muito mais grave, segundo o CNJ, no 1º grau. De acordo com o levantamento, enquanto cada desembargador conta com 14 auxiliares, no 1º grau esta proporção é de 4 servidores por gabinete - sendo dois escreventes. A Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (ASMEGO) vem, reiteradamente, solicitando ao TJGO melhoria nas condições de trabalho nas unidades judiciárias, com aumento do número de auxiliares e de juízes no Estado de Goiás.
Leia a íntegra da reportagem do jornal O Popular.
Justiça
Relatório aponta lentidão no TJ
Inspeção realizada pelo CNJ no Poder Judiciário de Goiás mostra atraso em conclusão de processos
Quase um ano depois da inspeção realizada no Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou, na semana passada, o relatório dos trabalhos. Muitas das dificuldades e deficiências, apontadas em um documento de 393 páginas, persistem e não há perspectiva de que sejam corrigidas para atingir a curto prazo a situação ideal. A principal delas, que causa problemas mostrados pelo POPULAR em diversas reportagens, é a discrepância entre o número de servidores no primeiro e no segundo grau. Enquanto cada desembargador tem em seu gabinete 14 auxiliares, há casos de juízes com apenas 4 servidores, dos quais 2 escreventes.
Mesmo com maior número de assistentes – em geral, são dez escreventes em cada gabinete de desembargador, que fazem as minutas de processos –, os inspetores encontraram processos parados há mais de cem dias. No documento, há a observação de que cada um dos gabinetes de competência cível recebeu, em média, nos últimos três meses (agosto, setembro e outubro de 2012), 200 processos por mês – média de 20 processos por servidor.
O CNJ estabeleceu prazo de 30 dias para que os gabinetes apresentem um cronograma para regularizar a prestação jurisdicional. “Acrescente-se que o número de servidores a serviço do segundo grau torna injustificáveis atrasos dessa ordem”, diz o relatório. No primeiro grau também foram encontrados processos parados há mais de cem dias, o que contraria resolução do CNJ. Na 1ª Vara da Fazenda Pública Municipal de Goiânia, por exemplo, do acervo de 59.274 processos, 29.139 estavam nessa situação. A unidade tinha seis servidores na época da inspeção.
Um dos órgãos do TJ-GO inspecionados foi a Contadoria Judiciária, para onde são mandados os processos que precisam de cálculo oficial. Há 8 servidores para dar andamento a mais de 15 mil processos, o que equivale a 1.875 processos por servidor. Além disso, eles contam com apenas cinco computadores. O tempo médio para realização de cálculo judicial é de seis meses. Sobre a Contadoria, o CNJ recomendou, em grau de prioridade, a lotação de pelo menos mais 25 servidores com formação em Direito ou em Ciências Contábeis.
O TJ-GO reconhece muitas das deficiências apontadas pelo CNJ, mas diz que elas não serão resolvidas da noite para o dia. No caso de pessoal, o CNJ mandou o TJ-GO realizar um estudo, em 60 dias, no setor de recursos humanos para definir critérios mais claros para lotação de pessoal e redistribuição interna dos servidores. Os juízes do CNJ também observaram o não cumprimento da Resolução 112/2010, que trata do controle do prazo prescricional e da separação de processos que envolvem réus presos. Foi estabelecido o prazo de 60 dias para que o TJ-GO cumpra essa resolução.
LICITAÇÕES
Na parte de licitações e contratos, o CNJ também apontou irregularidades, como a inconsistência de informações na página do TJ-G0 na internet (falta de sequência em número de processos, diversas licitações para aquisição do mesmo objeto), pregão presencial em detrimento do eletrônico e indícios de cerceamento da competitividade, no caso, em licitações para fornecimento de lanches e refeições. No relatório, os inspetores apontam que os responsáveis por esse tipo de contratação atribuíram a reduzida competitividade no certame, “de forma pouco convincente”, à descrença por parte de fornecedores de que órgãos públicos honrem seus compromissos.
SUGESTÕES
O relatório do CNJ também traz determinações e sugestões gerais, entre elas, a realização de mutirões para arquivamento de atos infracionais e de crimes prescritos, remessa ao arquivo de processos encerrados, limitação de espaço de arquivo. Sobre a baixa produtividade dos magistrados, a Corregedoria-Geral de Justiça deverá estabelecer metas e acompanhar seu cumprimento. O CNJ determinou ainda que o TJ informe, em 60 dias, se há alguma estratégia para melhoria das centrais de mandados.
Inspeção do CNJ
Veja quais foram as principais irregularidades apontadas pelo relatório da inspeção realizada de 19 a 23 de novembro de 2012:
■ Destinação de cargos em comissão em desacordo com o estabelecido em lei
■ Inconsistência nas informações por internet a respeito de licitações
■ Pregão presencial em detrimento do eletrônico
■ Indícios de cerceamento da competitividade de licitação
■ Inexistência de convite para outros órgãos e entidades para participar do registro de preço
■ Fragilidade no controle e aferição de jornada de trabalho e no acesso ao TJ-GO
■ Processos paralisados há mais de 100 dias nos gabinetes de desembargadores
■ Discrepância entre o número de auxiliares no primeiro grau (juízes) e no segundo grau (desembargadores)
■ Não cumprimento de resolução do CNJ para controle do prazo prescricional e separação dos processos que envolvem réu preso
■ Demora no andamento dos processos nos juizados especiais
■ Baixa produtividade dos magistrados
■ Falta de juízes em Águas Lindas, onde um só magistrado respondia por todas as unidades
■ Falta de juízes em Luziânia
■ Falta de pessoal e acúmulo de processos na Contadoria Judiciária
Fonte: Conselho Nacional de Justiça
Processo tramita em sigilo
Procurada para comentar o resultado da inspeção realizada no Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), a Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem. O processo tramita em sigilo. Limitou-se a informar que sua posição está expressa no relatório. Entre os questionamentos não respondidos, o jornal quis saber se haverá algum acompanhamento sobre o cumprimento das medidas determinadas, sugeridas e recomendadas pelo CNJ, de que forma ele será feito e se haverá punição em caso de não atendimento.
A inspeção foi realizada de 19 a 23 de novembro do ano passado em unidades jurisdicionais de primeiro e segundo grau e na administração do tribunal. Durante os trabalhos, foi oferecido serviço de atendimento aos cidadãos, ocasião em que foram colhidas 247 reclamações escritas e orais dos interessados. Constatações in loco foram realizadas, com a verificação de documentos e processos, nas varas da capital e do interior, nas comarcas de Águas Lindas, Anápolis, Cidade Ocidental, Itajá, Itumbiara, Luziânia, Novo Gama, Planaltina de Goiás, Posse, Rio Verde e Valparaíso.
Na Corregedoria-Geral de Justiça e na Presidência do TJ-GO foram examinados processos disciplinares. O relatório que será autuado como pedido de providências.
Diretor diz que casos estão sendo resolvidos
Diretor-geral do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), Wilson Gamboge Júnior afirma que a forma como a inspeção foi feita – em apenas uma semana, 37 pessoas visitaram o tribunal e diversas comarcas –, principalmente em função do pouco tempo, não revelou a situação geral do órgão. Para ele, os inspetores ficaram presos a detalhes de pouca relevância, o que contribuiu para que o relatório tenha uma conotação ruim para o TJ goiano. “Na verdade, a situação não é bem assim”, sustenta Gamboge.
Ele cita como exemplo um caso destacado no relatório, de um desembargador aposentado que recebeu férias. “É simples: durante a vida funcional, ele teve vários períodos de férias não gozados. Quando se aposentou, foi indenizado. É fácil explicar, mas, no calor da inspeção, acabam a se prendendo a fatos como esse”, diz. Outro exemplo apresentado pelo diretor é em relação à inconsistência apontada nos números das licitações, como se o tribunal houvesse omitido o número. “São licitações que não ocorreram por fatores diversos.”
Sobre as providências que devem ser tomadas, o diretor diz que o TJ-GO se antecipou ao relatório, referindo-se ao projeto, aprovado pela Assembleia Legislativa, que criou 504 cargos e funções. Entre eles, foram 93 cargos em comissão para os juízes da comarca de Goiânia, o que possibilitará dobrar o número de assistentes jurídicos, hoje de um só por gabinete. Sobre a desigualdade no número de servidores de primeiro e segundo grau, Gamboge observa que há situações de gabinetes de desembargadores com volume de serviço em dia, especialmente nos da área criminal. Em compensação, há alguns cíveis no limite da exaustão.
OAB-GO afirma que havia detectado problemas
Presidente da seccional goiana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO), Henrique Tibúrcio avalia que o relatório da inspeção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) apenas confirma o que a instituição afirma há tempos: a falta de juízes e de auxiliares faz com que processos se arrastem. “Não há como resolver o problema da lentidão da Justiça sem mais juízes e servidores”, avalia Tibúrcio. Ele estava presente no início dos trabalhos de inspeção. “O problema de recursos humanos no Tribunal de Justiça de Goiás é crônico”, afirma. Tibúrcio estima em mais de cem o déficit de magistrados no Estado. “Precisaríamos de pelo menos 150 novos juízes, sem esquecer, é claro, dos servidores”. (Jornal O Popular, 28/10/2013 - Reportagem: Carla Borges)