A ministra Cármen Lúcia e o procurador-geral Rodrigo Janot durante sessão no Supremo | Foto: Pedro Ladeira/Folhapress
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (5), por 6 votos a 5, manter entendimento definido pela própria Corte em fevereiro que permitiu a possibilidade de prisão após uma condenação por colegiado de segunda instância.
A maioria dos ministros da Suprema Corte entendeu que qualquer pessoa pode começar a cumprir uma pena desde que tenha sido condenado por um tribunal de Justiça ou por um tribunal regional federal (TRF), ainda que tenha recursos pendentes no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no STF.
O entendimento, fixado em fevereiro pelo tribunal em um processo individual, poderá continuar sendo aplicado a todos os casos sobre o mesmo tema que tramitam na Justiça. Se algum juiz não a seguir, caberá recurso para derrubar a decisão.
Votaram a favor da prisão depois de condenação em segunda instância os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Luiz Fux, Gilmar Mendes e a presidente do STF, Cármen Lúcia.
Já o relator do processo, Marco Aurélio Mello, e os ministros Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello votaram contra a possibilidade de prisão antes que se esgotem todas as possibilidades de recursos, o chamado "trânsito em julgado".
Na sessão desta quarta, a Corte retomou a análise duas ações, apresentadas pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo Partido Ecológico Nacional (PEN), que buscavam garantir a possibilidade de condenados em segunda instância recorrerem em liberdade.
As ações argumentavam que a “presunção de inocência” deve prevalecer até a decisão final e definitiva de um processo na última instância judicial. A maioria dos ministros, no entanto, entendeu que a culpa pode ser verificada após uma segunda condenação pela Justiça.
Votos a favor
Nesta quarta, primeiro a votar, o ministro Edson Fachin lembrou que o entendimento segundo o qual pode ocorrer a prisão após a segunda instância vigorou no STF desde a promulgação da Constituição, em 1988, até 2009.
“Em 21 anos dos 28 que hoje completa a Constituição vigorou essa compreensão. Foram mais de duas décadas sob a égide da Constituição, tempo no qual as portas do Supremo para proteger a liberdade jamais se fecharam por esse motivo”, disse Fachin.
Em seu voto, também em favor da prisão após a segunda instância, o ministro Luís Roberto Barroso deu como exemplo o caso de um homicídio cometido em 1991 cuja condenação ainda não havia transitado em julgado neste ano, quando o processo chegou ao STF.
“Punir em 2016 um crime cometido em 1991 não atende a nenhuma demanda de justiça da sociedade brasileira […] O sistema de Justiça brasileiro como era frustra na maior medida o sentimento de justiça e senso comum de qualquer pessoa que tenha esses valores em conta”, afirmou.
Também favorável à execução da pena após a segunda instância, Teori Zavascki ressaltou que é na primeira e segunda instâncias que os tribunais analisam os fatos e provas de um crime. Por regra, o STJ e STF podem apenas examinar questões jurídicas dos julgamentos anteriores.
“Nessas circunstâncias, tendo havido em segundo grau um juízo de incriminação do acusado fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e própria inversão para o caso concreto do princípio da presunção da inocência até então observado”, disse o ministro.
Zavascki destacou que em outros países a pena de prisão ocorre antes do trânsito em julgado, citando Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Alemanha, França, Portugal, Espanha, Argentina e assim por diante.
Ao votar em favor da prisão após a segunda instância, Luiz Fux criticou a “inefetividade” do processo penal, ao não executar a pena a que alguém foi condenado. Em várias vezes, o ministro lembrou do jornalista Pimenta Neves, assassino confesso que recorreu em liberdade por 11 anos.
“Estamos preocupados com o direito fundamental do acusado e nós estamos esquecendo do direito fundamental da sociedade, que tem evidentemente a prerrogativa de ver aplicada ao sua ordem penal”, disse.
Em seu voto, também pela prisão após segunda instância, Gilmar Mendes argumentou que as etapas do processo penal indicam uma gradação que permite formar convicção sobre a culpa do suspeito, após a condenação.
“Uma coisa é termos alguém como investigado. Outra coisa é termos alguém como denunciado. Outra coisa é ter alguém com condenação. E agora com condenação em segundo grau. O sistema estabelece uma progressiva derruição da ideia de presunção de inocência”, disse Gilmar Mendes.
Coube à presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, desempatar o julgamento, votando em favor do início da pena após a segunda instância, lembrando que já se posicionava desta maneira em julgamento em 2010.
“Quando eu a Constituição estabelece que ninguém poderia ser considerado culpado até a sentença condenatória transitada em julgado não excluía a possibilidade de ter o início da execução”, afirmou.
Votos contra
Em setembro, quando começou o julgamento, o relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, votou contra a prisão depois de condenação em segunda instância. Na ocasião, ele defendeu a libertação de todos os presos que ainda tinham recursos pendentes em tribunais superiores.
“A literalidade do preceito não deixa margens para dúvidas: a culpa é pressuposto da reprimenda e a constatação ocorre apenas com a preclusão maior. O dispositivo não abre campo a controvérsias semânticas. A Carta Federal consagrou a excepcionalidade da custódia no sistema penal brasileiro, sobretudo no tocante a supressão da liberdade anterior ao trânsito em julgado da decisão condenatória”, afirmou na ocasião.
Ao votar contra a prisão após a segunda instância, a ministra Rosa Weber disse ter feito uma interpretação semântica e gramatical da Constituição.
“Se a Constituição, no seu texto, com clareza, vincula o princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade a uma condenação transitada em julgado, não vejo como possa chegar a uma interpretação diversa, ainda que comungue com a imensa das premissas que embasaram os votos da divergência”, afirmou.
O ministro Dias Toffoli, por sua vez, defendeu que a prisão no processo penal só possa ocorrer após a condenação em terceira instância, que ocorre no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ele mudou seu entendimento em relação ao julgamento de fevereiro, quando defendeu a execução da pena após a segunda instância.
Argumentou que, embora não discuta as provas e fatos da acusação, o STJ uniformiza a interpretação do Código Penal. Deu como exemplo entendimentos diferentes sobre a aplicação da lei penal em vários tribunais de justiça estaduais.
“Eu penso em qualquer que seja a decisão, devemos dizer qual marco do trânsito em julgado, o momento em que se atinge certeza no grau de culpa, autoria e materialidade do delito. Não há dúvida que essas análises todas estão reservadas no Superior Tribunal de Justiça, pela missão de zelar pela higidez da legislação processual penal”, disse o ministro.
O mesmo raciocínio foi expressado por Ricardo Lewandowski, que lembrou que cerca de 32,3% dos habeas corpus que chegam ao STJ levam a mudanças na pena, ainda que para abrandar o regime de cumprimento da pena.
“Isso indica que houve algum tipo de erro, ainda que seja um erro processual, um erro quanto ao regime prisional. Se se mantiver alguém em regime fechado que deve cumprir sua pena em regime aberto, isso é abominável ao meu ver. Só por isso já não se justifica a prisão após a decisão de segundo grau”, afirmou.
Por fim, Celso de Mello enfatizou a importância da presunção de inocência, como “valor fundamental e exigência básica do postulado da dignidade da pessoa humana”. “Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível presumir-lhe a culpabilidade”.
Fonte: G1