“Nossos tribunais não foram vocacionados para instrução de processo penal de casos com foro privilegiado”. É o que afirma o corregedor do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) Gilson Dipp ao explicar a demora em processar e julgar casos em que os denunciados tem prerrogativa de foro. “O que atrasa é a estrutura para exercer essa função, por isso, casos estão prescrevendo”, ressalta o corregedor.
Outro problema que poderia estar atrelado à demora é a natureza do sistema processual brasileiro. Para Gilson Dipp, parte do atraso decorre de “uma gama infindável de recursos”. O corregedor explica, “quanto mais acusados, mais diligências, mais perícias, mais testemunhas são arroladas. Isso em um tribunal que tem também milhares de processos para serem julgados, o relator acaba se desesperando”.
Por outro lado, Gilson Dipp ressalta o trabalho do CNJ em incentivar o julgamento de processos, como o Meta 2 —que prevê até o fim do ano o julgamento de todos os processos distribuídos até 2005. Ele também comemora a aprovação da lei que permitiu que os tribunais convocassem juízes e desembargadores para atuar na instrução de processo. “Estamos delegando para as instâncias inferiores aquilo que, nós não sabemos ou não podemos fazer”, afirma Dipp.
Casos de grande repercussão, como o da operação Anaconda em 2003, na qual através de interceptações telefônicas foi descoberta uma quadrilha que negociava sentenças, tiveram condenações em pouco mais de um ano após a Justiça ter aceitado a denúncia. A rapidez nesse processo foge, no entanto, do padrão dos casos em que existem réus com prerrogativa de foro.
A procuradora regional da república Janice Ascari, uma das responsáveis pela operação Anaconda, observa que o primeiro julgamento foi ágil porque a desembargadora Terezinha Cazerta ficou como relatora, cuidando apenas deste caso. “Houve vontade política para que aquele fato se esclarecesse logo. Eles colocaram todos os recursos que eles possuíam em auxílio para que esse processo fosse terminado. Foi um baque muito forte para o Tribunal”, explica procuradora.
O caso envolveu, nove réus presos, 12 réus ao todo, com 12 equipes de advogados e 18 julgadores no Tribunal.
“Foi rápido no âmbito do TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), mas cinco anos depois não transitou em julgado”, pondera Janice. Ela atenta para as possibilidades de embargos que podem atrasar a resolução dos casos. “Houve muitos embargos de declaração e embargos dos embargos, e enfim todos esses recursos retardaram.O recurso especial foi julgado no STJ (Superior Tribunal de Justiça) há mais de um ano”.
A condenação em última instância pode não acontecer, porque se o réu tem prerrogativa de foro o processo se inicia em um Tribunal, porém, se ao longo do processo o réu perder o foro, os autos são remetidos para primeira instância, momento que será julgado como cidadão comum. Foi o que aconteceu com o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto, acusado de participar de uma quadrilha que desviou recursos das obras de construção da nova sede do Fórum Trabalhista de São Paulo, lembra Janice Ascari.
A procuradora explica que, geralmente, uma Ação Penal Originária pode se desmembrar em três processos diferentes: processo administrativo ou disciplinar, ação civil pública e uma ação penal.
Quando processados, os suspeitos com prerrogativa de foro têm menos instâncias para recorrer, diferente do cidadão comum que começa responder um processo em primeiro grau. Para o subprocurador da república Francisco Teixeira, responsável pela denúncia da operação Têmis, o maior problema do foro é quanto ao recebimento da denúncia que precisa ser colegiado.
Sigilo
Antes da Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional 45), todos os processos contra integrantes do Poder Judiciário, independentemente da matéria, corriam sob segredo de Justiça por prerrogativa de função. Para a procuradora regional da república Ana Lúcia Amaral, que também participou das operações Anaconda e Furacão, “quem é pago pelo erário público não tem direito de sigilo quando usou seu cargo para fazer coisa errada”.
De acordo com Ana Lúcia, o sigilo só deve existir na fase da investigação, no período que coincide com a busca e apreensão de provas. “No momento em que deflagrou a operação tudo tem que se tornar público”, afirma a procuradora.
Ela acredita que os vazamentos das interceptações para a imprensa provocaram reações por parte do Tribunal envolvido. “A Anaconda deu certo porque se tornou público. Aquele vazamento que é sempre tão condenado, talvez, se não viesse a público duvido que o Tribunal teria reagido da mesma forma”, cogita a procuradora.
Ela chama de hipócrita o discurso que defende o sigilo em processos penais. “Todo esse discurso da privacidade é ‘nhenhenhê’ para proteger bandido de alto padrão. Porque o coitado que comete seus furtos, o traficante pequeno aparece todo dia algemado na frente das câmeras. Eu ainda não vi o presidente do Supremo se insurgir contra isso”, enfatiza.