Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

Educação Financeira e Justiça

Autor: Mateus Milhomem de Sousa é Juiz de Direito do 1º Juizado Criminal de Anápolis-GO.


A formação cultural de qualquer povo envolve um complexo conjunto de fatores e informações, que deságuam na educação formal.


Nessa esteira, assunto dos mais relevantes, não apenas quando se leva em conta a divisão dos povos por etnias, mas também quando tratamos apenas do indivíduo em si, independentemente da nacionalidade, é a educação financeira.


O tema remonta aos primórdios da civilização, tendo seus alicerces e origens relacionados ao escambo, prática que evoluiu para as trocas com moeda, usada até hoje como forma de representação de valores e transações gerais, especialmente a compra e venda.


Nem as religiões, que precipuamente cuidam de assuntos ligados à moral, à ética e à fé, deixam de abordar a questão da educação financeira, tamanha a sua importância. Basta notar que o texto bíblico (aproximadamente dois mil anos), em várias passagens, enfrenta os temas da riqueza ou do dinheiro, o que demonstra o quão ligado ao homem sempre estiveram.


Sem embargo, é possível concluir que a economia é elemento básico e essencial a qualquer povo, estado ou nação. Os países desenvolvidos possuem tal título graças, principalmente, a fatores de ordem econômica, pois administraram bem seus valores e riquezas, cuidando especialmente de seus negócios e, consequentemente, educando a população nesse sentido.


Assim, a educação financeira é determinante mesmo em países com enorme poderio e desenvolvimento econômico, como os Estados Unidos, que esteve recentemente submetido a intempéries relacionadas exclusivamente a particularidades de sua economia. Vale lembrar o fenômeno ocorrido naquele país, em 2008, quando um importante desequilíbrio financeiro relacionado ao mercado imobiliário foi capaz de abalar toda a potente economia norte-americana e, em consequência, a mundial. O fenômeno, na época, foi denominado pela mídia internacional como “Bolha Imobiliária” e consistiu em um tremendo descompasso entre as manobras ambiciosas do mercado e a realidade financeira.


O assunto não deixa de ser importante para o cidadão, isoladamente. Com a abundante oferta de créditos e bens existentes em nosso mercado, próprios do capitalismo, observa-se que a maioria das pessoas tem extrema dificuldade em lidar com seus orçamentos, se colocando em situações delicadas, até vexatórias, em decorrência de uma vida financeira mal administrada, em detrimento de si, da família e, em última análise, da própria instituição que ofereceu o crédito.


Uma reação em cadeia é disparada. A inadimplência aumenta e é levada ao Judiciário, que possui pouca infraestrutura para absorver esta elevadíssima demanda, gerando maior descrédito à Justiça. A instituição que terá prejuízo com a inadimplência, por sua vez, tentará repassar essa diferença adiante com o aumento das taxas de juros, o que piora ainda mais o quadro de desequilíbrio orçamentário.


Forçoso admitir que o capital exerce um poder muito grande sobre os homens, sendo capaz de definir o destino das pessoas, dos povos e das nações. No tocante ao orçamento doméstico, a problemática é a mesma, e o indivíduo poderá causar uma série de transtornos e dissabores a todos, família e sociedade, a partir do momento em que não atua com consciência e planejamento ao realizar suas transações financeiras.


O consumismo entra nesse contexto de discussão. As pessoas, devido à falta de conhecimento específico, abusam de seu poder de compra e de crédito, ao passo que deveriam ter a consciência voltada a nivelar a necessidade de compra à importância da poupança, buscando, com esse entendimento, conquistar o equilíbrio financeiro e evitar problemas futuros e, numa próxima fase, tornar-se um investidor.


A problemática não é atual, ao contrário, é antiquíssima. Acreditamos que o estado seja, talvez, o principal responsável por todo o quadro apresentado, na medida em que não se preocupa em proporcionar ao cidadão a devida instrução financeira e uma formação mais completa para o enfrentamento da vida cotidiana, preocupando-se primordialmente com os impostos a serem arrecadados, com a geração de empregos e com o giro da economia, mesmo que sem nenhum lastro de autossustentabilidade, o que transfere para as gerações futuras o custo de uma colheita política que é imediata.


As grades escolares deveriam conter disciplinas relacionadas, ao menos, à economia doméstica, para que a formação do indivíduo contemplasse a oportunidade de aprender e entender a matemática de juros e o alerta para o perigo de assumir compromissos além de sua capacidade orçamentária. Do contrário, o cidadão, em um dado momento, se vê totalmente endividado e só vai perceber a real situação tardiamente, quando já está totalmente comprometido e mergulhado em dívidas e problemas de toda ordem, que podem ocasionar todos os tipos de desatinos e, inclusive, disparar a criminalidade.


A educação financeira adequada poderá mesmo prevenir crimes de adolescentes, ávidos por consumo e sem nenhuma experiência de vida, pois trará mais tranquilidade para que possam esperar o momento certo de poupar e de consumir, ao invés de deixá-los ao ritmo de aventurarem-se em drogas e assaltos. Por quantas vezes o criminoso conseguirá o dinheiro sem ser preso? Ocorrendo o pior, o lucro que teria sido conseguido compensou a investida delituosa? Estas são alguns questionamentos éticos que têm por base as finanças, a lei do custo-benefício, e que farão os jovens melhor avaliar seus primeiros objetivos financeiros.


Os governos devem criar políticas para tentar acudir tais deficiências sociais, desde a mais tenra idade, pois se algo falta aos cidadãos de todos os matizes sociais é o mínimo de educação financeira, o que gera, embora não isoladamente, demanda frequente por aumentos de salários e mais inflação. Bem como corrupção, prostituição, perda de valores ético-morais, ganância desmedida, crimes contra o patrimônio, propaganda enganosa, agiotagem, ameaças, falsificações e uma série incrível de desarmonias severas.


Sob este aspecto, imagina-se até que poderiam ser criados cursos rápidos de economia para a população interessada, em que um certificado identificaria a pessoa como capaz ou habilitada a realizar com mais precisão transações financeiras, principalmente no que diz respeito a empréstimos de maior prazo ou valor. Para os bancos, esta seria também medida interessante, pois quando da concessão de algum empréstimo ou financiamento, além da documentação de praxe, seria possível solicitar tal certificado de capacitação financeira, o que favoreceria a oferta de produtos e taxas de juros diferenciadas para aquele cliente.


O tema é relevante. Devemos estar mais atentos a esse aspecto da formação econômica do cidadão, com vistas a implantar em nosso meio o conceito de crédito consciente, medida que seria de bom grado a todos, seja cidadão, seja Estado, seja instituição financeira. Basta ver os noticiários para notar que nosso povo está muito endividado, financeiramente aturdido e os governos não podem continuar inertes com a transformação de cidadãos de uma classe ativa em meros escravos financeiros e pagadores de carnês. Recente pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo apontou que cresceu o endividamento da população, e que o percentual de famílias endividadas chegou a 57,3%, no mês de junho de 2012.


Diante disto, vale ressaltar o quão importante é a educação financeira, tema rico em reflexos, com repercussões, inclusive, sobre a saúde psíquica das pessoas. Não se constrói um povo civilizado, uma nação adiantada, sem a informação, sem o preparo contínuo de seus cidadãos.


Por fim, a Justiça não foi estruturada para receber tamanha demanda de consignatórias, revisionais, busca e apreensão, cobranças e outras ações decorrentes do desequilíbrio financeiro, e a lei, muito burocratizada, padece de lógica e eficiência para solucionar este impasse. Sendo quase impossível receber uma dívida no Brasil, a sociedade sobrevive com um elevadíssimo custo financeiro girando a roda da desarmonia, a qual poderá descarrilar em gerações perdidas pelo descontrole financeiro.


*Colaborou Áureo do Brasil Cunha, Servidor da Justiça.


“A educação financeira é determinante, mesmo em países com enorme poderio e desenvolvimento econômico. Sendo quase impossível receber uma dívida no Brasil, nossa sociedade sobrevive com um elevadíssimo custo financeiro girando a roda da desarmonia, a qual poderá descarrilar em gerações perdidas pelo descontrole financeiro.”