Autor: Itaney Francisco Campos é desembargador do TJGO, diretor Cultural da ASMEGO, autor de Notícias Históricas do Bairro de Campinas
Os naturais de Campinas e também aqueles que viveram ali parte de sua vida até por volta das primeiras décadas de 1980, quando tem início o grande processo de transformação da capital goiana, carregam consigo um alento d`alma, uma chama interior que se alimenta de saudade, afeto e orgulho em relação às tradições, aos costumes e à gente daquela comunidade. É o chamado sentimento campineiro, que leva seus cidadãos a resistirem às mudanças urbanísticas e culturais que devastam as mais caras tradições, os hábitos familiares e o perfil urbanístico da antiga cidadezinha, hoje um misto de bairro pujante, - com um comércio em polvorosa e um trânsito caótico -, e resquícios da vila bucólica que foi e que luta para preservar as feições arquitetônicas das décadas iniciais até os meados do século XX. Extrapolando o mero sentimento bairrista, esse estado anímico campineiro revela-se sobretudo no cultivo de sua história, no registro de suas lendas e vínculos familiares e exaltação de suas figuras políticas e empresariais. Há uma ambiguidade de sentimentos, em que se propugna pelo desenvolvimento e modernização do bairro, ao mesmo tempo em que não se quer ver desfeitos os casarios do começo do século, devastados os extensos quintais, repletos de árvores frutíferas, esgarçados os laços familiares e abandonados os rituais domésticos e religiosos. O deputado e escritor Gerson de Castro Costa antevia, em 1942, o futuro que se descortinava para a cidade, ao escrever o ensaio “Goiânia, a metrópole do oeste”, em que retratou bem a situação do bairro: “Campinas tem duas partes distintas pelo aspecto e pela tradição: a velha e a nova. Na primeira, que representa o passado, se encontra o casario branco e colonial, de quintais amplos e plantados de toda espécie de árvores frutíferas. Aí está em tudo o sabor romanesco das coisas antigas. Ruas menos largas e transitadas, oferecendo à alma humana a calma remansosa das vilas de outrora. A igreja católica, o convento dos redentoristas e o colégio Santa Clara incensam a atmosfera de uma religiosidade claustral e reconfortante. Na segunda, que foi construída dentro de alguns meses, está a vida agitada do século. Bares e restaurantes, casas de diversões, oficinas, chaminés, veiculos apressados e hotéis superlotados – aí se agita a massa cosmopolita que coopera no progresso de Goiânia.”
A intensa verticalização dos setores nobres da capital, com adensamento populacional e aumento extraordinário da frota de veículos, aliada ao crescimento demográfico dos bairros, afetou também o Bairro de Campinas, que nos dias úteis se depara com sérios problemas de estacionamento. A exemplo do que ocorre nos grandes centros urbanos, a mobilidade da população é ameaçada diariamente pelo alto volume de veículos trafegando pelas estreitas artérias do bairro. O congestionamento no trânsito de veículos atormenta os moradores, sobremodo no horário comercial. A poluição sonora e visual, a invasão dos camelôs, a insegurança e a falta de espaços verdes somam-se à situação caótica do estacionamento, insuficiente para a quantidade de veículos particulares. Anda não se verificou ali o aparecimento incontrolável dos espigões e arranhacéus, de que são pródigos os bairros nobres da capital. Mas o setor enfrenta problemas que já parecem crônicos.
Em “Campininha das Flores e sua história”, o articulista Paulo Roberto Prado assinala que “Campinas se transformou em um dos maiores pólos comerciais do Centro Oeste. É um shopping aberto, que ocupa ruas e avenidas igualmente ilustradas por inúmeras lojas e gente, muita gente”. E acrescenta: “Na Av. 24 de outubro é possível encontrar todos os grandes varejistas de móveis, vestuário e calçados, agências de todos os bancos e ainda clínicas e hospitais nas ruas paralelas. A avenida Castelo Branco é referência no país no ramo do agronegócio. Em seus longos quarteirões estão reunidas lojas que atendem o homem do campo em todas as suas necessidades”. Anota, ainda com propriedade, que “ a grande densidade comercial de Campinas, talvez a maior da região Centro-Oeste, fez do bairro um local diferenciado. São nichos de compras, por atacado ou a varejo, uma situação única em Goiânia. Com tamanha diversificação e a fama dos preços acessíveis, os consumidores surgiram, mas os moradores saíram. O êxodo foi provocado pela densidade comercial que tirou a qualidade de vida do lugar e pela valorização dos imóveis.
Campinas, que já foi a singela Campininha, faz-se hoje campo de batalha em que se digladiam as forças irresistíveis do progresso, com o seu cortejo predatório, e a resistência preservacionista, com seus humores e amores das tradições e costumes. Uma luta hercúlea, da qual somos testemunhas oculares e protagonistas involuntários.