Por Luiz Orlando Carneiro, no Jornal do Brasil:
A altíssima taxa de encarceramento no Brasil (245 presos para cada 100 mil habitantes) e uma população estimada de mais de 200 mil presos provisórios (45% num total de 470 mil) – dados comprovados nos mutirões promovidos pelo Conselho Nacional de Justiça – fizeram com que o órgão de controle externo do Judiciário aprovasse duas resoluções que podem provocar reações de associações de magistrados, como admite o juiz auxiliar da presidência do CNJ e coordenador dos mutirões, Erivaldo Ribeiro dos Santos. A primeira determina que, “ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá, imediatamente, ouvido o Ministério Público, fundamentar sobre a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança”, além de outras providências destinadas a evitar que a prisão provisória seja simplesmente “homologada”. A segunda resolução “institucionaliza mecanismo de revisão periódica (anual) das prisões provisórias e definitivas, das medidas de segurança e das internações de adolescentes”, por parte dos tribunais e das varas com competência em matéria criminal e de execução penal.
Por outro lado, o coordenador nacional dos mutirões do CNJ considera “da maior relevância” a aprovação pelo Congresso, na última quarta-feira, do projeto de lei que organiza, “finalmente”, a Defensoria Pública em todo país – “um marco histórico na sua consolidação como instituição responsável pela prestação de assistência jurídica integral e de qualidade à população mais carente”, segundo avaliação do presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), André Castro. A Anadep e a Pastoral Carcerária da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) cobram, agora, a aprovação urgente, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, em caráter terminativo, do projeto de lei que prevê a instalação, no interior dos presídios, de locais apropriados nos quais defensores públicos possam dar assistência direta a detentos que não têm como pagar advogados, e ficam esquecidos em celas superlotadas.
O juiz Ribeiro dos Santos revela que, no mutirão realizado na Paraíba, foram identificados mais de 90 prisioneiros cumprindo penas já vencidas e a maioria totalmente desassistida. Dá como exemplo o caso de uma senhora, Elenilda M.M., recolhida ao Presídio Júlia Maranhão, desde setembro do ano passado, presa em flagrante por crime de falsificação de moeda. O processo correu, inicialmente, na comarca de Guarabira, mas a competência passou para a vara federal. O decreto de prisão da Justiça federal foi revogado, mas o alvará de soltura não foi cumprido. O juiz de plantão informou que a ré tinha processo tramitando na vara de execução penal, sem observar que se tratava de caso de pena alternativa, e não de reclusão.
– O mais grave é que o crime estava prescrito, e tal fato foi reconhecido no mês seguinte (outubro) – comenta o auxiliar da presidência do CNJ. – Apesar disso, dona Elenilda, mãe de oito filhos, todos menores e alguns vivendo em creche comunitária, permaneceu presa por mais de um ano, sem justo motivo, até que o mutirão carcerário reparasse a injustiça, na noite de segunda-feira última.
A resolução do CNJ que determina a ação do juiz, de ofício (sem que seja provocado), a fim de diminuir o elevado número de prisões provisórias irregulares, em decorrência de flagrante delito, dispõe que, “em até 48 horas da comunicação da prisão, não sendo juntados documentos e certidões que o juiz entende imprescindível à decisão, e não havendo advogado constituído, será nomeado advogado ou comunicada a Defensoria Pública para que regularize em prazo razoável, que não pode exceder cinco dias”. E ainda: “Quando a certidão e o esclarecimento de eventuais antecedentes estiverem ao alcance do próprio juízo, por meio de sistema informatizado, fica dispensada a juntada e o esclarecimento pela defesa, cabendo ao juízo fazê-lo, se entender necessário”.
Por sua vez, a nova resolução que institucionaliza o mecanismo da revisão, “com periodicidade mínima anual”, da legalidade da manutenção das prisões provisórias e definitivas propõe aos tribunais a promoção de “ações integradas, com a participação do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil, dos órgãos de administração penitenciária e de segurança pública, das instituições de ensino e outras eventuais entidades com atuação correlata”.
Ou seja, “institucionaliza os mutirões”, como ressalta o juiz Erivaldo Ribeiro dos Santos, que lembra, no entanto, que “novas leis e novas resoluções não vão alterar, de pronto, o que ocorre no mundo real, já que a situação carcerária é muito grave, e exige vontade e determinação de todos”.