Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

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Reportagem destaca déficit de juízes como entrave no combate à corrupção

O jornal O Popular traz reportagem na edição deste domingo (30) em que analisa os efeitos da aprovação do projeto de lei que torna a corrupção crime hediondo no País. No texto da reportagem, o jornal cita o déficit de juízes em Goiás como uma das dificuldades para a adequada punição dos criminosos.


A reportagem também revela que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) criará um núcleo técnico de apoio aos magistrados que julgam ações de improbidade, funcionando como uma assessoria aos juízes, visando a agilizar as decisões nesta esfera.


Leia a íntegra da reportagem:


Combate à corrupção cheio de obstáculos


Bastante comemorada pela sociedade em meio à onda de protestos que tomam as ruas do País, a aprovação de um projeto que inclui corrupção no rol de crimes hediondos, com pena mais severa, pouco vai contribuir para o combate à impunidade, se virar lei. Apesar de já ter passado pelo Senado e ainda depender de ratificação da Câmara dos Deputados, a proposta vai esbarrar na falta de estrutura adequada das polícias e do Ministério Público e na morosidade do Poder Judiciário. Relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revela que o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) julgou só 24,5% das ações penais e de improbidade administrativa distribuídas até dezembro de 2011. Significa que pelo menos 3.403 processos relativos a casos de corrupção estão travados no Estado, à espera de julgamento.


O porcentual de ações julgadas, em Goiás, é bem menor que o da média nacional (36,55%) e, se considerados só os processos de improbidade administrativa distribuídos no Judiciário goiano até 2011, o dado é ainda mais desolador. Só 18,8% deles foram julgados, enquanto a média nacional chegou a 40,8%, de acordo com relatório do CNJ atualizado na última segunda-feira. Por outro lado, apenas 26,5% das ações penais de crimes contra a administração pública receberam uma decisão da Justiça, em Goiás. No País, foram 33,8%.


Do total de 4.507 processos envolvendo casos de corrupção distribuídos no Estado, o TJ-GO conseguiu dar uma resposta só para 1.104 delas, ou seja, terá de julgar, em média, pelo menos 567 processos por mês, se quiser cumprir a Meta 18, do CNJ, bandeira de combate à corrupção, cujo prazo de alcance vence no final do ano.


Em todo o País, os tribunais têm 77 mil processos de improbidade administrativa e de crimes contra a administração pública emperrados. Mas, além desse acúmulo de ações sem julgamento, a própria lentidão na análise de recursos contribui para aumentar a sensação de impunidade. Só depois das recentes manifestações populares, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a prisão do deputado Natan Donadon (PMDB-RO), condenado em outubro de 2010 a quatro meses e dez dias de prisão, em regime inicialmente fechado, pelos crimes de formação de quadrilha e peculato. Ele é o primeiro deputado preso desde 1974.


ESTRUTURA DEFASADA


Um ato de corrupção pode gerar dois processos. No âmbito cível, pode levar até a perda de direitos políticos e, no criminal, à prisão. No caso de Goiás, entretanto, o déficit de 93 juízes retarda ainda mais o julgamento dessas ações. Na capital, por exemplo, existem apenas 5 juízes da Vara da Fazenda Pública Estadual e 4 da Vara da Fazenda Pública Municipal, que atuam na esfera cível. O problema fica ainda maior, se considerar que o Estado não tem varas especializadas para julgar ações contra a administração pública.


Apesar de ter conseguido manter seu poder de investigação com o arquivamento da proposta de emenda constitucional (PEC) nº 37, o Ministério Público também enfrenta barreiras. Só existem cinco promotorias estaduais que atuam na área de defesa do patrimônio público e todas estão abarrotadas de processos.


A Polícia Civil também está numa situação bastante precária. A Delegacia Estadual de Repressão a Crimes contra a Administração Pública (Dercap) conta com 5 delegados, sufocados pelo acúmulo inquéritos.


Representantes das três instituições admitem os problemas e, mais uma vez, prometem melhorias na estrutura de trabalho, ainda tímida diante da imenso número de casos de corrupção que se avoluma a cada dia. Para corrupção ativa e passiva e peculato, a pena mínima passa de dois para quatro anos e a máxima se mantém em 12 anos, se o projeto de lei passar pelo Congresso e sancionado.


Promessas de combate à corrupção no Estado


Depois da efervescência do povo nas ruas, representantes do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), do Ministério Público (MP) e da Polícia Civil informaram, na semana passada, ao POPULAR, as medidas que serão adotadas para o combate à corrupção, um dos cinco pactos propostos pela presidente Dima Rousseff (PT), em resposta aos protestos populares.


O juiz Carlos Magno, auxiliar da presidência do TJ-GO, antecipou que o órgão vai criar um núcleo técnico de apoio aos magistrados que julgam as ações de improbidade, o que, na prática, deve funcionar como uma grande assessoria para os magistrados agilizarem as decisões. Além disso, será feito um mutirão de trabalhos no Judiciário goiano até o final do ano, quando vence o prazo de cumprimento da Meta 18, estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como bandeira de combate à corrupção, com o julgamento de todos os processos contra a administração pública e de improbidade administrativa distribuídos até 2011. Todas essas medidas integram o Projeto Acelerar, ainda em estudo no TJ estadual.


Em Goiás, existem pendentes 3.403 processos envolvendo casos de corrupção. Apesar de os próprios tribunais informarem os dados ao CNJ, Carlos Magno disse que vai fazer amanhã uma reunião com técnicos do órgão, para corrigir esse número. O juiz Reinaldo Alves Ferreira, também auxiliar da presidência do TJ-GO, disse, entretanto, que o índice não deve mudar muito e garantiu que o Judiciário goiano está fazendo todo esforço para cumprir a Meta 18.


Ao ressaltar que “a proposta de incluir a corrupção no rol de crimes hediondos é uma resposta à voz das ruas”, o procurador-geral de Justiça do Estado, Lauro Machado, adiantou que o Ministério Público de Goiás (MP-GO) tem um estudo conclusivo para aumentar a quantidade de promotorias de defesa do patrimônio público. “Mas também é necessária modificação de alguns pontos do processo penal que pudesse dar mais instrumentos para investigação mais eficaz”, sugeriu.


Delegado-geral da Polícia Civil, João Carlos Gorski admite que o concurso para chamar 753 novos profissionais, em andamento, deve só amenizar a falta de estrutura humana na corporação. Segundo ele, a nomeação de delegados, agentes e escrivães aprovados deve começar só em janeiro.


Especialistas criticam legislação benevolente e populismo penal


O endurecimento da pena para os crimes de corrupção gera divergência entre especialistas, ouvidos pelo POPULAR. O promotor de Justiça Alencar José Vital, presidente da Associação Goiana do Ministério Público (MP), considera que a proposta de agravar a sanção para os crimes de corrupção “é uma necessidade no Brasil.” Ele defende uma alteração nas legislações civil e processual civil, para que seja possível sequestrar com mais rapidez o patrimônio de quem praticar corrupção, a fim de ressarcir o erário. “Nossa legislação é muito benevolente e garantista diante de casos em que é preciso reaver o bem desviado”, frisa.


Os casos de corrupção no País têm relação direta com a sensação de impunidade, na avaliação do advogado criminalista Pedro Paulo de Medeiros, conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “A sensação de impunidade está ligada à demora na aplicação e cumprimento da pena”, avaliou ele. “Não adianta fazer populismo penal aumentando a pena, apenas para as pessoas acharem que vai resolver esse gargalo do País.”


“Combate vai além de alteração na lei”


Apesar de agravar a situação do condenado, a proposta de incluir corrupção na lista de crimes hediondos, já aprovada pelo Senado, traz à tona uma atitude “perigosa” do Legislativo. A análise é do professor de Direito Penal e Processo Penal da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) Roberto Serra. “É preciso ter muito cuidado com a aprovação de leis, em momentos de pressão popular”, afirmou ao POPULAR.


Se virar lei, de que forma a proposta que define corrupção como crime hediondo contribui para superarmos esse histórico gargalo do País?


Vai agravar bastante a situação do condenado, sob o ponto de vista penal. O condenado não terá direito à anistia, a indulto e à fiança, por exemplo, e vai cumprir a pena em regime inicialmente fechado, conforme diz a lei dos crimes hediondos.


Mas a pena de até 4 anos pode ser convertida em prestação de serviços à comunidade...


Exatamente, porém, como agora a corrupção vai fazer parte do rol de crimes hediondos, isso seria proibido. A lei dos crimes hediondos impõe que a pena seja cumprida em regime inicialmente fechado. Logo, em tese, não se admitiria pena alternativa.


O endurecimento da sanção vai implicar numa diminuição de casos de corrupção no País?


É preciso ter muito cuidado com aprovação de leis, em momentos de pressão popular. Existe uma teoria que os penalistas chamam de Direito Penal de Emergência. É aquela situação em que, movido pela pressão popular, o Legislativo cria normas de repressão. Foi exatamente isso que aconteceu com essa aprovação acelerada. Isso é muito perigoso, não se resolve o problema. A saída não está no endurecimento das leis. Se for por essa linha, vai aumentar até quando? Não adianta transformar crime em hediondo, pura e simplesmente.


O que é necessário, então?


A devida apuração dos crimes, a punição. Também é necessário que haja esforço do Estado no sentido de apurar as condutas criminosas. Mudar a lei é só um paliativo. Não adianta reduzir maioridade penal, instituir pena de morte, também. Deve-se criar políticas para investimentos nos órgãos de apuração e no sistema penitenciário do Brasil, que também é castigado pela corrupção, assim como investir em mecanismos de agilidade do Judiciário. O combate à corrupção vai muito mais além de uma alteração na lei. A lei é só um detalhe, o que deve ser alterado é a conduta do ser humano, a postura.