Era início da madrugada e o ônibus percorria uma rodovia de chão, quando, de repente, parou no meio da estrada. A única passageira, a juíza de Direito Élia Neves Jungmann, estava viajando de Mozarlândia para Goiânia, da comarca para a sua casa. Não havia internet ou celular. Era fim dos anos 1970, e a chance de voltar para casa estava nas habilidades mecânicas do motorista de confiança, que tentava consertar o veículo.
Como a vontade de rever a família era grande, ela aceitou a ideia do motorista: pegar uma carona. E dentro de um caminhão que carregava britas, a juíza Élia Jungmann chegou em casa onde as filhas aguardavam angustiadas: uma delas esperava na janela. Essa realidade, sem nenhum glamour e em situação de risco, era comum a muitos magistrados e vivenciada semanalmente pela protagonista desta história.
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Da mesma turma do atual presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), Gilberto Marques Filho, e tantos outros colegas de destaque, a juíza Élia Neves Jungmann ingressou na Magistratura em 1976. Com mais de 40 anos, após uma vida dedicada à docência, ela entrou decidiu ser magistrada. Professora desde os 18 anos, apaixonada por História e Artes, Élia atuou em escolas como o Liceu de Goiânia. Ao trabalhar um período em cartório e no Fórum, ela se encantou pelo Direito, formou-se bacharel e foi aprovada no certame. Casada e com três filhas, ela aceitou o desafio de morar longe de casa para ser juíza. Mas, todo o carinho e dedicação era dado em dobro aos finais de semana.
Sua primeira comarca, ainda no período probatório, foi Estrela do Norte. "Cheguei para me instalar na casa que era destinada aos juízes e não tinha energia elétrica. A iluminação era por lamparina", afirmou. Lá ela dividia a residência com o caseiro e família. Depois de ser oficialmente empossada como juíza de Direito foi para Mozarlândia, onde passou por situações adversas como a registrada no início do texto.
De lá, a magistrada foi para Abadiânia, próximo a Anápolis e mais próximo de casa, onde experimentou o encanto da população com a realização do tribunal do Júri. "As pessoas admiravam uma mulher de toga e presidindo o tribunal do Júri. Recebi muitas felicitações dos populares e nenhuma objeção por ser mulher. Era uma época em que a comunidade parava para assistir aos julgamentos", comentou ela que atuou também em Piracanjuba, onde ficou por 15 anos, e Itaberaí, onde se aposentou.
Juíza Élia Jungmann
Situação que marcou a carreira
Os juízes e as juízas como agente de transformação social. A magistrada aposentada Élia Neves Jungmann acredita nisso e na sua memória guarda uma recordação especial: quando era juíza de Itaberaí auxiliou um jovem a reencontrar sua família. "Um rapaz me pediu ajuda e chegou a chorar ao dizer que a mãe havia sumido quando ele era menino", relembrou ela. Então, Élia Jungmann escreveu um ofício para o Tribunal Superior Eleitoral e o retorno foi imediato. O órgão encaminhou o endereço da mãe do rapaz. "Ao contar para o rapaz, ele me pediu um abraço e nós choramos juntos", recordou com emoção a juíza. "Senti que fiz a diferença na vida daquela família. Ser juiz vai além de julgar processos, nós também participamos da vida da cidade", finalizou
Magistrada entre as filhas Regina e Elianne Jungmann
Família
A admiração pela posição de destaque de Élia Jungmann perante as mulheres era compartilhada com as filhas. Certa vez, nos anos 1980, ao indagar a uma das jovens sobre a presença da mãe, uma colega recebeu como resposta: "ela mora fora, é juíza de Direito". No fim de semana, ao retornar da comarca, Élia foi recebida por um grupo de vizinhas que, surpresas por ter uma magistrada como vizinha, gostariam conhecê-la.
Mãe de Regina Jungmann, Elianne Jungmann, Kathe Jungmann, hoje médicas, e esposa de Augusto Jungmann Filho (in memoriam), mesmo diante de tanta responsabilidade perante o Judiciário, ela fazia questão de dedicar exclusivamente a eles aos finais de semana. Produziu o enxoval das filhas e sempre fazia bolinhos de chuva para o marido. Nascida na Bahia, ainda criança, filha de comerciante de gado e dona de casa, mudou-se para Goiás justamente devido a preocupação dos pais com a educação dela e de suas duas irmãs.
Hoje, além da dedicação às filhas e aos netos, Élia também atua na organização de um museu em Aruanã, que levará o seu nome. Livros e objetos antigos doados pela família serão disponibilizados no ambiente, que será aberto ao público.
Fonte: Assessoria de Comunicação da ASMEGO | Mediato Multiagência. Fotos: Luciana Lombardi e Acervo Pessoal