Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

Pelo direito de termos garantido um direito nosso

Os servidores públicos e a maioria das categorias da iniciativa privada lutam constantemente pela paridade dos reajustes de seus vencimentos com os do salário mínimo, referencial no país do que seria justo para corrigir a inflação e garantir que o trabalhador, se não tiver ganho real, pelo menos não acumule perdas salariais no decorrer de sua carreira. Essa reposição deveria ser assegurada a quem ingressou num cargo que lhe remuneraria com um certo poder de compra e que, por direito, seria mantido.

O psicólogo Fredrick Herzberg definiu, em sua teoria, os fatores de motivação que incentivam os funcionários a trabalharem mais e, ao mesmo tempo, aumentam a satisfação no trabalho. Dentro das necessidades na área emocional, ele catalogou o trabalho desafiador, o reconhecimento, os relacionamentos e o potencial de crescimento. Nas necessidades mais básicas e tangíveis estão segurança no emprego, salário e benefícios. Quanto à estrutura salarial, esta deve ser apropriada e razoável, e igual e competitiva para aqueles no mesmo nível.

No campo constitucional, a não reposição das perdas inflacionárias, como vem acontecendo no serviço público, pode ser considerada uma verdadeira redução dos vencimentos, proibida de forma bem explícita no Art. 37, no inciso X, da Constituição Federal, com a redação: "A revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data".

Na magistratura, por exemplo, além dos atrasos, quando os vencimentos são reajustados, os índices ficam bem abaixo da perda inflacionária registrada naquele período. Nos últimos 15 anos, numa análise detalhada, eles acumularam perda de 44,7% se se comparar ao ganho do salário mínimo no mesmo espaço de tempo. Essa injustiça colabora, assim como em outras carreiras, para a evasão de quadros qualificados para atividades da iniciativa privada. Além de ser um desestímulo à atração desses quadros para se repor as perdas de pessoal da magistratura.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), na aprovação de sua proposta orçamentária para 2022, excluiu o reajuste salarial para os ministros da Corte. Os vencimentos deles servem de base para os de uma gama de servidores do serviço público, dentre eles a magistratura, tão necessária à sociedade e que, no dia a dia, enfrenta muitas privações inerentes ao cargo, tão relevante e dotado de tamanha responsabilidade para quem o exerce.

Num momento de crises sanitária e econômica mundiais, a magistratura não está a exigir ganhos e avanços na carreira, mas se contrapor a medidas de políticas econômicas que aceitam aumento de gastos em áreas como a eleitoral, com ampliação mais que generosa para o Fundo Eleitoral, em detrimento a pagar aos trabalhadores seus direitos assegurados em lei, que colaborariam na recuperação do poder aquisitivo que conquistaram ao ingressar no posto a que se propuseram, repondo as perdas com a inflação. Não se pode ficar à mercê dos governos tomarem a iniciativa dessa recomposição dos subsídios. Muito menos esperar por um cenário em que terão condições ideais para cumprir com o que nos é garantido.

A forma como os reajustes são concedidos, atualmente, nos faz lembrar do episódio do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, quando Quincas Borba, em estado de mendicância, surrupia do amigo Brás seu relógio no momento em que o abraça para se despedir e agradecer pela ajuda recebida. Tempos depois, ele restitui ao amigo, nas palavras dele, "não com o mesmo, porém outro, não digo superior, mas igual ao primeiro". A reparação, após a privação do uso do objeto, só foi possível porque o antes mendigo recebera de uns parentes uma volumosa herança inesperada.

A continuar no batido do relógio atual, ou na esperança de que recursos inesperados sejam conquistados pelo país para nos atender, em duas décadas os vencimentos dos magistrados descerão para algo próximo ao valor do salário mínimo. Isso para o alto nível de qualificação que nos é exigido. Não paremos no tempo.

Patrícia Carrijo - Juíza e presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego)