Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

O princípio da operabilidade e a equidade como instrumentos de tutela jurisdicional efetiva

O PRINCÍPIO DA OPERABILIDADE E A EQUIDADE COMO INSTRUMENTOS DE TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA


Sirlei Martins da Costa
Juíza Titular da 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Goiânia/GO, especialista em Direito Civil e Processo Civil. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.


RESUMO: O presente trabalho pretende fazer uma análise acerca da aplicação do princípio-norma da operabilidade e da equidade como instrumentos de efetivação do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva no processo civil moderno. O estudo passa pela defesa da ideia de que a interpretação da norma processual  deve estar em compasso com o direito fundamental à tutela jurisdicional, sob pena de não se resguardar direitos amparados no sistema normativo. Desta forma, é preciso encontrar a técnica processual adequada e, para tanto, necessário se faz contornar o quanto possível as imperfeições da Lei, o que somente é possível se houver refutação da interpretação literal da lei ou sua aplicação mecânica, o que implica na observância do princípio da operabilidade e na aplicação da equidade de maneira mais ampla do que normalmente se extrai da interpretação literal do artigo 127 do CPC.


PALAVRAS CHAVE:  direito fundamental;  tutela jurisdicional; princípio da operabilidade; norma aberta; equidade.


SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Direitos Fundamentais. 3 Direito Fundamental a Tutela Jurisdicional Efetiva. 4 Princípio da Operabilidade. 5 Normas Abertas. 6 Normas Processuais Abertas no Projeto do CPC (PL 166/2010). 7 Equidade. 8 Equidade Como  Elemento de Integração da Norma Aberta. 9 Conclusão.




  • 1. INTRODUÇÃO


 A elaboração do presente trabalho objetiva tratar das questões relativas à aplicação do princípio da operabilidade e da equidade como formas de garantia do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.


O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva incide sobre o legislador e também sobre o juiz. Na elaboração da norma, o legislador é obrigado a instituir técnicas e procedimentos que permitam a realização dos direitos materiais. O problema é que as relações sociais se tornam mais complexas a cada dia e, diante desta realidade, é quase impossível a previsão de tantas regras processuais que amparem sob medida todos os direitos materiais previstos no ordenamento.


As garantias individuais e os direitos fundamentais foram ampliados a partir de leis que entraram em vigência depois da Promulgação da Constituição Federal. Neste aspecto, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90 de 11-9-1990) e o Estatuto da Criança e do Adolescente ( Lei 8.069 de 13-7-1990) foram marcos.


O Código Civil (Lei 10.406 de 10-01-2002), cuja vigência se deu a partir de janeiro de 2003, representou um ponto de partida na instituição de novos paradigmas que passaram a nortear as relações privadas. Houve, com referida Lei, verdadeira mudança de premissa axiológica, uma vez que o Código Civil de 1916 foi concebido a partir de uma feição nitidamente individualista, ainda como expressão da concepção político-filosófica vigorante depois do triunfo da Revolução Francesa, sendo o homem o centro do mundo e capaz, com sua vontade e sua razão, de ordená-lo. Por isso, se consagrou o primado da vontade e submeteu os contratantes ao que constava da avença, devendo esta ser interpretada de acordo com a intenção das partes. Os contratos eram regidos pelos princípios da (1) liberdade contratual; (2) obrigatoriedade do contrato (pacta sunt servanda); e (3) relatividade dos efeitos contratuais. Valia, portanto, o que era expresso pelos contratantes, como se estes sempre estivessem em condições de igualdade no momento da celebração.


Em outras palavras, as partes podiam celebrar contratos como quisessem e eram obrigadas a cumprir o pactuado, desde que observados os limites legais e seus efeitos não atingissem estranhos ao contrato. Esta forma de construção encontra-se dentro do  modelo social ultrapassada.


O atual Código Civil abandonou o modelo fechado e adotou cláusulas gerais, o que possibilita ao juiz menos apego à norma escrita e maior possibilidade de julgar segundo a ética, costumes e princípios gerais. No tocante ao contrato, o Código adotou o princípio da função social, conforme se vê no artigo 421.


A partir do Código Civil vigente, outras leis sugiram, sobretudo no âmbito do Direito de Família, revelando quase sempre perfil ajustado à filosofia político-constitucional, enfatizando os princípios da sociabilidade, eticidade, operabilidade e concretude, todos consolidados no Código Civil. Tudo isso consolida avanços normativos no âmbito do direito material que, se bem compreendidos e aplicados pelos operadores, tornarão realidade as metas de efetivação dos princípios mencionados. Contudo, o direito processual necessita seguir no mesmo compasso, o que demanda que os princípios já referidos sejam norteadores também do processo civil.


Não há como se pensar na realização dos referidos direitos senão por meio da jurisdição que assenta seus alicerces no direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.


É preciso, portanto, encontrar a técnica processual adequada e, para tanto, necessário se faz contornar o quanto possível as imperfeições da lei, o que somente é possível se houver refutação da interpretação literal da lei ou sua aplicação mecânica sempre que a redação estiver em descompasso com os princípios constitucionais.


O emprego de normas abertas, apesar de toda discussão que elas despertam, é uma tendência legislativa que visa ao enfrentamento da amplitude que o novo arcabouço de garantias representa para o processo.


O Código de Processo Civil (Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973)  em vigor se mostrou circunscrito ao tratar das normas abertas. Pode se relacionar os artigos 14, II, 461 e 789.


O Projeto do Novo Código de Processo Civil, em andamento no Congresso Nacional, reforça a tendência de ampliação das cláusulas gerais âmbito do Processo civil, na medida em que alarga as hipóteses de contemplação do instrumento.


No exercício de interpretação das cláusulas gerais no âmbito do Processo Civil é possível maior contemplação da gama de direitos e garantias que se respaldam na Constituição Federal, em princípios gerais e em leis que também vigem a partir de princípios norteados pela eticidade, operabilidade e sociabilidade. Para que isso ocorra, entretanto, o magistrado deverá contemplar e exercer com todo rigor o princípio da operabilidade, o qual deve estar respaldado por outros princípios constitucionais.


Não há dúvida de que o processo deve servir ao fim maior que é a efetiva entrega do bem da vida. Contudo, também é certo que as limitações existem e podem servir de empecilho para a efetividade que se espera do processo. As limitações podem ser compreendidas na seguinte ordem: a) Ausência de estrutura adequada, ante a falta de juizes, servidores e defensores públicos suficientes frente às demandas; b) Falta de condições físicas adequadas para atender a demanda; c) Leis de organizações judiciárias mal elaboradas e promovedoras de mais embaraços no desenvolvimento do processo, principalmente em razão de regras de distribuição inadequada; d) Leis processuais pouco eficientes para atender e amparar a diversidade de hipóteses de busca por direitos; e) Leis processuais muito rígidas, o que limita a possibilidade do juiz adaptá-las às exigências encontradas na prática judicante; f) Pouca disposição dos magistrados para inovarem e buscarem a técnica processual mais eficiente diante do caso concreto.


O enfrentamento de alguns dos problemas acima relacionados exige a observância do princípio da operabilidade, sendo esta definida como a habilidade de manter um sistema em funcionamento dentro de requisitos operacionais pré-estabelecidos.


O princípio da operabilidade deve ser visto como exercício de prática processual que afasta todos os atos processuais que não tenham objetivo prático a determinar a realização da entrega da prestação jurisdicional. Em outras palavras, os atos processuais devem ser realizados sempre visando à concretização da jurisdição.


Tal exercício pressupõe a busca de uma jurisdição que supere o simples julgamento do processo em trâmite. Além do julgamento em tempo razoável, deve se perseguir o ideal de justiça que não pode se restringir ao âmbito do direito material. O ideal de justiça deve impregnar toda a prática do processo, já que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva pressupõe acesso ao judiciário, duração razoável do processo e julgamento justo.
Para se chegar ao julgamento justo, a equidade deve ser tratada como instrumento de hermenêutica jurídica, o que pressupõe a releitura da morma  contemplada no art. 127 do Código de Processo Civil, atribuindo-lhe interpretação  que vá além da literal, segundo a qual o juiz só decidirá por equidade “nos casos previstos em lei”.


2. DIREITOS FUNDAMENTAIS


Não se pretende aqui tratar do desenvolvimento das várias teorias dos direitos fundamentais, concebidas por inúmeros juristas, e tampouco tratar das divergências  de suas teorias.


O tema Direitos Fundamentais é por demais amplo e o que se fará aqui é apenas uma introdução à matéria sem o aprofundamento que o título exige, pois para tanto seria necessário que o presente trabalho se incumbisse apenas dos Direitos Fundamentais, mas a pretensão é de enfrentamento de temas correlatos, conforme exposto na introdução.


Denomina-se direitos fundamentais porque “repercutem sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade, quando se diz que possuem uma fundamentalidade material”, no dizer de Ingo Wolfgang Sarlet, citado por Marinone1. É possível afirmar, portanto, que os direitos fundamentais estão ligados à ideia de fundamentalidade humana.


Os doutrinadores costumam tratar dos direitos fundamentais no aspecto formal e material. A primeira está relacionada ao sistema constitucional positivo e, no direito brasileiro, estão catalogados sob o Título II da CF/88, sob a rubrica “Dos direitos e garantias fundamentais”, embora se admita a existência de direitos fundamentais não previstos nesse Título, como é o caso do direito ao meio ambiente2.


Vale lembrar ainda que a Carta Magna no artigo 5º afirma no § 2º que:


 “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”


A fundamentalidade material parte da premissa de que os direitos fundamentais repercutem sobre a estrutura do Estado e da sociedade. A caracterização de um direito fundamental sob o aspecto material depende da análise de seu conteúdo, isto é, “da circunstância de terem, ou não, decisões fundamentais sobre a estrutura do Estado e da sociedade, de modo especial, porém, no que diz com a posição nesse ocupada pela pessoa humana.3


A Constituição Federal cuida dos direitos fundamentais atribuindo-lhes garantias especiais. Assim o faz, por exemplo, quando determina que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (art. 5º, § 1º, CF)  e também quando os arrola dentre as cláusulas pétreas (art. 60, CF).


De qualquer forma, as normas estabelecedoras de direitos fundamentais consolidam valores, os quais incidem sobre a totalidade do ordenamento jurídico e definem norte para as incumbências dos poderes legislativo, executivo e judiciário.


3. DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA 


No Direito brasileiro, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva está explicitamente contemplado no texto constitucional, no art. 5º XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.


A norma constitucional determina que haverá garantia, pelo Estado, de todos direitos da pessoa. Assim como cabe ao Estado outorgar os direitos ao indivíduo e à coletividade, também lhe incumbe a obrigação de garantir e proteger referidos direitos.


De fato, o direito à tutela jurisdicional não poderia deixar de ser pensado como fundamental porque é decorrente da própria existência de direitos, sem estes, não haveria que se preocupar com sua possível lesão ou ameaça. A tutela jurisdicional também é consectário da proibição de autotutela.


A tutela jurisdicional efetiva requer o aparelhamento estatal no sentido de permitir o ingresso no judiciário de todos que supõe haver sofrido lesão ou ameaça a direito. O acesso somente é possível mediante a instauração de defensoria pública em todas as unidades da federação, ideal este que ainda não se concretizou no Brasil.


O acesso ao judiciário não pode ser enxergado apenas como entrada ou formulação do pedido ao juízo. Acesso deve ser entendido como ingresso com vista a obter do judiciário a resposta possível diante do caso concreto em tempo razoável,  princípio este que foi inserido na constituição por meio da emenda 45/2004 e está insculpido no inciso LXXVIII do art. 5º.


A ideia de jurisdição efetiva compreende julgamento e cumprimento do julgado em tempo razoável. A depender da situação concreta, o julgamento deve inclusive ter caráter preventivo, se necessária for a medida para resguardar direito material. Todas estas ideias, já tão consolidadas no momento atual derivam da premissa de que o objetivo da jurisdição é de atender às necessidades do direito material.


É preciso, portanto, encontrar a técnica processual adequada e, para tanto, necessário se faz contornar o quanto possível as imperfeições da lei. Não se trata de afastar a lei. Cuida sim da sustentação de que as normas processuais devem ser menos rigorosas no tocante ao estabelecimento do procedimento. Quando o procedimento é traçado de forma rigorosa, como se fosse possível encaixar dentro dele todas as pretensões que podem ser formuladas ante a lesão ou ameaça de direito, inevitavelmente se estabelece o engessamento das possibilidades de atuação do magistrado e muitas vezes isso impede que o processo sirva ao seu objetivo.


Jurisdição efetiva, portanto, é aquela em que, além de manter abertas as porta para o fácil acesso do jurisdicionado, promova, em tempo razoável, o julgamento. Não se trata apenas de mérito, mas também das medidas cautelares e tutelas de urgência, de maneira a possibilitar o exercício do direito material previsto no ordenamento jurídico do País.


4. PRINCÍPIO DA OPERABILIDADE


O princípio da operabilidade deve ser entendido como o objetivo de simplificar e de afastar toda complexidade. A ideia é exatamente a de promover o resultado ou fazer acontecer.


O exercício do princípio da operabilidade perpassa pelo emprego de procedimento simplificado e célere que facilite o alcance do objetivo do processo.


O princípio da operabilidade dá ao juiz maior amplitude interpretativa da norma porque a realização da entrega jurisdicional está intimamente ligada à ideia de equilíbrio e este deve ser buscado nas próprias relações geradoras do conflito. A análise delas deve ocorrer por uma perspectiva muito mais centrada na peculiaridade de cada caso concreto, o que vem sendo possível por meio de cláusulas abertas, as quais exigem hermenêutica social de cada situação.


A partir do princípio da operabilidade, pensa-se o processo como mecanismo de acesso ao judiciário e obtenção de julgamento justo, sendo este visto como o julgamento que é fundamentado criteriosamente no ordenamento jurídico e realizado em tempo razoável.


Por tempo razoável, deve-se entender aquele que não frustra a expectativa de direito do sujeito, englobando as tutelas definitivas e preventivas.


A norma prevista no parágrafo único do artigo 28 do  Projeto de Lei nº 166/2010 é a manifestação legal mais evidente do acolhimento do princípio da operabilidade da norma processual: segundo referido dispositivo, para evitar perecimento de direito, as medidas urgentes poderão ser concedidas por juízo incompetente.


5. NORMAS ABERTAS


As cláusulas abertas são normas jurídicas incorporadoras de um princípio ético orientador do juiz na solução do caso concreto. Trata-se de norma a ser preenchida com conteúdo que passa pela exegese do magistrado. Todavia, há limitação da possível discricionariedade porque as decisões necessariamente devem estar fundamentadas.


O atual Código Civil  e o Código de Defesa do Consumidor foram os primeiros a adotar as cláusulas gerais, o que possibilita ao juiz menos apego à norma escrita e maior possibilidade de julgar segundo costumes e princípios gerais.


O emprego de normas abertas no âmbito do Processo Civil pretende viabilizar a realização do direito fundamental à tutela jurisdicional.


É preciso pensar o processo a partir de instrumento eficiente para exercício de direitos e garantias. Para tanto, o emprego das normas abertas e o exercício constante da atividade equitativa do juiz são condições imprescindíveis.


Para a adequada interpretação das normas abertas e seu preenchimento nos casos concretos, fundamental a formação mais constitucionalista do julgador, na qual a melhor interpretação da norma será sempre aquela capaz de atender às necessidades de direito material, e que confira a devida efetividade ao direito fundamental à tutela jurisdicional.


Interpretar, portanto, consiste na atividade intelectual com vistas a descobrir o sentido e o alcance da norma. Os parâmetros para tal atividade baseiam em princípios que vigem no tempo e no espaço onde a norma será aplicada. Na sociedade moderna, nem mesmo a lei pode ser empecilho para a efetivação dos direitos e garantias prometidos no ordenamento, devendo este ser entendimento como o conjunto de regras e princípios capazes de garantir a concretização dos direitos fundamentais.


Obviamente, não se pode esperar que o ideal aqui tratado seja alcançado a partir de um processo burocrático e engessado em normas rígidas. Como consequência disso, Carlos Maximiliano nos orienta que “não se pode restringir muito o papel do juiz em face dos Códigos. A sua função, como intérprete e aplicador do Direito, é necessariamente vasta e complexa; porque a lei deve regular os assuntos de um modo amplo, fixar princípios fecundos em consequências, e não estabelecer para cada relação da vida uma regra específica; não decide casos isolados, formula preceitos gerais”.4


A normas abertas dão ao juiz o poder de utilizar a técnica processual adequada para atender a exigência do caso concreto. A obrigatoriedade de fundamentação afasta a possível crítica à exacerbada discricionariedade que poderia resultar do emprego das normas abertas. Neste sentido, é o ensinamento de Marinoni no artigo intitulado “A legitimado da atuação do juiz a partir do direito fundamental a tutela jurisdicional efetiva”:


“Acontece que as normas processuais abertas não apenas conferem maior poder para a utilização dos instrumentos processuais, como também outorgam ao juiz o dever de demonstrar a idoneidade do seu uso, em vista da obviedade de que todo poder deve ser exercido de maneira legítima.”5


Todo exercício de interpretação para preenchimento da norma aberta deve ter como norte o alcance da justiça e até o conceito de justiça e o valor que circunda tal conceito deve ser respaldado em fundamentação.


6. NORMAS PROCESSUAIS ABERTAS NO PROJETO DO CPC 


O Projeto de Lei do novo Código de Processo Civil em andamento no Congresso Nacional é muito mais fecundo na previsão de cláusulas abertas do que o atual Código de Processo Civil. Embora o Projeto ainda esteja na fase de tramitação, já é possível constatar a tendência de alargamento da atuação do juiz em função do aumento das cláusulas abertas.


O artigo primeiro do projeto tem a seguinte redação: “Art. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.” Grifei.


Prevê ainda referido projeto de lei:


“Art. 6º Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, observando sempre os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.”


São artigos que necessariamente deverão ser aplicados a partir do princípio ético orientador do juiz. No último artigo citado, a palavra eficiência deve ser interpretada a partir do principio da operabilidade da norma processual.


O artigo 7º revela o quanto o procedimento se torna mais maleável, devendo sempre garantir o contraditório, sem o qual não é possível o julgamento justo:


“Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pela efetivo contraditório em casos de hipossuficiência técnica.”


O presente artigo não comporta comparação mais aprofundada das normas, mas a partir dos artigos acima citados, já é possível perceber o quanto o Novo Código de Processo Civil deverá ser mais fecundo em normas abertas e o quanto isso importará em atividade interpretativa mais vasta e mais autonômica por parte do magistrado.


7. EQUIDADE


O instituto da equidade e sua importância para a hermenêutica jurídica passou a ser tema recorrente em artigos científicos. Está havendo, no meio doutrinário, aguçado empenho para se solucionar eventuais conflitos entre o artigo 127 do Código de Processo Civil e a equidade que sempre deve nortear o aplicador do Direito.


O conceito de equidade está intimamente relacionado às concepções jurídico-filosóficas. Segundo Maria Helena Diniz, o “termo 'equidade' não é unívoco, pois não se aplica a uma só realidade, nem tão pouco equívoco, já que não designa duas ou mais realidade conexas ou relacionadas entre si. Tem a equidade sido, de uma certa forma, entendida como um direito natural em suas várias concepções.”6


Alípio Silveira trabalhando o conceito de equidade traz a seguinte explicação:


“sob o ponto de vista racional, a equidade vem a equiparar-se ao próprio fundamento do direito e da justiça, fundamento esse que varia com as várias doutrinas jurídico-filosóficas: direito natural (em suas várias concepções), direito justo, direito racional; trata-se de um fundamento de caráter valorativo ou deontológico. Quanto ao ponto de vista social, a equidade considera a realidade social subjacente”7


A partir das explanações acima, e também das várias conceituações encontradas na doutrina, é possível concluir que equidade é a busca do razoável com o fim de aplicar a justiça no caso concreto.


A ideia de equidade está relacionada a aplicação da norma com o fim de promover a justiça. Isso não supõe que o Direito, enquanto ciência, pudesse conduzir ao injusto. A norma é que em algumas situações pode estar em descompasso com o justo, que é sempre um conceito cultural, variável no espaço-tempo.


Prevê o artigo 5º da Lei de Introdução a Norma do Direito Brasileiro (Lei 4.657 de 04-09-1942) que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Referido dispositivo legal trata propriamente da equidade e outorga ao magistrado inclusive o poder de deixar de aplicar norma ou até mesmo julgar “contra legem” desde que atenda aos fins sociais e ao bem comum, pois estes são, sempre, o objetivo do Direito.


A interpretação do artigo 5º em consonância com os princípios norteadores dos direitos fundamentais impõe a conclusão de que o aplicador do Direito deve utilizar da equidade sempre, não havendo que esgotar as hipóteses elencadas no artigo 4º da referida Lei (analogia, costume e princípios gerais do direito).


Da mesma forma, a interpretação do artigo 127 do Código de Processo Civil (CPC), que prevê que “O juiz só decidirá por equidade nos casos expressos em lei” não deve conduzir à conclusão de que o juiz só pode se valer da equidade quando a própria lei lhe conferir tal faculdade.


Para começar, “lei” deve ser entendida como ordenamento jurídico e não apenas lei no aspecto estricto senso. Ademais, tal autorização não deve necessariamente estar  explicita caso a caso: muitas vezes pode estar implícita no ordenamento jurídico. Em verdade, sempre que o julgador se vê diante de uma norma aberta ou de uma norma de conceito aberto deve se valer da equidade, que deve ser constantemente empregada como exegese da norma aberta.


A equidade somente não deve ser aplicada pelo interprete da norma quando esta for inflexível, como é o caso do artigo 1829 do Código Civil (CC).


Segundo lição de Limongi França, citado por Maria Helena Diniz, “a despeito da existência de casos de autorização expressa em lei, concernente ao uso da equidade, essa autorização não é indispensável, uma vez que não apenas pode ser implícita, como ainda o recurso a ela decorre do sistema do direito natural.”8


8. EQUIDADE COMO ELEMENTO DE INTEGRAÇÃO DA NORMA ABERTA


Para muitos autores, dentre eles Dilvanir José da Costa, Maria Helena Diniz, Alípio Silveira e José de Aguar Dias, equidade é elemento de integração do Direito. Veja-se ensinamento de Maria Helena Diniz:


“A equidade, no nosso entender, é elemento de integração, pois consiste, uma vez esgotados os mecanismos previstos no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, em restituir à norma, a que acaso falte, por imprecisão de seu texto ou por imprevisão de certa circunstância fática, a exata avaliação da situação a que corresponde, a flexibilidade necessária à sua aplicação, afastando, por imposição do seu fim social, o risco de convertê-la num instrumento iníquo.


A equidade exerce função integrativa na decisão: a) dos casos especiais que o próprio legislador deixa, propositadamente, omissos, isto é, no preenchimento das lacunas voluntárias, ou seja, daquelas hipóteses, que já mencionamos, em que a própria norma remete ao órgão judicante a utilização da equidade; e b) dos casos que, modo involuntário, escapam à previsão do elaborador da norma; por mais que se queira abranger todos os casos, ficam sempre omissas dadas circunstâncias, surgindo, então, lacunas involuntárias, que devem ser preenchidas pela analogia, costume, princípios gerais de direito, sendo que, na insuficiência desses instrumentos se deverá recorrer à equidade. A equidade seria o sentimento do justo concreto, em harmonia com as circunstâncias e com o caso sub judice. É o recuso intuitivo das exigências da justiça, em caso de omissão normativa, buscando efeitos presumíveis das soluções encontradas para aquele conflito de interesse não normado.”9


Portanto, a equidade deve ser empregada como elemento de integração da norma aberta, como mecanismo capaz de garantir que tal técnica legislativa conduza a um sistema mais justo.


No direito processual civil, a norma aberta deve ser empregada sempre como forma de não engessamento dos procedimentos e como meio de permitir ao magistrado maior flexibilidade da norma. Isso não se confunde com ausência de regra procedimental. Trata-se tão somente de permitir maior amplitude, de modo a permitir que a norma processual seja capaz de atender ao seu objetivo, que é a tutela jurisdicional efetiva.


O emprego das normas abertas no âmbito do Direito Processual deve servir de ferramenta à garantia do direito fundamental à jurisdição efetiva e a integração da norma aberta deve se dar com a equidade, que nada mais é que a realização da justiça no caso concreto.


Neste sentido, ensinamento de Alípio Silveira:


“Para que uma ordem jurídica funcione, e sobretudo para que funcione satisfatoriamente, é muitas vezes indispensável recorrer a princípios ou critérios não formulados explicitamente, a critérios implícitos, mas que devem operar como postulados inelutáveis.”10


9. CONCLUSÃO


A diversidade e a complexidade das relações humanas no atual momento da sociedade gera uma amplitude de possibilidades de lesão a direitos que não se conhecia em outras fases da sociedade. Os direitos materiais, por sua vez, são tão amplos que a norma processual completamente fechada ou totalmente inflexível pode dificultar ou até mesmo impedir que o processo civil atenda ao seu objetivo primordial que é servir ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.


A garantia do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva exige do legislador a elaboração de normas com vista a encontrar a melhor técnica processual e impõe ao magistrado o emprego do princípio da operabilidade como forma de simplificar o processo e torná-lo eficaz ao fim que se propõe.


As normas abertas se apresentam como mecanismo capaz de dar maior flexibilidade ao processo e, por certo, promover a outorga dos direitos discutidos no processo de forma mais ágil e eficiente.


No exercício de interpretação da norma processual aberta, o magistrado deve empregar a equidade como integração normativa, fundada no exercício da ponderação que resulte no julgamento justo do caso concreto.


ABSTRACT:


The present paper intends to analyze the application of the norm-principles of interoperability and equity as instruments of effectuation of the fundamental right to the jurisdictional tutelage in the modern civil process. The study defends the idea that the interpretation of the processual norm must be in step with the fundamental right to the jurisdictional tutelage, otherwise the rights sustained in the regulatory system shall not be protected. Therefore, it is necessary to find the convenient processual technique and, for this purpose, it is necessary to circumvent the law flaws as much as possible, what is feasible only if there is a rebuttal to the literal interpretation of the law or is mechanics interpretation, which implies the observance of the principle of interoperability and the application of equity in a wider way than it is normally extracted of the literal interpretation of the article 127 of the Civil Process Code.


Keywords: fundamental right; jurisdictional tutelage; principle of interoperability; open norm; equity.




  • 10. REFERÊNCIAS


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DINIZ, Maria Helena. As Lacunas no Direito, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.


DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 11ª São Paulo:Saraiva, 1999.


JÚNIOR, Freddie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. Salvador: ed. Podivm, 2007.


MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito.Rio de Janeiro. Forense. 2008.


MARINONI, Luiz Guilherme, Técnica processual e tutela de direitos, São Paulo, Ed. RT, 2004.


MARINONI, Luiz Guilherme, Teoria Geral do Processo, São Paulo, Ed. RT, 3ª ed, 2009.


MARINONI, Luiz Guilherme, O projeto do CPC – Crítica e propostas, São Paulo, Ed. RT, 2010.


REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 3ª ed, 1999.


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SILVEIRA, Alípio. Hermenêutica Jurídica – seus princípios e fundamentos no Direito Brasileiro. Vol. 1 e Vol. 4. São Paulo: Brasiliense, 1985.