Sancionada há quatro anos, a Lei Maria da Penha (11.340/2006) tem sido apontada como um importante instrumento no combate à violência doméstica contra as mulheres. Reconhecendo tal importância e buscando tornar ainda mais rigorosas as medidas de repressão a esse tipo de crime, quatro senadores apresentaram projetos para aperfeiçoar a legislação.
Os textos tratam de aspectos diversos, como a proposta da senadora Rosalba Ciarlini (DEM-RN), que prevê punição para a autoridade policial que não adotar as medidas necessárias quando receber denúncia de violência contra a mulher. Já o senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) quer garantir o direito à cirurgia plástica às vítimas de violência que ficarem com sequelas.
Outra proposta, da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), busca evitar que o agressor recorra a mecanismos legais de forma a conseguir punição mais branda que aquelas previstas na Lei Maria da Penha. E, por último, Marcelo Crivella (PRB-RJ) propõe prazo para que a mulher vítima de violência doméstica mantenha ou não renúncia à representação contra o agressor. Todas as matérias tramitam na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
Presteza na ação policial
A proposta (PLS 14/2010) apresentada por Rosalba Ciarlini estabelece pena de detenção de seis meses a dois anos para a autoridade policial que não tomar as medidas necessárias quando tiver conhecimento de prática de violência doméstica e familiar contra a mulher ou mesmo quando souber de risco à sua integridade.
A senadora explica que a Lei Maria da Penha impõe à autoridade policial certas providências legais, que devem ser executadas com o fim de proteger a mulher em iminência de sofrer ou que já tenha sofrido violência doméstica. No entanto, argumenta ela, há casos em que a autoridade policial não observa tais medidas de forma diligente e a vítima acaba sofrendo novos males, muitas vezes de forma fatal.
Entre as medidas estabelecidas pela lei, a serem adotadas pelos policiais, estão a garantia da proteção e a comunicação de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário; o encaminhamento da vítima ao hospital e ao Instituto Médico Legal; e o fornecimento de transporte para a mulher e seus dependentes até local seguro. O policial também deve, de imediato, lavrar o boletim de ocorrência após ouvir a mulher e colher todas as provas, remetendo-os, em até 48 horas, ao juiz, com pedido para a concessão de medidas de proteção de urgência.
A matéria está sendo relatada na CCJ pela senadora Marina Silva (PV-AC) e será votada em decisão terminativa.
Cirurgia plástica
Para ampliar o apoio do Estado às mulheres vítimas de violência doméstica, Zambiasi propõe, àquelas que tiverem sequelas de lesões provocadas por esses atos, o direito à cirurgia plástica reparadora, com prioridade de atendimento no âmbito da rede de serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). A proposta (PLS 139/10) está sendo relatada por Serys Slhessarenko na CCJ e, depois de votada nessa comissão, seguirá para a Comissão de Assuntos Sociais (CAS), onde receberá decisão terminativa.
Zambiasi ressalta a dificuldade de acesso à cirurgia plástica reparadora no âmbito do SUS, já que, muitas vezes, atribui-se ao procedimento uma finalidade puramente estética. Isso, segundo o senador, prejudica principalmente as mulheres mais pobres, sem condições de realizar o procedimento em clínicas privadas.
De acordo com o parlamentar, vários estados já adotaram legislação com esse propósito, a exemplo do Rio Grande do Sul e de Pernambuco. Com o projeto, ele quer explicitar a responsabilidade do poder público e garantir esse direito em todo o país.
A Lei Maria da Penha já assegura à mulher vítima de violência doméstica e familiar os serviços de contracepção, tratamento das doenças sexualmente transmissíveis e da Aids, além de outros procedimentos médicos necessários nos casos de violência sexual.
Despenalizadores
Outro projeto que altera a Lei Maria da Penha é o PLS 551/09, da senadora Serys Slhessarenko. Ela teme que a reforma do Código de Processo Penal, que está em debate no Senado (PLS 156/2009), abra brechas na Lei Maria Penha e permita que crimes de violência doméstica contra a mulher sejam julgados com benefícios conhecidos como despenalizadores, próprios dos juizados especiais.
Isso se daria, segundo ela, porque o novo CPP incorporará ao seu texto os juizados especiais criminais deixando inócua a Lei 9.099/95, que os criou. A aplicação dessa lei dos juizados especiais hoje é vedada no texto da Lei Maria da Penha.
Serys propõe deixar explícita a proibição aos despenalizadores. Ao justificar o projeto, a senadora afirmou que a mudança proposta por ela na redação da Lei Maria da Penha substitui a menção à Lei 9.099/95 pela citação direta dos despenalizadores vedados em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Isso deixaria a redação mais clara e direta.
O PLS 551/09 foi elaborado para que, independentemente de onde estejam legalmente previstos os juizados especiais, suas condições atenuadoras não sejam aplicadas aos agressores familiares.
Depois de análise e modificações feitas na CCJ pela relatora, senadora Ideli Salvatti (PT-SC), o texto de Serys, se aprovado, proibirá os seguintes despenalizadores: a suspensão condicional do processo; a possibilidade de se fazer acordo para reparação de danos para inocentar o agressor; e a transação penal, que repara os danos sofridos pela vítima e aplica pena restritiva de direitos sem prisão.
Em maio, Serys pediu a retirada do projeto da pauta da CCJ para incluir alterações sugeridas por entidades feministas.
Representação
Conforme o projeto (PLS 592/2007) do senador Marcelo Crivella, a Lei Maria da Penha seria alterada para permitir ao juiz estabelecer prazo de 60 dias para que a mulher vítima de violência doméstica reafirme ou não seu desejo de renunciar à representação contra o agressor.
De acordo com a Lei Maria da Penha, a renúncia à representação só pode ser feita durante audiência específica e na presença do juiz. O projeto prevê que seja marcada nova audiência, 60 dias após a primeira, para que a vítima possa se pronunciar.Para Crivella, esse prazo visa impedir que a vítima, movida por medo ou compaixão momentânea, retire a representação contra o agressor, o que pode incentivar a reiteração da hostilidade.
Já o relator do projeto, senador Almeida Lima (PMDB-SE), opinou pela rejeição da proposta, por considerar que, atualmente, a vítima já dispõe de um prazo para reflexão, entre o registro do boletim de ocorrência ou do flagrante e a realização da audiência específica para tratar da renúncia à representação.
O senador por Sergipe lembra que, entre as principais reivindicações atendidas pelo legislador, no caso da Lei Maria da Penha, está a impossibilidade de retratação ou renúncia à representação por parte da vítima, justamente para evitar que ela faça isso por coação ou que seja forçada a uma conciliação.
Para o senador, impor à mulher o ônus de um novo comparecimento em juízo, após os 60 dias da primeira audiência, não seria razoável, pois acarretaria desde novos gastos com transporte da vítima, até sobrecarga nas atividades do Judiciário. Almeida Lima lembra ainda que, mesmo em caso de renúncia, a mulher não perde o direito de reiniciar o processo se a violência voltar a ocorrer.