Situação preocupa magistrados, promotores e advogados
Na edição desta segunda-feira (17) do jornal O Popular, reportagem revela o impacto para as demandas da Justiças da demora na liberação de provas técnicas pelo Estado, a exemplo dos exames de DNA. A situação, alertam juízes, promotores e advogados, prejudica toda a população, podendo prejudicar inocentes e beneficiar culpados de crimes. Leia a íntegra da reportagem.
Judiciário
Demora em laudos atrasa Justiça
Já houve caso de júri adiado e expedição de alvará de soltura de réu por falta da prova técnico-científica
Juiz Jesseir Coelho de Alcântara: “É uma situação absurda. O Estado tem de gerir isso” (Crédito: Cristina Cabral)
A demora na apresentação de provas técnicas nos processos está dificultando o trabalho de juízes, promotores de Justiça e advogados e aumentando ainda mais o tempo de espera por uma resposta da Justiça, o que pode prejudicar inocentes e também beneficiar culpados. Já houve caso de réu que recebeu alvará de soltura por falta de laudo técnico sobre o crime pela qual é acusado. São laudos desde os teoricamente mais simples, como de balística, até os mais complexos, como a comparação de material genético em exames de DNA.
No mês passado, a realização de um júri popular chegou a ser adiada devido à falta do resultado do exame de DNA, cujas amostras estão no Instituto de Criminalística Leonardo Rodrigues, da Polícia Técnico-Científica. A sessão chegou a ser aberta para o julgamento do auxiliar de serviços gerais Geraldo Crispim da Silva, acusado de matar, em fevereiro de 2011, Danielly Cristina de Paula Meireles, no Jardim Guanabara, em Goiânia. Apesar de ser um caso ocorrido há três anos, a prova científica ainda não foi produzida.
O júri foi adiado a pedido do promotor de Justiça Maurício Gonçalves de Camargo. O juiz Jesseir Coelho de Alcântara determinou, então, a expedição do alvará de soltura do réu, por entender que ele não pode ficar preso devido a uma deficiência do Estado. Geraldo só não foi colocado em liberdade porque tem prisão decretada por outro homicídio. Ao POPULAR, o promotor explicou que não tinha condições de realizar o júri. “Pedi o adiamento porque a tese do réu é de negativa da autoria e há um exame de DNA a ser feito em uma amostra de sangue em uma blusa encontrada no local do crime. Como eu poderia fazer o júri sem a prova de que o réu é o autor?”, esclarece Gonçalves, acrescentando que a grande maioria dos casos está sendo conduzida apenas com provas testemunhais. “A prova científica não deixa nenhuma margem para discussão”, observa.
O juiz Jesseir Alcântara sustenta que não é possível realizar um julgamento em caso de dúvida. No caso do júri adiado, há uma mulher apontada como suspeita do assassinato. Outro caso semelhante foi o de Luiz Guilherme Elias Cavalcante, de 19, acusado de matar a facadas o pai adotivo, Luiz Gonzaga de Souza Cavalcante, de 60, e a namorada, Laiz Santiago Rodrigues, de 20, no Conjunto Aruanã 2, em Goiânia. Jesseir também revogou a prisão por falta de laudo para instrução do processo. “O Estado tem de gerir isso”, entende o magistrado. “Ninguém pode pagar pela inércia do Estado, principalmente com prisão. Assim como merece ser preso, em caso de cometer um crime, o cidadão também merece ser solto nesse tipo de situação”, afirma.
Segundo Jesseir, os atrasos sempre ocorreram, mas ultimamente estão ainda maiores. Ele relata que as justificativas do Instituto de Criminalística são de excesso de laudos para confecção, falta de material e de pessoal. “É uma situação absurda”, diz.
O promotor Maurício Gonçalves também relata que o problema é histórico, mas tem se agravado ultimamente. “O Instituto de Criminalística está em débito e não apenas com as investigações de crimes dolosos contra a vida, mas de outros, como furtos, roubos, acidentes de trânsito e tráfico de drogas”, aponta. “Esses laudos são fundamentais para direcionar a acusação, fazer um histórico do fato e para não cometeremos injustiças. A situação compromete demais o nosso trabalho e até mesmo a aplicação de Justiça, que é o objetivo final da atuação de todos os operadores de Direito envolvidos”.
O juiz Eduardo Pio Mascarenhas da Silva, da 1ª Vara Criminal de Goiânia, conta que não chegou ao extremo de precisar adiar um julgamento, mas também relata problemas com a demora, principalmente quando é caso de réu solto. “Quando o réu está preso, temos um prazo muito curto para concluir, mas vamos buscando alternativas para concluir no prazo estabelecido, como fazer encaixes de audiências, apertando a pauta”, informa, admitindo que essa situação provoca sobrecarga de trabalho para todos os envolvidos. “Às vezes, não dá tempo para intimar testemunhas. É preciso correr para compensar”. Mascarenhas pondera que o ideal é que a confecção de laudos diversos seja mais rápida.
SPTC diz que trabalhae espera por concurso
Superintendente de Polícia Técnico-Científica da Secretaria de Segurança Pública, Rejane da Silva Sena Barcelos assegura que os servidores do Instituto de Criminalística trabalham, e muito - das 7 às 19 horas todos os dias - na tentativa de resolver todas as demandas que chegam, mas reconhece que elas aumentam a cada dia. Mesmo com um prédio considerado um dos melhores da América Latina e com especialistas, mestres e doutores, o instituto precisa de mais gente e equipamentos, e ampliação física.
Em 2010, o Estado contava com 60 peritos. Hoje, são 160 em todo o Estado. No pedido de realização de novo concurso - o último foi em 2010 -, que está sob avaliação, é apontada a necessidade de contratação de mais 260 peritos, 150 médicos legistas, 100 papiloscopistas e 60 auxiliares de autópsia.
Rejane chama a atenção para a complexidade do trabalho de perícia e observa que as estatísticas de crimes têm aumentado. “Cada local de crime pode abrir um leque enorme de possibilidades a serem analisadas em 1 ou vários dos 12 laboratórios que possuímos”, diz, citando como exemplo os de DNA, biologia, toxicologia, áudio e vídeo e informática, entre outros. “Às vezes, uma amostra é enviada a um laboratório, mas pode desembocar em outros”, esclarece. Sem contar que para cada caso podem haver dezenas de amostras analisadas, de um ou mais supostos envolvidos. “A Polícia Técnica é científica e tem de usar os conhecimentos em ciências naturais e aplica-los na resolução dos crimes”, afirma.
Qualidade do material interfere no tempo
A superintendente de Polícia Técnico-Científica da Secretaria de Segurança Pública, Rejane da Silva Sena Barcelos, diz que a demora, muitas vezes é provocada pela qualidade do material recebido. Segundo ela, muitas amostras que vêm de locais de crime, têm sangue lavado pela chuva, corpos em decomposição, enfim, maculadas por um ou mais fatores que interferem diretamente na qualidade. “As amostras em processos criminais têm todas essas especificidades, que devem ser consideradas”, declara.
No caso específico do júri de Geraldo Crispim da Silva, que foi adiado, a superintendente informou que as amostras estão sendo analisadas no laboratório de DNA. Para Rejane, a prova maior do trabalho do instituto é a quantidade média de laudos liberados mensalmente: são 30 no laboratório de DNA e 1,3 mil no de drogas, com o detalhe de que esse último conta com apenas 3 peritos. (Fonte: Jornal O Popular, Editoria de Cidades, Carla Borges, 17/03/2014)
Fonte: Assessoria de Comunicação da ASMEGO e jornal O Popular