Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

Condenar o Estado, absolver juízes


Nelson Lopes Figueiredo é presidente da Academia Goiana de Direito, advogado e autor dos livros Descaminhos do Poder e O Estado Infrator


Condenar o Estado, absolver juízes


Entre tantas reflexões produzidas no calor das manifestações de junho, pleiteando melhoras nos serviços públicos essenciais, o excelente artigo Corrupção se combate com a Justiça, do presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás, juiz Gilmar Luiz Coelho, publicado neste espaço (14/7), depois de noticiar algumas das vicissitudes que dificultam a luta contra a corrupção pela via judicial, conclui augurando que as crianças não tenham receio de escolher, entre outras carreiras públicas, a de juiz. Apesar da extrema oportunidade dos referidos comentários, pouco se tem falado, dentro ou fora das ruas, sobre um serviço público de fundamental importância na democracia cujas deficiências são gritantes e admitidas por autoridades públicas do mais alto escalão: o mau funcionamento do Judiciário. Como dolorosa consequência, a prestação da justiça que deveria ser rápida e barata, é cara, demorada e, portanto, ineficiente em nosso País.


O jurista Raymundo Faoro (Os Donos do Poder), em histórica entrevista (IstoÉ, 4/7/2001), enfatizou com a autoridade de sempre esse aspecto da crise do Poder Judiciário afirmando: “O Judiciário precisa de uma reforma. Este é um país que não tem juízes. O juiz com dez mil causas não tem nenhuma. Já tive experiência disso. O juiz pertence a uma classe das mais sacrificadas. Em geral, chega na hora certa, sai depois do expediente e leva trabalho para casa.” Considerando que qualquer reforma do Judiciário, decorridos mais de dez anos, deverá priorizar a democratização da justiça, esse depoimento continua atual. No mesmo sentido, em declarações prestadas (6/7/2011) o ex-presidente do STF, ministro César Peluzzo, classificou o sistema judicial brasileiro como “perverso, ineficiente e danoso para 90% das pessoas que procuram o Judiciário (…) e que só verão sua causa ganha 10, 15, 20 e não raro 30 anos depois.” Embora existam outros aspectos que comprometam o bom funcionamento judicial, a sobrecarga dos julgadores de todos os níveis, do juiz ao ministro do STF, é sem dúvida o principal obstáculo à distribuição democrática, a custos módicos, de uma justiça célere.


Contraditoriamente, reclamando muitos protestos e passeatas, o poder público é o principal protagonista do acúmulo de demandas que abarrota o Judiciário, sacrifica os juízes e emperra as engrenagens de sua estrutura. Embora a “explosão de litigiosidade” que aflige as diversas instâncias judiciais decorra, indiscutivelmente, da democratização, da inclusão social e do próprio aumento populacional, o Estado é o maior litigante entre todos que buscam solução judicial para os conflitos. De acordo com o relatório intitulado l00 maiores litigantes, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em março de 2011, o setor público figura em 53,2% dos processos em tramitação, assim distribuídos: governo federal (14,4%), INSS (23,3%), Caixa Econômica Federal (8,5%), Banco do Brasil (4,2%) e os governos estadual e municipal (11%). E mais, é o maior entre os maiores recorrentes, sobrecarregando o Judiciário, principalmente nos tribunais superiores, com recursos sobre recursos, na sua maioria meramente protelatórios, visando tão somente evitar o fim do processo quando a decisão lhe é desfavorável.


Superar esse entrave é o desafio imposto ao Estado contemporâneo por uma sociedade complexa, multiplicadora de conflitos e de demandas, vítima, em suas carências básicas, de injunções econômicas orquestradas globalmente e à distância, por forças invisíveis e poderosas. Também nesse aspecto de extrema relevância social a organização estatal, tal como se apresenta aparelhada e funcionando, ainda não conseguiu provar que não falhou. A conhecida máxima “o povo é o juiz dos juízes” pode ser convertida na seguinte sentença condenatória: o povo não absolve o Estado, por mais bons juízes que ele tenha.