Associação dos Magistrados do Estado de Goiás

Tráfico de pessoas, melhor prevenir

Autor: Rinaldo Aparecido Barros é juiz de Direito em Goiás.

Tráfico de pessoas, melhor prevenir

O tráfico de pessoas é uma atividade criminosa complexa, transnacional, de baixos riscos e altos lucros, que se manifesta de maneiras diferentes em diversos pontos do planeta e que vitimiza milhões de pessoas em todo o mundo, de forma bárbara e profunda, subtraindo-lhes direitos humanos inalienáveis, como a liberdade de ir e vir, a integridade física, a honra, a dignidade e a própria vida.


Estima-se que tal crime chega a movimentar cerca de US$ 32 bilhões de dólares por ano, com uma média de lucro de US$ 13 mil anuais por pessoa traficada. As práticas associadas ao tráfico de pessoas, como o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares, a servidão por dívida, a exploração sexual e a prostituição forçada, a remoção de órgãos, o casamento servil, adoção internacional ilegal, dentre outros, além de constituírem graves violações aos direitos humanos, devem ser tratadas como crimes contra a humanidade.


A capacidade de articulação das organizações criminosas dificulta sobremaneira o enfrentamento a esse crime hediondo, tornando o comércio de humanos o terceiro negócio ilícito mais rentável, superado apenas pelo tráfico de drogas e contrabando de armas.


De acordo com o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Protocolo de Palermo, 2000), incorporado à legislação brasileira desde 2004, tráfico de pessoas significa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ou rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou da situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.


Ao promulgar o Protocolo de Palermo, o Brasil passou a tratar a questão do tráfico como Política de Estado, com a implementação do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que possui três eixos estratégicos de atuação: prevenção, atenção às vítimas, repressão e responsabilização dos agentes. Dentre as prioridades em que são abordados estes eixos, destaca-se a capacitação e a formação de atores envolvidos direita ou indiretamente com o enfrentamento ao tráfico de pessoas na perspectiva dos direitos humanos, a mobilização e sensibilização de grupos específicos e comunidades em geral sobre o tema a diminuir a vulnerabilidade de potenciais vítimas.


Importante que todos os envolvidos no enfrentamento ao tráfico de pessoas, não somente o Poder Executivo Federal, mas também os Poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público, Polícias, Estados, municípios, sociedade civil, organismos internacionais e outros países, potencializem as ações que já executam e que direta ou indiretamente são afetas à questão.


A efetividade da implementação do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e de quaisquer outras iniciativas de combate a este crime depende de um esforço constante e coletivo de todos os parceiros. De qualquer modo, a prevenção será sempre a melhor alternativa para enfrentar o problema e reduzirá a necessidade de atuação nos eixos de atenção e repressão.


Assim, a adoção de algumas medidas preventivas serão fundamentais para drástica redução dos casos de tráfico de pessoas, dentro as quais: a instituição e implementação do Plano Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas em Goiás; a continuidade da Política Nacional como Política de Estado; o aperfeiçoamento da legislação penal, com a criação de tipos penais de conteúdo variado, que contemplem todas os modalidades do crime de tráfico de pessoas, incluindo qualquer tipo de exploração, de preferência em lei especial, com foco na proteção da dignidade da pessoa humana e adequada reprimenda, que abranja indenização, atenção e proteção às vítimas, desde o depoimento sem dano, perdimento de bens dos condenados e sua inclusão em cadastros negativos, dentre outras medidas repressivas; a inserção de conteúdos de direitos humanos nas escolas, especialmente no ensino fundamental, incluindo formação dos educadores, para tratamento de crimes contra a dignidade da pessoa humana; oferta de educação em tempo integral e profissional, em especial, para as pessoas em condição de vulnerabilidade social e econômica; a realização de campanhas informativas e preventivas, com divulgação nos diversos meios de comunicação, para o público em geral, mas com foco principal nas famílias; o estabelecimento de parcerias entre o Estado e a sociedade civil, para formação e capacitação sobre tráfico humano de conselheiros tutelares, policiais, membros do Judiciário e Ministério Público, das lideranças comunitárias, profissionais da área de saúde e assistência social, dentre outros; combate às causas do crime, como a má distribuição de renda, o desenvolvimento assimétrico entre os países, a desigualdade de gênero e de raça e consequente falta de oportunidades; e a redução da demanda por produtos e serviços produzidos por pessoas escravizadas.


Comprometidos com essas propostas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), juntamente com inúmeros órgãos e entidades parceiras, em ação coordenada, promovem o Simpósio Internacional para o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que pretende reunir em Goiânia (GO), nos dias 14 e 15, no auditório da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), autoridades internacionais e brasileiras envolvidas às vítimas do tráfico de pessoas. Como ação preventiva, por meio da discussão de temas específicos entre os agentes que lidam com este problema, pretende-se sensibilizar a população sobre a gravidade deste crime que agride e envergonha a humanidade. (Mais informações: www.traficodepessoas.org)