Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

Art. 236 do Código Eleitoral - Feriado prolongado para foragidos da justiça

Autores: Mateus Milhomem de Souza, Juiz de Direito do 1º Juizado Especial Criminal de Anápolis e Lucimarta Antônia de Rezende Gomes, Bacharel em Direito.


“O Brasil é o único país minimamente organizado do mundo com feriado prolongado para que foragidos da justiça ajam como se nenhuma conta tivessem de prestar à sociedade” Mateus Milhomem.


O art. 236 da Lei 4.767/65 (Código Eleitoral), estabelece que “nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto”.


Se no passado referido artigo era uma ode à liberdade, uma contraposição à ameaça do poder corrupto e arbitrário para uma democracia incubada, hoje é apenas um feriadão para foragidos, o que de forma simples será aqui facilmente entendido.


As vedações à prisão de eleitores ou candidatos nos prazos do artigo 236 do CE, numa sociedade aberta, com imprensa livre, justiça independente, ações constitucionais com possibilidade de liminar, tornou-se um remédio cujo efeito colateral é muito pior do que a própria doença que visa combater. Se no passado os legisladores ousados e corajosos conseguiram impor limites ao poder em estado bruto, que poderiam facilmente manipular eleições com prisões arbitrárias, hoje presta-se apenas para que as entidades de segurança pública passem uma vergonha atrás da outra.


E, não obstante, a própria justiça eleitoral e seus juízes tem a solução: usar o controle difuso constitucional, enquanto os legisladores não apreciam a questão.


Aliás, os tribunais eleitorais poderiam melhor discutir o assunto se, ao invés de uma recomendação simples para cumprir-se o artigo acima citado (o que é feito em todas as eleições), fosse informado que estas atitudes dependem de cada caso concreto, ficando ao arbítrio dos juízes analisar-se a constitucionalidade ou não do dispositivo, haja vista que colide com os direitos humanos mais básicos garantidos na Constituição, a chamada hierarquia dos direitos fundamentais, pois são invioláveis o direito à vida, à segurança e à propriedade, justamente aqueles que os foragidos da lei atingem para ter sua prisão decretada. Embora básico, sem que haja uma movimentação superior, a impunidade do feriadão para foragidos da justiça continuará sendo uma realidade brasileira. A própria questão da prisão alimentícia também deve ser englobada, haja vista que não existe como decretar-se feriado também para a fome do alimentando.


Aliás, é ilógico que uma decretação fundamentada de prisão, nos termos do próprio artigo 5o., inciso LXI da Constituição Federal possa ser suspenso durante o período eleitoral sob argumento que não mais persiste no Século XXI em regimes minimamente democráticos.


E isso é extremamente importante por estarmos, no ano de 2012, em amplo processo eleitoral no Brasil, sendo que esta mudança poderá ser um divisor de águas na forma com que a questão está sendo tratada durante longuíssimos anos em nosso país.


É bom ressaltar que já existe um Projeto de Lei no 7.573/2006 no Congresso Nacional que revoga o art. 236 do Código Eleitoral mas, não tendo sido ainda apreciado, necessita de medidas urgentes:


“Art. 1o. Esta lei revoga o art. 236 da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965, que institui o Código Eleitoral, de maneira a relativizar o princípio do direito de voto diante do princípio da segurança da sociedade, permitindo em todo o território nacional a prisão dos cidadãos, mesmo no período compreendido entre os cinco dias que antecedem e as quarenta e oito horas que se sucedem à eleição”.


Por tais argumentos, acreditamos que o legislador pátrio deve, com urgência, analisar a viabilidade da mudança no art. 236 do Código Eleitoral para retirar as restrições relacionadas às prisões ali existentes, para dar mais eficiência à justiça criminal.


Desta forma, as presidências/corregedorias nacional (TSE) e estadual (TRE), ao invés de recomendar a observância literal deste artigo, podem reconhecer a complexidade do caso e deixar-se a cargo de cada magistrado, de forma explícita, a análise difusa que o caso requer, dando-se publicidade do tema, haja vista que a obediência cega à recomendação está gerando gravíssimas distorções por parte do sistema de segurança pública.


Aliás, observadas as peculiaridades do caso concreto (risco de resgate, grave comoção social), o direito de voto poderá ser garantido ao preso provisório que manifeste a intenção de votar, em seção preparada para tanto.


Atualmente temos uma comissão, presidida pelo Ministro José Antônio Dias Toffoli, encarregada da reforma do Código Eleitoral, e iniciativas como as sugeridas neste artigo podem auxiliar os nobres juristas na análise desta importante questão.


Por fim, entendemos que deve haver provocação junto aos legitimados para propor ação direta de inconstitucionalidade do artigo 103 da Constituição Federal, para que seja manejada e solicitada liminar já para as eleições deste ano.


Anápolis, 10 de janeiro de 2012.


 Mateus Milhomem de Sousa,
Juiz de Direito do 1º Juizado Especial Criminal de Anápolis


Lucimarta Antônia de Rezende Gomes
Bacharel em Direito