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Norma do CNJ sobre solução de conflitos completa 5 anos com saldo positivo

Doutor em Direito, Kazuo Watanabe Doutor em Direito, Kazuo Watanabe

Doutor em Direito e professor da Universidade de São Paulo Kazuo Watanabe lembra o momento histórico da criação da Resolução 125, avalia os avanços proporcionados para a Justiça brasileira e sugere soluções para enfrentar os desafios ainda postos


Neste mês de novembro a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instituiu a política nacional de solução de conflitos, completa cinco anos. O documento é considerado um marco no impulso à prática da conciliação e mediação no Judiciário brasileiro, com a consolidação das conquistas até então obtidas, como a criação dos Juizados de Pequenas Causas e da Ação Coletiva, o movimento pela maior instrumentalidade substancial do Direito Processual e a criação de uma semana nacional anual de conciliação em todo o país.


Com a Resolução 125, instituída em 2010, a conciliação começou a ser vista não como uma prática de exceção, mas como um mecanismo que deve fazer parte da rotina dos tribunais brasileiros, por meio da implantação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e de Cidadania (Cejusc), determinada pelo ato normativo. Com o Cejusc, qualquer cidadão que queira conciliar pode, em qualquer tempo, fazer o acordo.


Outro avanço proporcionado pela Resolução 125 é a necessidade de capacitação de conciliadores e mediadores por meio de critérios mínimos como a formação em cursos ministrados pelos tribunais, a reciclagem permanente e a avaliação do usuário. O ato do CNJ criou, inclusive, o Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais, que trata dos princípios e garantias, das regras que regem os procedimentos e das responsabilidades dos conciliadores e mediadores no Brasil.


Ao longo desta semana, a Agência CNJ de Notícias publicará uma série de matérias e entrevistas de magistrados e especialistas que participaram da implantação e vêm atuando na consolidação da Resolução 125, além de relatar histórias de conflitos pessoais e financeiros solucionados por meio da conciliação e mediação.


Nesta primeira entrevista, o Doutor em Direito e professor da Universidade de São Paulo Kazuo Watanabe lembra o momento histórico da criação da Resolução 125, avalia os avanços proporcionados para a Justiça brasileira e sugere soluções para enfrentar os desafios ainda postos.


Qual era o cenário do Judiciário brasileiro quando foi criada a Resolução 125?

É necessário deixar bem ressaltado que a Resolução 125 é fruto da somatória de esforços individuais e coletivos, de tribunais, juízes e demais operadores do Direito, ao longo da história do Brasil, em especial após a grande transformação do direito processual brasileiro na década de 80, quando tivemos a criação dos Juizados de Pequenas Causas e da Ação Coletiva, e o movimento pela maior instrumentalidade substancial do Direito Processual. A Lei das Pequenas Causas, de 1984, adotou o princípio da prioridade das soluções amigáveis dos conflitos de interesses, elegendo a conciliação como um dos instrumentos do próprio Judiciário para o cumprimento de suas atribuições, inclusive a de pacificação social. Vários tribunais e seus juízes passaram a organizar os Setores de Conciliação, em Primeiro e Segundo graus, culminando com a criação do “Movimento pela Conciliação”, em 2006, pelo Conselho Nacional de Justiça.


Qual era intenção com a Resolução 125?

O que a Resolução 125 fez foi consolidar todas as conquistas até então obtidas, instituindo uma política judiciária de tratamento adequado dos conflitos de interesses, de observância obrigatória por todos os órgãos do Judiciário nacional. O que era facultativo, em termos de organização e oferta de serviços de conciliação, passou a ser obrigatório. Mais do que isto, os serviços ofertados teriam que ter qualidade, com sua prestação por pessoas capacitadas, treinadas e aperfeiçoadas constantemente. E os serviços deveriam ser prestados em um Centro de Solução de Conflitos e de Cidadania (Cejusc) todos os dias e em caráter permanente e não de modo episódico, em algumas sessões periódicas. Adotou-se o critério de centralização dos serviços de conciliação para assegurar a permanência e o aperfeiçoamento constante dos serviços ofertados. Além da resolução dos conflitos, um outro serviço a ser ofertado pelo Cejusc, por meio do seu Setor de Cidadania, é o de orientação e informação dos jurisdicionados em suas dúvidas e problemas jurídicos e não, necessariamente, em situação de conflito, atendendo-se à realidade de nosso país de desorientação e perplexidade de nossa população diante da multiplicidade e complexidade cada vez maior de nosso ordenamento jurídico. Atendeu-se, com essa concepção, à necessidade de ofertar aos jurisdicionados o acesso à ordem jurídica justa, e não apenas o acesso aos órgãos judiciários.


A Resolução 125 vem cumprindo seu papel?

A meu ver muita coisa mudou para melhor após a Resolução 125. Houve capacitação e treinamento de mediadores e conciliadores em vários estados. Sinto, porém, que vários deles vêm enfrentando dificuldades em sua implementação, principalmente na formação do quadro de mediadores e conciliadores, de sua remuneração e, principalmente, na criação dos Centros de Resolução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), que será de fundamental importância para a correta aplicação do novo Código de Processo Civil, na parte que privilegia a mediação e a conciliação.


O que mudou no Poder Judiciário com a Resolução 125?

A transformação ainda está em processamento. Mas, quando se aperfeiçoar a completa e correta implementação da política pública instituída pela Resolução 125, teremos, com toda a certeza, a grande transformação cultural do nosso país, da “cultura da sentença”, do litígio, para a “cultura da paz”, da solução amigável dos conflitos de interesses. Para que isto ocorra, porém, é necessário que os juízes, advogados, promotores de justiça, defensores públicos e todos os demais operadores do direito, assim como todos os segmentos de nossa sociedade, envolvam-se nessa grande luta pela transformação de nossa Justiça. Sente-se, hoje, a grande preocupação dos dirigentes de nossos tribunais em privilegiar a conciliação nos conflitos já judicializados e também em evitar a judicialização dos conflitos, prestigiando as soluções amigáveis dos conflitos na fase pré-processual. Constitui esse movimento, de extrema relevância no tratamento dos conflitos, sem dúvida alguma, uma consequência direta da política judiciária instituída pela Resolução 125.


O que ainda precisa mudar?

Alguns estados estão enfrentando dificuldades na implementação da Resolução 125, principalmente, na criação dos Centros de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc). Estão já vencidos todos os prazos previstos na Resolução 125. O CNJ precisaria criar um setor específico, de caráter permanente, desvinculado do mandato dos conselheiros encarregados pelo Setor de Conciliação, para fiscalizar, avaliar e, principalmente, para auxiliar os estados que estejam tendo dificuldades na implementação da Resolução 125. A instalação dos mencionados Cejuscs exige recursos materiais e muita criatividade, como parceria com municipalidades, universidades e outras instituições públicas e privadas, em razão da inexistência de recursos materiais e financeiros públicos. E alguns estados, com dificuldades maiores, que não estão conseguindo dar cumprimento integral à Resolução 125, precisam receber do CNJ não somente cobrança, se necessário, como também orientação e apoio necessários.


Na sua avaliação, qual o futuro da conciliação no Brasil?

Temos hoje o marco regulatório da mediação. Além da Resolução 125, do CNJ, tivemos a aprovação, em junho deste ano, da Lei 13.140, que dispõe sobre a mediação entre particulares e a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública. E tivemos, também, a aprovação do novo Código de Processo Civil, que privilegia a mediação e a conciliação na área judiciária. Assim, as condições são inteiramente favoráveis para a consolidação da conciliação no Brasil. O cuidado que teremos de ter é não repetir os erros cometidos no passado. Tivemos em nossa primeira Carta Política, de 1824, a mais abrangente e generosa política pública de tratamento dos conflitos de interesses, com a obrigatoriedade de conciliação antes do ingresso em juízo, criando-se para isso a figura de Juiz de Paz. Mas, a utilização política que dela fizeram os políticos da época, não permitiu que se criasse em nosso país a cultura da mediação e determinou, ao invés disso, sua completa eliminação do nosso sistema jurídico. Agora, com todos os marcos regulatórios mencionados, não podemos repetir os erros do passado. Devemos impedir o uso político da conciliação, de qualquer natureza e espécie, seja dentro ou fora do Judiciário, zelando para que a cultura da solução amigável dos conflitos de interesses se implemente de modo correto e definitivamente, no âmbito da Justiça e também em toda a sociedade brasileira.


Fonte: Waleiska Fernandes | Agência CNJ de Notícias