Jornal FOLHA DE S. PAULO, edição desta quarta-feira:
Juízes temem a interferência de facções criminosas e questões de segurança
TRE-SP pediu levantamento sobre as condições de segurança para a instalação das seções eleitorais em estabelecimentos penais
FLAVIO FERREIRA
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
A instalação de seções eleitorais em presídios do país para viabilizar o voto de detentos provisórios gera preocupação entre juízes e membros do Ministério Público. Eles apontam desde dificuldades logísticas e de segurança até uma possível interferência de facções criminosas no processo eleitoral.
A Constituição de 1988 somente proíbe os presos condenados de votar enquanto eles estiverem cumprindo penas definitivas. Os provisórios, que aguardam sentença ou ainda podem recorrer, têm direito a voto, mas poucos Estados vinham adotando medidas para permitir a participação deles.
No último dia 2, o Tribunal Superior Eleitoral aprovou, para a eleição deste ano, uma resolução determinando a instalação de seções eleitorais em estabelecimentos penais e em unidades de internação de adolescentes que cumprem medidas socioeducativas.
Segundo estatísticas do Ministério da Justiça, do total de 473 mil presos do país, 152 mil são provisórios. Só no Estado de São Paulo, há cerca de 52,5 mil presos provisórios e 5.500 menores infratores na Fundação Casa (ex-Febem).
O presidente do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo), Walter de Almeida Guilherme, afirmou que, para aplicar a medida no Estado, será necessária a atuação de pelo menos 4.000 novos mesários dentro de presídios.
Mesários
No caso dos sistemas prisionais, Guilherme solicitou às instituições que defendem o voto do preso, como Ordem dos Advogados do Brasil, Defensoria Pública e Pastoral Carcerária, que indiquem voluntários para atuar como mesários.
Para o presidente do TRE-SP, no entanto, o principal problema é o da segurança no dia da eleição. Ele disse que pediu à Secretaria da Administração Penitenciária do Estado um levantamento sobre as condições de segurança para a instalação das seções eleitorais nos estabelecimentos penais do Estado."Pode haver uma rebelião, o próprio mesário pode sofrer hostilidades. Queremos cumprir a resolução. Se não for possível fazer com que todos os presos votem, queremos que mais da metade possa votar. Onde realmente não for possível, vamos dizer ao TSE", disse.
Para o promotor de Justiça Roberto Porto, há 11 anos membro do Gaeco, grupo especial do Ministério Público de combate ao crime organizado, a resolução é impraticável. "Em termos de país, não funciona levar as urnas para dentro das prisões, isso colocaria em risco toda a segurança eleitoral."
Entre outras dificuldades, os juízes eleitorais também terão de encontrar uma forma de veicular a propaganda eleitoral gratuita aos detentos e de fazer o alistamento de todos os provisórios até o dia 5 de maio, como prevê a resolução do TSE.
O procurador de Justiça Márcio Christino, especialista no combate à facção criminosa PCC, afirmou que a limitação à informação torna o preso mais vulnerável a manipulações de grupos criminosos. "O preso está numa posição de maior suscetibilidade. É mais suscetível à pressão do que quem está solto", disse Christino.
Esse temor de possível influência de facções criminosas foi abordado em grupos de discussão de juízes na internet. Muitos externaram a preocupação de serem eleitos envolvidos com o crime organizado.
Para o juiz criminal Marcelo Semer, porém, não é possível colocar na conta dos presos essa possibilidade. "Não acho que os presos estejam mais suscetíveis à pressão do que nós. Mesmo sem os presos votarem, hoje muitos políticos eleitos têm problemas com a Justiça."