Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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Reportagem de O Popular destaca uso da poesia e combate ao "juridiquês" no Direito

Walter Carlos Lemes Desembargador Walter Carlos Lemes

A reportagem cita exemplo de decisão em forma de poesia do hoje presidente do TRE e diretor da ASMEGO, desembargador Walter Carlos Lemes


O jornal O Popular deste domingo trouxe uma reportagem que aborda o uso de formas poéticas de escrita por operadores do Direito, como magistrados e advogados. Também discute o combate ao "juridiquês", modo rebuscado de discurso ainda adotado por muitos dos profissionais da área. A reportagem cita exemplo de decisão em forma de poesia do hoje presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-GO), desembargador Walter Carlos Lemes, também diretor da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (ASMEGO).


Leia a íntegra da reportagem:



Cada poesia, uma sentença


Decisões e pedidos feitos no Judiciário em forma de poema causam estranheza, mas são permitidos


Um homem que diz odiar tanto poesia a ponto de matar a tiros uma pessoa que declamou em voz alta alguns versos a uma mulher em um bar teve seu mandado de prisão e sentença de pronúncia também declamada em forma de poesia por um espirituoso magistrado. Isso aconteceu em Caiapônia, há 30 anos, mas, vez ou outra, a sisudez do Judiciário dá lugar a ironia ou uma brincadeira em meio a despachos e sentenças repletas de frios termos jurídicos. O caso mais recente que ganhou repercussão nacional aconteceu no Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJ-TO), onde primeiro um advogado submeteu uma petição em 18 versos, e, depois, o juiz publicou a decisão também em forma de poema.


No caso goiano, ocorrido em 1985, o juiz era o hoje presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), desembargador Walter Carlos Lemes, que relembra a história no livro “Janelas do Tempo” (confira a sentença em quadro nesta página). “É uma maneira do cidadão expor as suas ideias. Nesse caso específico, já que o réu não gostava de poesia, eu aproveitei a deixa e ele com certeza odiou ainda mais depois disso. Foi um crime absurdo”, relatou o desembargador.


A sentença foi contra Roque Lima Dias, que se irritou com o pedreiro Adolfo Martins Damascena ao vê-lo declamar uma poesia a uma mulher que trabalhava na casa de prostituição em que ambos se encontravam. Roque pediu para Adolfo se calar, e após a recusa do pedreiro sacou uma pistola e disparou quatro tiros contra a vítima. Adolfo não resistiu aos ferimentos e morreu no local.


Na lei


O advogado especialista em redação jurídica e língua portuguesa, Carlos André Nunes, explicou que casos poéticos são permitidos. O detalhe é que é necessária uma estrutura adequada. Como na petição inicial, os fatos, fundamentos e também os pedidos são exigidos


Na sentença é preciso conter o relatório, fundamentação e a decisão. Portanto são restritos os embasamentos, e não a forma de se escrever. “Não é contra a Lei. Consta no artigo 282 do antigo Código de Processo Civil, ou 319 no novo Código. Por tradição esses textos são em prosa, em parágrafo. Mas não há obrigatoriedade legal de que sejam dessa forma. Apenas o recomendável, é bom deixar claro, é que sejam assim.”


Em Goiás, último caso é de 97


Embora sejam exceção no Estado, processos em forma de poemas já ocorreram. O último foi registrado em 1997, do juiz da 5ª Vara Cível da Comarca de Goiânia Denival Francisco da Silva. O tempo dificulta a lembrança, mas, segundo ele, era uma sentença criminal escrita ainda na máquina de datilografia.


“Era uma situação inusitada porque eu sempre fui apegado a poemas. E o advogado, sabendo disso, fez uma defesa em forma de poesia. Tomei aquilo como um desafio e resolvi fazer da mesma forma”, destaca o autor do livro Poemas: entre significantes e significados.


Há poucos dias um processo também chamou a atenção pelo tom poético, mas em Tocantins. O advogado Carlos Antônio do Nascimento, ao representar um motociclista acidentado, entrou com recurso contra uma seguradora. Para não pagar o seguro obrigatório, a empresa havia alegado que a ação deveria tramitar em outra comarca, já que o acidente aconteceu em outro município.


Mas esse não foi um recurso qualquer. Inspirado, Nascimento apresentou a petição em forma de poesia. Não menos inspirado, o juiz Zacarias Leonardo também usou versos para responder, aceitando o recurso.


O magistrado contou que decidiu escrever os versos porque a petição foi muito bem fundamentada. “Fiquei tocado pela situação. Poesia é raro.”, disse em entrevista à Agência Estado.


O juiz afirmou que não será fácil usar novamente a inspiração para escrever uma decisão. “Não consigo fazer de forma mecânica. É preciso tempo. Se fosse frequente, redundaria em prejuízo ao processo judiciário.”


“Juridiquês” é alvo de discussão em todo o País


Entre as maneiras de se escrever uma ação ou uma decisão judicial não só a poesia é vista de forma diferente. A forma rebuscada também. A recente reforma do Código de Processo Civil, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em março desse ano, trouxe além da busca por agilidade nos processos jurídicos um debate acerca do vocabulário jurídico.


“Consorte supérstite”, por exemplo, significa viúvo. Pior, “ergástulo público” é sinônimo de cadeia. Esse excesso de preciosismo é considerado pelo advogado especialista em redação jurídica, Carlos André Nunes, dispensável em determinadas situações, como na busca do Latim. “Existe ainda quem utilize uma linguagem rebuscada, como em séculos passados, e em muitas vezes desnecessárias. Há ainda a redundância dispensável, como em termos em Latim. Aquele que recebe a prestação de serviços jurisdicionais não consegue entender o que está acontecendo”, salientou. “Nesse processo de reforma a grande discussão é de como o direito vai se expor diante do público em termos de texto”, complementou.


Há, inclusive, uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a simplificação das decisões judiciais. “Eu já pratico isso há muito tempo. Não sou adepto de uma linguagem tão rebuscada. Sou a favor das decisões de forma clara e mais objetiva”, afirmou o desembargador Walter Carlos Lemes, presidente do TRE-GO.


Termos


Há, porém, uma questão a ser considerada, segundo Carlos André Nunes, em relação aos termos técnicos no Direito, outra questão também criticada. Para ele, alguns têm que ser mantidos.


“Nós temos que fazer uma diferenciação daquilo que chamamos de “juridiquês” e a necessidade de se usar os termos técnicos. Precisamos saber o momento ideal de utilizar. Existem termos específicos em toda profissão, como engenheiros e médicos. Toda ciência utiliza-se disso. É o caso do direito também. São termos necessários para o bom processo de comunicação na petição inicial”, defendeu. “Mesmo que haja uma simplificação. Eu não vejo com bons olhos retirar os termos técnicos”, pontuou.


Fonte: Jornal O Popular