O artigo feito pelo juiz Mateus Milhomem descreve o que ocorreu durante o seminário sobre Direitos Humanos em Ottawa. Como foram discutidos vários temas, o magistrado dividiu os assuntos. Aqui, Milhomem fala sobre o direito de voto dos presos no Canadá, povos autóctones canadenses e o sistema penal.
Leia abaixo o texto:
Em 15 de setembro de 2010, após viagem de trem a partir de Montreal, onde se via a fartura dos campos de milho e cereais diversos da zona rural canadense, os juízes brasileiros foram imediatamente encaminhados para a Universidade de Ottawa, onde aconteceu, a partir do entardecer, interessante seminário sobre Direitos Humanos. Com várias palestras em português (existem respeitadíssimos brasileiros que lá lecionam), ao lado do francês e do inglês, e calorosa recepção em modernas instalações educacionais, foram discutidos temas polêmicos, que são trazidos em capítulos:
I.DIREITO DE VOTO DOS PRESOS NO CANADÁ, Pierre LANDREVILLE, Departamento de Criminologia da Universidade de Montreal - Após anos de controvérsias e discussões constitucionais, hoje os encarcerados canadenses tem assegurado o direito ao voto. Se no passado o critério da pena maior de dois anos para a suspensão do direito ao voto era admitido no Canadá, hoje a Corte Superior firmou entendimento no sentido de que os valores democráticos são superiores aos princípios punitivos. As votações são feitas dentro das instalações prisionais, após recenseamento, mas admite-se o voto por procuração (que alguns consideram estigmatizante para o procurador e difícil para o reeducando, pois cabe a ele encontrar a pessoa que aceite o encargo) e também o voto por antecipação, feito pelo correio. Em média, um terço dos presos canadenses exerce seu direito ao voto. Perguntado o palestrante se a manutenção dos direitos políticos dos encarcerados também contemplava o direito de ser votado, disse que esta questão ainda não foi enfrentada pela Suprema Corte.
II. POVOS AUTÓCTONES CANADENSES E O SISTEMA PENAL, Sébastien GRAMMOND, Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Ottawa - Embora os povos indígenas sejam 3% da população canadense, está sobre-representado nas prisões com 18% da população carcerária, o que pode chegar a 75% em algumas regiões do oeste. Existe uma política em curso para corrigir esta distorção, considerando que a reação ao crime é diferente nos povos autóctones do que na sociedade ocidental, além de ser a prisão uma instituição estrangeira aos costumes indígenas, e suas famílias e os próprios condenados não entenderem muito bem a necessidade do encarceramento quando a situação já foi resolvida pelos usos tribais. Os costumes tribais são diferentes a ponto de os autóctones terem como regra de convivência não olhar nos olhos enquanto conversam, e para os ocidentais isto seria sinal de falta de sinceridade. Sendo assim, a Corte Suprema privilegia as penas substitutivas para povos autóctones (Julgamento Gladue, 1999), onde a justiça repressiva é substituída pela justiça restaurativa.
O divisor de águas nesta questão, o Julgamento Gladue, estabeleceu que o juiz deve levar em conta fatores sócio-históricos que explicam o crime e a concepção diferente da pena, e deve tomar conhecimento de ofício desses fatores ou obter provas sobre essa questão. Como conseqüências deste julgamento, implementou-se uma divisão penal para os autóctones em Toronto, com penas reduzidas ou adaptadas (exemplo banimento e trabalhos comunitários). Para crimes graves frequentemente aplica-se a mesma pena que para os ocidentais. A Corte estabeleceu que as penas indígenas não são menos severas, são apenas diferentes, criando ainda os círculos de determinação da pena, com a participação do próprio povo autóctone, visando aconselhar o juiz quanto aos valores autóctones. Embora existam policiais autóctones, praticamente inexistem juízes, justamente pela deficiência educacional que afeta a população indígena.