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Professor em Harvard, Fernando Delgado comenta a importância dos Direitos Humanos na magistratura



Advogado Fernando Delgado. Foto: Dana Smith Advogado Fernando Delgado. Foto: Dana Smith

Fernando Delgado, advogado e professor na Faculdade de Direito de Harvard (EUA), será o palestrante na primeira turma do curso de Direitos Humanos da ENM/AMB, que acontecerá entre os dias 14 e 17 de março, na Escola da Magistratura do Estado de Rondônia (Emeron), em Porto Velho.





Em entrevista, ele abordou alguns temas que trabalhará no curso e contou um pouco da sua trajetória profissional e de sua visão sobre a importância dos Direitos Humanos na magistratura.


Sob coordenação do juiz Edinaldo César Santos Júnior, o curso tem como objetivo instrumentalizar os magistrados brasileiros com doutrina, normas e jurisprudências do Sistema Internacional de Direitos Humanos, que trata de importantes assuntos como o combate à tortura, à violência racial e de gênero. A capacitação terá 40 vagas e o prazo de inscrição vai até o dia 29 de fevereiro, no site da ENM/AMB.


Confira abaixo a entrevista:


O que o senhor irá abordar no curso de Direitos Humanos da AMB?


O curso tratará da relação entre o sistema interamericano de Direitos Humanos e o Poder Judiciário brasileiro, enfatizando temas de justiça penal. Conversaremos primeiro sobre proteções interamericanas à independência judicial. Trabalharemos também a questão do controle de convencionalidade, ou seja, o dever dos tribunais domésticos aplicarem os tratados interamericanos de Direitos Humanos. Em seguida, vamos abordar temas pontuais, como a audiência de custódia, discutindo as normas internacionais aplicáveis sobre pessoas privadas de liberdade e segurança cidadã. A ideia é criar um clima dinâmico e participativo, havendo espaço para debate e troca de experiências sobre exemplos concretos e comparativos em sessão de estudo de casos. Tudo isso esperamos contextualizar nas experiências de anos de advocacia em Direitos Humanos por parte da Clínica Internacional de Direitos Humanos da Harvard e da Justiça Global perante a OEA e ONU. Pretendo oferecer um olhar sistêmico sobre os desafios enfrentados no Brasil no âmbito da justiça penal, a partir do histórico, em sua maior parte negativo, trilhado pelos Estados Unidos, e que hoje tenta enfrentar um problema imenso de encarceramento em massa e as mazelas resultantes em suas instituições de direito e em sua sociedade.


Conte-nos um pouco da sua trajetória profissional até sua chegada em Harvard e em que área atua no momento. 


Tive a boa sorte de contar com muitas pessoas na minha vida que me sensibilizaram a querer trabalhar em favor da justiça, desde meus pais a professores marcantes. Mudei do Brasil ainda bem criança, mas mantive minhas raízes, minha mãe me alfabetizando em português em casa quando chegamos como imigrantes em Nova Iorque. Nunca larguei essa conexão, e durante meus estudos na Universidade de Princeton procurei realizar uma pesquisa na Bahia, terra da minha mãe, junto ao Projeto Axé, uma entidade de arte-educação direcionada a jovens que trabalham ou vivem nas ruas de Salvador. Foi uma aprendizagem profunda e decisiva sobre a desigualdade. Tive a chance após a faculdade de trabalhar com a Human Rights Watch, pesquisando o sistema sócio-educativo do Rio de Janeiro. A decisão de fazer a pós-graduação em Direito em Harvard veio das frustrações ao me deparar com portas literalmente fechadas a defensores de direitos humanos nos degradantes centros de internação. Pensei, então, que seria mais útil como advogado. Chegando em Harvard, era um dos poucos estudantes fluentes em português e tive a sorte de ser convidado pelo professor James Cavallaro a trabalhar no caso Ximenes Lopes, que terminou sendo um marco histórico na jurisprudência sobre direitos de pessoas com transtorno mental, além de ser a primeira sentença sobre o Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos.  Também tive a grande oportunidade de trabalhar sob orientação da socióloga Sandra Carvalho na Justiça Global, entidade com qual mantenho uma forte parceria até hoje.  Voltei depois a ensinar na Faculdade de Direito de Harvard, onde há vários anos desenvolvo cursos, casos e pesquisas na junção dos Direitos Humanos com a justiça penal.


Qual a importância dos Direitos Humanos para a magistratura brasileira? Ainda estamos defasados nesta temática?


Vejo a importância dos Direitos Humanos à magistratura se estendendo desde a proteção que eles oferecerem aos juízes até as ferramentas que lhes fornecem, e os orientam, na construção da justiça. Os Direitos Humanos formam parte fundamental do tecido indivisível utilizado para costurar a legitimidade do Estado. São transversais a todas as questões jurídicas. Não diria que haja uma defasagem em matéria de Direitos Humanos no judiciário brasileiro, mas sim um percurso longo e incerto. O judiciário brasileiro serve como exemplo em certas matérias de direitos humanos e como advertência em outras. Como fortalecer o respeito aos direitos humanos no sistema de justiça?


Qual a sua avaliação da situação brasileira em relação aos Direitos Humanos? 


Apesar dos muitos avanços das últimas décadas, em geral confesso que enxergo um grau de frequência de violação dos Direitos Humanos, que vejo como bastante cruel, desigual e repleto de desafios. Ainda mais preocupante, diante de diversas falhas institucionais que ajudam gerar, por exemplo, altos índices de crime, Direitos Humanos são vistos por muitos como dispensáveis ou até indesejáveis. Porém, se o desrespeito aos Direitos Humanos fomentasse a segurança, a tremenda desumanidade do atual sistema prisional brasileiro já teria produzido esse resultado. O oposto tem sido a verdade. Alimenta-se um ciclo de violência. Contudo, tento adotar o otimismo pragmático. Existem tantas iniciativas boas e melhoras conquistadas no Brasil que, mesmo que para se realizar a justiça seja preciso um enorme esforço concentrado, compromissado e perseverante por parte não só do judiciário, como toda a sociedade, acredito nessa possibilidade.


Fonte: ENM