As associações de promotores e procuradores comemoraram posicionamento recente da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal de que o Ministério Público pode sim conduzir as próprias investigações criminais. Embora o Plenário do STF ainda não tenha se manifestado sobre o assunto, o fato de o entendimento da Turma ter sido unânime já dá uma boa previsão de qual será o entendimento definitivo da corte.
Os ministros da Turma, da qual fazem parte os ministros Ellen Gracie, Celso de Mello, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Eros Grau, entenderam que o MP não pode presidir o inquérito policial, mas pode presidir sua própria investigação, desde que respeite os direitos do investigado. O caso foi relatado pelo decano, Celso de Mello. Na ocasião, ele reforçou que a investigação criminal pelo Ministério Público é legítima e constitucional e possui caráter concorrente e subsidiário (clique aqui para ler mais).
O presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo, destaca que há vários projetos de lei para formalizar o poder de o MP conduzir investigações criminais no Congresso só aguardando o Supremo se posicionar para depois serem votados. Para ele, se a Constituinte de 88 quisesse que a monopólio da investigação ficasse com a Polícia, teria sido explícita. “O MP nunca quis presidir inquérito policial, nunca quis fazer investigação pura e simples. O que queremos é a competência subsidiária.”
Consenzo defende que o MP possa investigar em casos específicos, de bastante complexidade, que envolva algum “figurão”, pois, para ele, a Polícia pode sofrer pressão além da conta. Ele exemplifica com dois casos em que considera que a Polícia sofreu pressão demais: Mensalão e o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, condenado por superfaturamento na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo. “Entendemos que a vocação de investigar é da Polícia. Não queremos tirar. O MP luta para melhoria da qualidade da carreira policial. Brigamos todos os dias para darmos uma condição de carreira excelente para a Polícia, que ela tenha condição tecnológica e científica para desenvolver um trabalho melhor para sociedade.”
O presidente da Conamp destaca que, em determinadas condições, o MP pode efetivamente investigar. E dá um exemplo: “Imagina um crime envolvendo um delegado regional. Quem vai investigar?". Para ele, a atuação do MP vai dar mais segurança jurídica à sociedade. Ele não descarta o trabalho conjunto da instituição junto da autoridade policial.
Antonio Carlos Alpino Bigonha, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), diz que a expectativa da categoria é a de o Supremo reconhecer de vez o poder de investigação do MP, como fez a 2ª Turma do STF. "É um poder que já está claro na Constituição, como o monopólio da Ação Penal [que é do MP]", destaca.
“Na verdade, o que é necessário é elucidar o fato. Precisamos produzir provas que demonstrem a existência de um fato dentro do processo. Se é o MP, se é a Polícia ou autoridades fazendárias, é indiferente. O importante é que a prova seja licita. A Polícia é muito capacitada para produzir a prova. O fato de o MP investigar subsidiariamente não é nenhum desdouro para a Polícia." Bigonha lembra que, depois da decisão do Supremo, pode ser necessária uma adequação de procedimentos para investigação feita pelo MP.
Em entrevista à Consultor Jurídico em dezembro do ano passado, Fernando Grella Vieira, procurador-geral de Justiça de São Paulo, ressaltou, assim como os colegas das associações de classe, que não defende a condução do inquérito policial pelo MP. Ele reforça que essa é uma atribuição da Polícia, mas defende o poder investigatório do MP. “Queremos ver respeitada uma função que, para nós, está prevista e autorizada na Constituição”, disse na ocasião.
O procurador frisou que o MP tem membros preparados e suficientes para a atribuição, pois a intenção nunca foi assumir toda a investigação criminal ou todos os inquéritos. “Queremos o reconhecimento de que é possível o MP investigar fatos criminosos. É indispensável que o Ministério Público esteja à frente da investigação de fatos graves, que podem exercer uma pressão econômica e política.”
Questionado se a polícia sozinha não seria capaz de investigar, Grella respondeu: “Não que não seja capaz, mas o MP é dotado de certas prerrogativas e garantias que permitem à instituição e aos seus membros enfrentar essas naturais tentativas de impedir as investigações, coisa que não acontece com a Polícia. Não queremos, evidentemente, tomar a função da Polícia. Ela tem a vocação de apurar, de elucidar os crimes em geral. Mas não é só aqui no Brasil, no mundo inteiro, o MP tem essa prerrogativa, de também investigar”.
Tema polêmico
Há anos o Supremo Tribunal Federal vem sendo provocado a se posicionar sobre o poder de investigação do Ministério Público. Um dos casos que chegou a corte e teve a discussão mais avançada foi o de ex-deputado Remi Trinta, acusado na época de fraudar o SUS. A corte, em 2004, perdeu a oportunidade de pacificar a contenda depois que o então deputado perdeu o foro privilegiado. Tentava-se anular a denúncia, pois fora feita com base em investigações do Ministério Público Federal. Anos se passaram e a discussão ainda é a mesma.
A mais recente provocação que o Plenário do Supremo recebeu sobre o assunto está no pedido de Habeas Corpus que envolve o assassinato do ex-prefeito Celso Daniel. Nele, se discute a possibilidade de promotores complementarem o trabalho de investigação da Polícia. O HC foi pedido pela defesa de Sérgio Gomes da Silva. O crime aconteceu em 2006. Meses depois, a Polícia concluiu que foi um crime comum.
A Promotoria, contudo, decidiu aprofundar as investigações e produzir novas provas que indicariam que não foi crime comum e que Silva estaria envolvido num esquema de corrupção na prefeitura. Foi aí que a polêmica reascendeu. Os advogados de Silva recorreram ao STF contestando a Promotoria. Eles alegam que o MP não pode fazer investigações criminais.