AS MIGRAÇÕES PARTIDÁRIAS
Artigo de autoria de Leonardo Naciff Bezerra, juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Especialista em Direito Público, Processo Civil e Civil
Recentemente foi publicada a Emenda Constitucional n.° 91/2016 que estabelece a possibilidade, excepcional e por um período determinado, para a desfiliação partidária sem a perda do mandato eletivo.
Preliminarmente, antes de se adentrar aos meandros e consectários da novel emenda, necessário fazer um comparativo com outra “janela partidária” já prevista em lei.
A regra geral no atual ordenamento político partidário brasileiro é que se o detentor de cargo eletivo, sem justo motivo, desfiliar-se de seu partido político, perderá o mandato, conforme se verifica do disposto no art. 22-A da Lei n.°9.096/95 (Lei dos Partidos Políticos, alterada pela Lei n.° 13.165/2015).
A contrario sensu, há situações jurídicas legalmente previstas que permitem ao detentor de mandato eletivo proceder à desfiliação partidária com manutenção de seu mandato, desde que presente justa causa para tanto. Assim, a lei prevê três causas permissivas, a saber:
a) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;
b) grave discriminação política pessoal; e
c) mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente (alteração promovida pela Lei n.° 13.165/2015).
Pois bem. Como se vê, a derradeira hipótese previu verdadeira “janela” para a troca de partidos, isso porque, permite-se a alternância de agremiação sem motivo justificável, apenas ato volitivo. Veja-se: se determinado político já titular de mandato eletivo deseja concorrer às eleições de 2016 poderá deixar seu partido e se filiar a outro, sem que perda o mandato, desde que o faça no período de 30 dias antes do prazo fatal para a filiação exigida em lei. O prazo de filiação partidária previsto em lei é de 6 (seis) meses antecedentes às eleições. Aliás, o político poderá valer-se de tal faculdade apenas no último ano de seu mandato.
Sobreleva destacar que a referida “janela” possui natureza jurídica de justa causa legal para a troca de agremiação partidária, sendo regra geral aplicável para todas as eleições.
Lado outro, a EC n.°91/2016 criou mais um permissivo para que os políticos possam trocar de partido sem perder o cargo que ocupam. Cumpre verificar a literalidade do dispositivo:
Art. 1º É facultado ao detentor de mandato eletivo desligar-se do partido pelo qual foi eleito nos trinta dias seguintes à promulgação desta Emenda Constitucional, sem prejuízo do mandato, não sendo essa desfiliação considerada para fins de distribuição dos recursos do Fundo Partidário e de acesso gratuito ao tempo de rádio e televisão.
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.
A inovação em testilha, por ser tratar de norma constitucional, detém natureza jurídica de autorização constitucional temporária para a desfiliação partidária. É dizer, a nova “janela eleitoral” apenas é aplicável para as eleições do corrente ano, de modo que, após 19 (dezenove) de março, sua eficácia restará exaurida.
A EC n.° 91/2016 foi promulgada dia 18/02/2016, logo, nos 30 dias subsequentes – até 19/03/2016- os titulares de cargo eletivo proporcional poderão desfiliar-se de seu atual partido sem prejuízo de seus mandatos.
Neste ponto, convém elucidar que o prazo máximo estabelecido pelo poder constituinte derivado reformador refere-se à desfiliação do partido atual e não a obrigatoriedade de nova filiação dentro deste mesmo período.
De qualquer modo, consigno que se o político quiser concorrer neste ano às eleições deverá estar filiado a outro partido no prazo de até 6 (seis) meses antes do pleito, conforme previsão legal estampada no art. 9° da Lei n.°9.504/97, sendo que até 02/04/2016 terá que estar regularmente filiado a uma agremiação partidária.
Ademais, a EC n.° 91/2016 autorizou a mudança do partido, mas vedou que esta transposição repercuta nos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de rádio e TV, tudo em ordem a prestigiar o postulado da isonomia partidária. Ainda em relação aos acessórios efeitos da transposição partidária, autorizada constitucional e legalmente, tem-se eventual e possível alteração nas comissões parlamentares respectivas, permanentes ou temporárias, a teor do previsto no art. 58, §1º, da CF/88.
Por fim, registra-se a indispensabilidade dos partidos políticos para formação do regime democrático, bem como vinculação ínsita entre mandato eletivo e partido, notadamente em seara sistemática proporcional (vez que a distribuição dos cargos relaciona-se com o quociente eleitoral, conquistado pelo partido e não pelo candidato). Afora as hipóteses constitucional e legalmente admissíveis, não se pode tolerar, juridicamente discorrendo, desvirtuamento ou deturpação da vontade e soberania popular (democracia representativa) a indiscriminada migração partidária.
À guisa de conclusão, soa contraditório a eleição de um parlamentar em razão dos votos destinados a legenda ou mesmo correligionário com expressiva votação e, posteriormente, modifique sua agremiação para partido que em nada colaborou com sua eleição.