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Sem regulamentação, Marco Civil da Internet corre risco de retrocesso

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Estudo publicado pela organização Artigo 19 na sexta-feira (30/10) sobre a vigência do Marco Civil da Internet adverte que, apesar de avanços significativos na sua implementação, ainda falta ser feita a  regulamentação de alguns pontos. O marco entrou em vigor em maio de 2014.


A pesquisa sobre o marco jurídico que regulamenta os direitos e deveres de usuários, provedores e do Estado na internet foi separada em cinco partes: Remoção de conteúdo e responsabilidade dos provedores; Desenvolvimento e acesso à internet; Privacidade; Neutralidade da rede e Outros direitos.


Todas as partes contam com apontamentos sobre possíveis avanços e retrocessos que a legislação trouxe elencados num “Mapa da Lei” e “Um ano depois…”. Além disso, traz a necessidade de uma “Agenda”, que levanta perspectivas para avanços futuros em cada tema.


De acordo com Luiz Perin Filho, assistente da área de Direitos Digitais da Artigo 19 e um dos responsáveis pela análise, apesar de diversos avanços, o Marco Civil ainda corre riscos de ser desfigurado, “seja por projetos de lei de caráter policialesco que ameaçam a privacidade de usuários, como é o caso do PL 215, seja pela própria regulamentação que pode retroceder em questões críticas como a neutralidade de rede, dados os fatores conjunturais do governo e da pressão de determinados setores”.


Uma das questões mais problemáticas apontada no estudo trata justamente da neutralidade de rede. Segundo a análise, apesar de o Marco Civil ser claro na garantia da igualdade de tratamento a pacotes de dados, assegurando distinção alguma para o tráfego de “conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação”, adverte que operadoras de celular têm oferecido serviços de “zero rating” para alguns aplicativos populares como o Whatsapp e Facebook, prática que violaria o princípio de neutralidade de rede.


Outro ponto polêmico trata sobre as regras que determinam o procedimento de remoção de conteúdo e responsabilidade de provedores. A análise localizou poucas situações em que prestadores de serviços foram punidos em função de conteúdo postado por terceiros, previsto no Marco Civil.


“Falta, ainda, maior compreensão do Judiciário para questões chave relacionadas justamente ao funcionamento e à dinâmica da internet”, salientou Perin Filho.


Confira alguns trechos do estudo, que pode ser lido na íntegra aqui, associados aos problemas encontrados:


Remoção de conteúdo
Trecho: “Com relação à identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente definida no artigo 19, parágrafo 1º, observamos que a tendência que o judiciário vem adotando é a de indicação de URLs (endereço para páginas na web) do conteúdo, quando este está disponível na rede. Contudo, o MCI não especifica exatamente a maneira como isso deve ser feito, ficando a critério dos juízes”


Desenvolvimento e acesso à internet
Trecho: “A ARTIGO 19 não identificou avanços para a efetivação da essencialidade do serviço de internet para os brasileiros, desde que o MCI entrou em vigor. Não houve tentativa de oficializar que os serviços de internet sejam tratados como essenciais, como mencionado acima, o que poderia garantir a universalização.


Não foram identificados avanços significativos no estabelecimento de mecanismos de governança multiparticipativa em outros âmbitos além dos já existentes anteriormente ao Marco Civil da Internet


Privacidade
Trecho: “Importante ressaltar que ainda não identificamos iniciativas para que o consentimento fosse dado de maneira livre, expressa e informada, de forma destacada ou mesmo independente do resto dos termos de uso. O usual ainda é a aceitação através de um único “botão” que abre sobre os termos de uso, cobrindo todos os temas que estão nele dispostos.


Sobre o efeito nulo das cláusulas contratuais que impliquem ofensa à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações privadas pela internet, a ARTIGO 19 não identificou avanços no tema. Uma questão ainda bastante controversa é a da publicidade dirigida em provedores de aplicações. Alguns mecanismos são relacionadas a cookies e, portanto, são mais facilmente contornados pelos usuá- rios através da exclusão ou bloqueio. Porém, ainda há serviços que exigem que você aceite a publicidade dirigida para poder fazer uso da plataforma como, notadamente, Google e Facebook, que leem os conteúdos de e-mails e mensagens privadas para prover melhores serviços de publicidade – fato que está presente inclusive em seus termos de uso”.


Neutralidade da rede
Trecho: “A ARTIGO 19 consultou os contratos de prestação de serviço de quatro grandes provedoras de internet fixa no Brasil – LiveTIM, GVT, Vivo Speedy e NET Virtua – e não identificou nenhuma menção à práticas de gerenciamento e mitigação de tráfego adotadas ou à inexistência delas. A ARTIGO 19 também não encontrou avanços no tratamento de forma isonômica a quaisquer pacotes de dados, sem distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação. Atualmente no Brasil, os serviços de Banda Larga 3G e 4G estão funcionando com o chamado zero rating – TIM e o aplicativo de mensagens WhatsApp e a rede social Twitter; Claro, o WhatsApp e as redes sociais Facebook e Twitter. A prática já é consolidada pela Tim e teve adesão recente da Claro, que havia retirado seus acessos não-pagos dos seus planos de internet móvel


Outros direitos
Trecho: “Não foi possível identificar avanços significativos na questão de acessibilidade a todos os interessados, independentemente de suas capacidades físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais, mentais, culturais e sociais. A grande maioria dos portais do governo em todas as esferas, judiciário e legislativo não possuem ferramentas e design acessível para todos os tipos de interessados. É contraditório e preocupante que, inclusive, as plataformas de consulta de regulamentação do Marco Civil da Internet não possuíssem acessibilidade. Tampouco foi possível observar mudanças nas práticas de preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede.


Fonte: Luís Viviani | Portal Jota