Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

Centros de Pacificação: uma alternativa viável e adequada para a Justiça

Autor: André Reis Lacerda, juiz de Direito da comarca de Goianésia; membro do Conselho Deliberativo da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás;  Coordenador de Cursos de Extensão, Simpósios e Congressos da Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás, e Membro do Grupo Gestor dos Centros de Pacificação Social do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás e da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).


"Qualquer manual de introdução ao Direito que se preze irá nos dizer que a função última do Direito é promover “pacificação social”. Entretanto, analisando-se a missão do Poder Judiciário, simplesmente confunde-se este conceito com a simples entrega da prestação jurisdicional que, numa realidade de “judicialização de tudo”, todo o sistema passa a trabalhar de forma equivocada por não prevenir as causas, e sob o risco de automatização por não conseguir acompanhar a quantidade de demandas protocoladas todos os dias.


Neste aspecto, em um ambiente em que o excesso de trabalho se mostra cada vez mais exponencial, não é novidade que a primeira e mais contundente crítica que sofre o Poder Judiciário é quanto a “morosidade”. Além disso, também sofre constantes ataques pela pecha hermeticidade (distanciamento do Poder em relação a muitos dos problemas da população), burocracia, afora a própria falta de efetividade de muitas decisões judiciais que, a par da inevitabilidade e autoridades próprias, carecem de instrumentos mais adequados para sua observância e cumprimento, a exemplo das formas alternativas de solução de controvérsias.

Daí, não nos iludamos: por mais produtivos que sejam os nossos juízes goianos na estatística nacional, acaso não concentremos todos os esforços necessários para descobrir e implementar meios criativos e desburocratizados de enfrentamento das demandas, continuaremos, como dito popularmente, “enxugando gelo”.

A despeito das deficiências de estrutura e pessoal, em que cada juiz, com apenas um assistente jurídico para auxílio, responde pela média de 4000 processos, bem como a burocracia do sistema e inoperância da legislação, mesmo assim, é importante frisar que Goiás sempre fica nas primeiras posições no cumprimento das Metas do CNJ. Entretanto, a percepção destes pontos positivos dificilmente é reconhecida pela sociedade, sendo que somente sairemos do ambiente de críticas quando deixarmos de justificar os nossos inúmeros problemas para atacar suas causas, buscando soluções eficientes para estes gargalos.

A todos interessa um Judiciário forte, que não transija com suas prerrogativas e lute para continuar sendo merecedor da confiança do cidadão, que deposita nele a esperança de ver salvaguardados os seus direitos de forma eficiente. Para isto, o Judiciário como um todo precisa criar uma consciência da necessidade de afirmar-se continuamente enquanto Poder, estabelecendo um diálogo permanente com a sociedade, de modo a demonstrar sua legitimidade dentro da pauta de valores constitucionais, bem como definindo sua área de atuação e sua identidade enquanto instituição. Nesta medida, é que surgem os Centros de Pacificação Social, como ambientes organizacionais chancelados e hoje estimulados pelos Tribunais de vários Estados que privilegiam a entrega da prestação jurisdicional de forma célere e acessível, por meio do estímulo ao voluntariado e aos juízes gestores que, auxiliados por diversos organismos sociais, se propõem a tentar resolver efetivamente os problemas da população.

A título de esclarecimento, os CPS´s funcionam já em Goiás em quase quarenta comarcas abarcando projetos como os da conciliação e meios alternativos de solução de conflitos endo e pré-processuais; formação e capacitação de conciliadores e mediadores; mutirões de cidadania; programas de Justiça itinerante em bairros mais distantes e Distritos Judiciários; Organização das Voluntárias da Justiça – que realizam trabalhos sociais como campanhas de agasalhos, de combate às drogas e exploração sexual; núcleos de prática jurídica em convênio com faculdades para o atendimento de pessoas usuárias da assistência judiciária gratuita; projetos de Justiças Móveis de trânsito; grupo estratégico de prevenção à criminalidade; Justiça na Escola, dentre outros, levando-se sempre em consideração as peculiaridades de cada região.

Implantar Centros de Pacificação Social constitui forma alternativa e inovadora de se tornar a Justiça mais efetiva, já que seus trabalhos desenvolvem uma cultura de conciliação, redução e prevenção de demandas. Retira a burocracia, constitui fator de aceleração do tempo de entrega da prestação jurisdicional, além de ser gratuita e fomentada por voluntários, o que permite o desenvolvimento da acessibilidade e democraticidade da própria Justiça. Na realidade, baseiam-se em ideias extremamente simples de desburocratização da Justiça, mas que a prática e as estatísticas já comprovaram que funciona, justamente por sua simplicidade e porque contam com a participação do povo – que é o primeiro a engajar-se e aplaudir iniciativas que lhes garantam seus direitos a tempo e a hora. Assim, cria-se a conscientização na população para que cada cidadão assuma seu compromisso com a democracia por meio do Poder Judiciário, ajudando significativamente na solução dos seus próprios problemas.

Com isto, por óbvio, não se quer dizer que os Centros de Pacificação serão a panacéia para a solução todos os problemas que enfrentamos na Justiça, mas estes, por estimular uma cultura efetiva de conciliação e prevenção de demandas além dos inúmeros serviços prestados, podem, perfeitamente, ser fator decisivo para contribuir para a solução, ao menos parcial, de vários dos problemas acima citados.

Voltando à questão posta inicialmente, a “pacificação social” é, segundo várias correntes filosóficas e até praxistas que estudam assuntos correlatos à efetivação da Justiça, o fim último do próprio Direito e base em que se sustenta a necessidade de existência do próprio Poder Judiciário que não se limita a só para fazer valer as leis e entregar direitos. Assim, a necessidade, adequação e relevância social do projeto CPS é, portanto, indiscutível e a utilização de seu nome e seu modelo tem se mostrado mais do que adequado para o incremento da credibilidade do Poder Judiciário, ante os resultados já apresentados."