Sociedade comercial e conjugal
Sirlei Martins da Costa
Comum o equívoco no sentido de que, havendo divórcio, o cônjuge se tornará sócio da empresa do ex-marido (ou mulher). Contudo, no Direito Brasileiro não é assim que acontece. Para que isso seja melhor entendido, necessários alguns esclarecimentos acerca da natureza jurídica das sociedades empresariais, as quais são organizações econômicas dotadas de personalidade jurídica e patrimônio próprio, constituídas, de ordinário, por mais de uma pessoa física ou mesmo jurídica.
Ensina Rof Madaleno que “a finalidade prática da personificação da sociedade é a de estabelecer a separação do patrimônio dos sócios em relação ao seu patrimônio, porque, não obstante os sócios ingressem na sociedade, de regra com o aporte de bens ou recursos financeiros pessoais, transferem para ela este patrimônio que passa para a sua titularidade.”1
A empresa e seu patrimônio não podem se confundir com a pessoa física de seus sócios e nem com o patrimônio particular destes. Corolário disso é que, constituída a empresa, os cônjuges dos sócios não serão beneficiados com o sucesso financeiro da sociedade comercial e nem terão que arcar, com seu patrimônio pessoal, no caso de fracasso econômico da sociedade jurídica.
Tampouco se admite a partilha do acréscimo do patrimônio da empresa, possivelmente havido na vigência do casamento. É que a pessoa jurídica não é um bem em si. É, em verdade, uma entidade, que pode crescer ou quebrar. Conforme a legislação brasileira, no caso das sociedades limitadas, na hipótese de insucesso da empresa, os bens dos sócios somente a socorrerão se comprovada má-fé ou o equivalente em relação ao sócio. Isso se dá em razão do princípio da autonomia patrimonial. Neste sentido já decidiu o Egrégio Superior Tribunal que a valorização patrimonial das costas sociais de sociedade limitada, adquiridas antes do início do período da convivência, decorrente de mero fenômeno econômico, e não do esforço comum dos companheiros, não se comunica [1].[2]
O que pode ser considerado bem do sócio e, portanto, portanto partilhável, são as cotas da empresa. Assim, ainda que a sociedade tenha sido constituída antes do casamento, as cotas adquiridas pelos sócios no curso do casamento devem sim ser partilhadas com seus cônjuges no momento do divórcio, consoante apregoam os artigos 1.660, inciso I, 1.667 e 1.672, todos do CC; bem como a súmula n. 337 do STF.
Havendo partilha de cotas por força de divórcio ou declaração do fim da união estável, o pagamento a ser feito pelo cônjuge cotista deverá obedecer ao que dispõe o artigo 1.027 do CC: “Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir a parte que lhes couber na cota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade”
A regra acima citada tem a finalidade de preservar a pessoa jurídica das vicissitudes próprias das pessoas físicas, dentre elas o divórcio e a morte de seus sócios. A conclusão que se chega é que o cônjuge divorciado do sócio não se torna sócio e não tem direito ao patrimônio da pessoa jurídica. Tem direito sim - com exceção do regime de separação convencional e total de bens - à metade das cotas adquiridas na constância do casamento. No que tange ao quantum devido pelo sócio em razão do direito do ex-cônjuge, necessário que se apure o valor das cotas por ocasião do pagamento, em procedimento próprio e diverso daquele que extinguiu o vínculo matrimonial. Aí sim, o sucesso da empresa refletirá no interesse particular do ex-cônjuge divorciado, pois quanto mais estável e bem-sucedida a empresa, maior será o valor de suas cotas.
Sirlei Martins da Costa – Juíza da 1ª Vara de Familia e Sucessões (