Juiz Marcelo Bretas, responsável pela Lava Jato no Rio - Leo Martins / Agência O Globo
Conhecida como “Moro do Mato Grosso”, a juíza Selma Arruda também fez sua fama mandando figurões para a cadeia, desde integrantes de facções criminosas a políticos corruptos. E ela acredita que tanto os grupos que agem nos presídios brasileiros como os representantes nas mais diferentes esferas de poder têm hoje um objetivo em comum: acabar com a sua vida. Assim como o juiz Marcelo Bretas, que lidera a Lava Jato no Rio e teve a segurança reforçada na semana passada após ameaças, Selma figura na lista dos magistrados em situação de risco, segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Atualmente são 131 juízes nessa situação.
Desde setembro de 2015, Selma é escoltada todos os dias por quatro policiais militares do Mato Grosso, estado que tem outros quatro juízes nessa situação. O Rio de Janeiro é o estado com mais magistrados sob ameaça de morte: 23.
A escolta oferecida hoje a Selma e Bretas é uma exceção. Segundo o “Diagnóstico da Segurança Institucional do Poder Judiciário”, publicado em junho de 2016 pelo CNJ, apenas 30% dos tribunais do país disponibilizam esse tipo de serviço. Em relação a veículos blindados, a oferta é menor: 14%.
A juíza conta já ter recebido recados sobre possíveis ataques contra ela. Diz também que um dos políticos que mandou para a cadeia teria buscado apoio de uma facção para assassiná-la.
— Já recebi alguns avisos: ‘Estão dizendo por aí que fulano está oferecendo serviços de uma facção para te matar’. Essa facção estaria se unindo a esses figurões para fazer alguma coisa contra mim — disse ela, em entrevista ao GLOBO.
A juíza comanda a 7ª Vara Criminal do Mato Grosso e já mandou prender vereadores, deputados estaduais e também Silval Barbosa (PMDB), atualmente atrás das grades, depois de ter governado o estado de 2010 a 2014. Desde setembro de 2015, a magistrada pediu também escolta pessoal: o estopim veio quando, dentro do carro, com o marido, foi cercada por quatro homens em motocicletas, mas conseguiu fugir.
O último caso de assassinato de um juiz ocorreu em 2011, quando Patrícia Acioli, que atuava em São Gonçalo, na Baixada Fluminense, foi morta ao chegar em casa. Ela atuava em processos contra o crime organizado e corrupção policial.
Segundo Jayme de Oliveira, presidente da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), além da segurança pessoal dos juízes, a falta de estrutura atinge os prédios do Poder Judiciário.
— Temos visto vários atentados em fóruns. Em Goiás, botaram fogo em um. É uma situação extremamente preocupante porque mostra um estado de vulnerabilidade — disse.
ARMAS EM DEPÓSITO
Em março de 2016, um homem invadiu o Fórum Regional do Butantã, em São Paulo, tentou atear fogo no prédio e fez uma juíza refém. Tatiana Moreira Lima era responsável pela Vara de Violência Doméstica e iria julgar Alfredo José dos Santos naquele dia. Santos foi detido após rendê-la, jogar gasolina na magistrada e ameaçar acender um isqueiro.
A situação é agravada porque alguns dos tribunais do país ainda guardam armas em seus depósitos para entregar às Forças Armadas. Apenas na última semana, dois casos de invasões foram registrados. No último domingo, o fórum da Serra, no Espírito Santo, foi invadido e 150 armas, roubadas. Dois dias antes, em Camaçari, na Bahia, o mesmo crime aconteceu. Segundo o Sindicato dos Servidores Auxiliares do Poder Judiciário da Bahia (Sintaj), o fórum no interior da Bahia não tem câmeras de monitoramento, situação que se repete no restante do país: 44% dos tribunais de primeiro grau não têm qualquer sistema de controle de acesso.
— O nosso fórum não tem sequer um detector de metais — destaca Selma Arruda.
A juíza pediu a instalação de câmeras e foi atendida. Mas o restante do tribunal permanece sem os equipamentos. A falta de apoio institucional e o temor não fazem Selma desistir:
— Juiz não pode ser medroso.
JUÍZA MORTA POR POLICIAIS
A juíza Patricia Acioli, titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, foi assassinada na porta de casa, em Niterói, em agosto de 2011. A magistrada foi executada com 21 tiros. A morte foi tramada por um grupo de policiais militares que eram investigados pela juíza. Todos os PMs eram acusados de envolvimento com grupos de extermínios e suspeitos de corrupção. Apesar de ameaçada de morte, Patricia Acioli estava sem escolta policial quando foi abordada pelos assassinos.
Ao todo, 11 policiais foram condenados pelo crime. Nove eram praças: o sargento Charles de Azevedo Tavares; os cabos Alex Ribeiro Pereira, Jeferson de Araújo Miranda, Sammy dos Santos Quintanilha Cardoso, Sergio Costa Júnior, Carlos Adílio Maciel Santos, Jovanis Falcão Junior; e os soldados Junior Cezar de Medeiros e Handerson Lents Henriques da Silva.
Além deles, a Justiça condenou dois oficiais da Polícia Militar: o tenente Daniel Santos Benitez Lopez e o tenente-coronel Cláudio Luiz Silva de Oliveira — então comandante do 7º BPM (São Gonçalo) e apontado como o mandante da execução. Eles receberam as penas mais altas do grupo: 36 anos de prisão em regime fechado.
Fonte: O Globo