Em casa a roda já mudou
Que a moda muda
A roda é triste
A roda é muda
Em volta lá da televisão…
(Chico Buarque)
A superexposição a que as redes sociais nos levaram exige uma análise profunda de seus danos. Assim como na crítica do tão atual cantor e compositor Chico Buarque à programação da TV, devemos voltar nossas atenções aos perigos do excesso de inutilidades que a internet fornece em sua constante programação.
Brotam no mundo virtual aberrações como vídeos de espancamentos a autores de roubo de telefones, populares reagindo a assaltos, brigas de trânsito e outras mais. Reagir a situações assim não é nem nunca foram a melhor decisão, como muito bem sempre alertam especialistas em segurança. Quando o resultado é morte os likes são infinitamente maiores. E mais esses vídeos se propagam. E enchem de orgulho os espectadores que os disseminam para ganharem muitos mais joinhas e coraçõezinhos.
No ambiente digital torna-se mais difícil se conter excessos e o que é proibido pela lei, como o cyberbullying, por exemplo. E, infelizmente, é a programação preferida de uma sociedade que necessita de educação para sua evolução enquanto sociedade, mas que, lamentavelmente, é bombardeada com o oposto na internet, seja qual for o canal em que tentar sintonizar.
Na grade, o que se vê é uma diversidade de conteúdo que vilipendia classes sociais, entidades, partidos políticos, instituições, religiões e, o mais grave, a honra das pessoas. Em que mundo estamos?
O Judiciário e seus membros são também vítimas dos achincalhamentos virtuais. Mais difícil ainda é saber que alguns casos são produzidos por membros de classes que deveriam trabalhar em favor da evolução ética e moral da nossa sociedade.
A juíza Alessandra de Cássia Fonseca Tourinho, de São Paulo, foi uma dessas vítimas. Em um recorte de um minuto e dez segundos, que viralizou, um advogado a expõe em vídeo justamente no momento em que ela se defende enquanto ele a acusa e, com dedo em riste, diz estar “dando voz de prisão contra a magistrada". Ela o havia chamado a atenção, segundo disse, por ele estar "tumultuando a audiência”.
Essa superexposição a que foi injustamente exposta a colega magistrada atenta contra os Poderes. O juiz, no exercício de sua função, é o Estado ali representado em sua figura. O juíz é imparcial e está ali para aplicar a lei, de acordo com seu entendimento — que, importante lembrar, é passível de recursos. Ele jamais deixará haver e se manifestar rivalidade entre Estado, magistrado e a parte representada pelo Ministério Público ou a OAB.
Casos como esse não podem se tornar corriqueiros, pois profissionais de todas as áreas podem ser vítimas dos "lacradores" que usam os celulares e as publicações como armas de destruir reputações construídas com dedicação e trabalho. A OAB deve estar vigilante e ser dura, assim como também devem ser os legisladores, porque essas ações atacam não só o magistrado-vítima, mas todo o Poder.
Patrícia Carrijo é juíza, presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) e vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)