Depois de 180 dias ininterruptos dedicados à atualização e modernização do Código Civil, a comissão de juristas formada pelo presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, para propor o texto da reforma da norma - e a qual integro com muita honra - concluiu seus trabalhos na primeira semana de abril de 2024.
Foram seis meses em que nos consagramos a compreender as múltiplas transformações pelas quais passou e tem passado a nossa sociedade, e que buscamos ampará-las em lei de forma justa, igualitária, em comunhão com a nossa Carta Magna. Seis meses de intensos estudos, debates, discussões, de escuta, de fala, de projeções. Seis meses em que pensamos dia e noite no presente e futuro da nossa sociedade, e que sentimos a honra e o peso de representá-la, atender aos seus anseios e desenhar seu horizonte.
Nesse período, nos reunimos em encontros, audiências públicas e recebemos 280 sugestões da sociedade. E, já de início, alcançamos um feito histórico: pela primeira vez, juristas mulheres participaram da elaboração do Código Civil.
É preciso ressaltar que a norma vigente começou a ser elaborada no final da década de 1960, ou seja, já se passaram 50 anos, se contarmos o tempo de tramitação e aprovação. De lá pra cá, vivenciamos transformações que talvez nem imaginássemos.
Tínhamos uma sociedade brasileira muito diferente do que temos hoje. Uma sociedade que experimentava o advento da internet e hoje lida diariamente com a Inteligência Artificial, para citarmos apenas uma das grandes mudanças. Portanto, faz-se extremamente necessário regulamentar tais transformações e, como bem pontuou o ministro Luis Felipe Salomão (STJ), presidente da comissão, o objetivo é igualar o país às legislações mais modernas do mundo.
Nessa busca, tratamos da regulamentação da inteligência artificial, dos contratos e assinaturas digitais, do direito digital à intimidade; do novo conceito de família, para incluir vínculos não conjugais, que passam a se chamar parentais; da liberdade de expressão, patrimônio e herança digital, proteção à criança; do direito dos animais. E, particularmente, coube a mim o desafio de integrar a subcomissão encarregada do eixo responsabilidade civil, movida pelo pensamento de que, se o que pretendemos é conceder segurança jurídica, o primeiro passo consiste em oferecer critérios objetivos e claros para a contenção de ilícitos e reparação de danos.
Na segunda quinzena de abril, o Senado Federal começa a discutir o anteprojeto de atualização do Código Civil. Sabemos que ainda temos muito a caminhar, e que o trajeto tem sido árduo, porque toda mudança requer aceitação e acolhimento por parte da sociedade, que é por quem trabalhamos.
No entanto, como bem entoou Milton Nascimento, “há que se cuidar do broto pra que a vida nos dê flor e fruto”. Há que se amparar a sociedade do presente e do futuro.
Patrícia Carrijo é juíza, presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) e vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
"Estas figuras todas que aparecem, Bravos em vista e feros nos aspeitos, Mais bravos e mais feros se conhecem, Pela fama, nas obras e nos feitos.Antigos são, mas inda resplandecemCo nome, entre os engenhos mais perfeitos.Este que vês, é Luso, donde a Fama O nosso Reino “Lusitânia” chama."(Camões)
Portugal foi protagonista do mercantilismo, que perdurou dos séculos 15 ao 18 e lhe rendeu riquezas e prestígio mundial. Mas a maior joia produzida graças a esse período, pode-se afirmar, sem medo de errar, ser a obra Os Lusíadas. E seus dez cantos são conhecidos não só pelos caminhos por onde o país desbravou e explorou, mas por todos os cantos habitáveis do planeta.
E Portugal figura entre os países mais bem organizados no quesito sistema de Justiça. Participei, em Lisboa, do Encontro Internacional de Magistrados sobre Associativismo e Poder Judiciário. Foi um momento muito importante para troca de experiências de sucesso e de fortalecimento da interlocução com os operadores da Justiça portuguesa, bem como com as diretorias de associações de magistrados brasileiros e de Portugal.
Entre as obras e feitos em benefício da sociedade, o Executivo português participa, por exemplo, do custeio do Judiciário, com disposição de servidores e manutenção de prédios, fazendo com que, assim, o acesso seja mais barato para a população. Diferentemente daqui, onde tudo fica a cargo do próprio Poder.
E lá a magistratura se resplandece. Os salários são bem mais altos que os dos brasileiros. Um ministro da Corte Constitucional tem, nos vencimentos, aproximadamente R$ 100 mil mensais. Bem distante da remuneração que percebe cada magistrado brasileiro e que, infelizmente, por desconhecimento ou maledicência, é divulgada de forma errada em matérias tendenciosas que teimam em somar o vencimento mensal com os direitos adquiridos recebidos acumuladamente.
Esse erro é ainda mais grave quando se coloca na conta do Poder Judiciário o custeio de instituições como Ministério Público e Defensoria Pública, que têm orçamentos próprios.
Outro dado interessante, com os engenhos mais perfeitos, e que nos coloca em desvantagem, é que são aproximadamente 2,3 mil magistrados em Portugal (10,3 milhões de habitantes), ante cerca de 17 mil, no Brasil (que tem 219 milhões de habitantes), ou seja, são 4,4 mil e 12,8 mil habitantes por juiz, respectivamente.
E esta, que vês e vos escreve, faz questão de chamar atenção para que o volume de processos em tramitação no país lusitano, e a consequente carga de trabalho dos magistrados portugueses, é infinitamente menor do que ocorre no Brasil. Ao tempo em que, há pouco, o desembargador Nuno Matos foi eleito presidente da associação sindical de juízes do país com o compromisso, dentre outros, de promover “acesso efetivo à medicina do trabalho, protegendo-se os juízes dos riscos para a sua saúde e segurança associados à função que desempenham, nomeadamente ‘stress’ e ‘burnout’”.
Um país evoluído preza por seus magistrados e os valoriza. O Reino “Lusitânia” nos chama.
Patrícia Carrijo é juíza, presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) e vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Neste mês do Dia Internacional da Mulher fizemos na Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) mais uma ação pioneira e de vasto alcance em defesa da magistratura. Desta vez, voltada à mulher magistrada. Em uma série de vídeos, elas relataram os desafios enfrentados no âmbito do Judiciário e na sociedade em geral. Foram contadas histórias por quem está há mais de dez, 20 e até 30 anos no dia a dia da magistratura.
Delas ouvimos os preconceitos enfrentados no início da carreira — e também no decorrer dela — bem como as dificuldades de conciliar carreira e vida pessoal feminina, além da disparidade do número de homens e mulheres que ingressavam na magistratura, fazendo, assim, menor a rede de apoio oferecida a elas — hoje, felizmente, esse número já está equiparado. Mas todas cumpriram com seu ofício, sem esmorecer, assim como outras milhões de trabalhadoras deste nosso país.
Foi relatado, por exemplo, que em júris de casos de assassinato, a magistrada, ali diante dos familiares da vítima morta de forma brutal, disse ter tido de segurar o choro e tirar de todas as forças a firmeza, para não demonstrar fraqueza frente ao tribunal lotado. Se um juiz chora, é notícia positiva: é humano, sensível, mas se for uma juíza, é fraca, incapaz, despreparada e outros termos pejorativos.
Uma outra, titular da Vara de Execução Penal, visitava costumeiramente um presídio com mais de 6 mil detentos. Coragem? Não. Como ela mesma disse: “É o exercício da profissão. Se eu tenho que fazer, eu vou fazer.”
Tem ainda as juízas em início de carreira. Nesse quesito, a sociedade machista e patriarcal acha até na pouca idade mais um defeito para imputar à mulher. Colegas relataram dificuldade de serem respeitadas por advogados homens. Ali, não eram suficientes a formação e aprovação no concurso para magistrada. Passei por isso até mesmo quando me candidatei à Presidência da Asmego, pois a associação já contava 52 anos de existência, e nunca uma mulher havia ocupado o cargo de presidente. A mulher magistrada precisa demonstrar e reafirmar diariamente sua capacidade e conhecimento jurídico.
O positivo é que a paga é feita com trabalho. E com resultados eficazes para os jurisdicionados e para a sociedade como um todo. Apesar de que, fora deste trabalho, a mulher magistrada quase sempre tem de se dividir — além da busca pelo empoderamento dispensada aos homens — com o cuidado com a família e criação e educação de filhos. Ou seja, o fato de ser mulher já nos impõe mais tarefas obrigatórias.
Tudo isso corrobora veladamente para que menos mulheres se inscrevam nos concursos da magistratura, e para que as já magistradas ascendam a cargos mais altos e passem a compor órgãos superiores de gestão na maioria dos tribunais — bem lá onde a maioria dos eleitores é formada por homens. Essa é a realidade nos tribunais superiores. Mas uma realidade indesejada e que vem sendo superada, pois recentemente muitos nomes garantiram essas conquistas.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo, tem se mostrado à frente desta luta, e as mulheres têm sido reconhecidas pelo merecimento profissional para cargos de destaque.
E que bom que, no longo capítulo das mulheres, as magistradas atuam incessantemente em defesa de todas nós. São vários os projetos criados por mulheres que impactam fortemente na garantia dos nossos direitos. A saber: Protocolo Sinal Vermelho, da ex-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Renata Gil; Lei Maria da Penha na Escola da desembargadora Sandra Regina (TJGO); Gibi Maria da Penha Vai à Escola, da Maria Isabel (TJDF).
Como se consta, as magistradas são mulheres que quebram barreiras diárias, promovendo justiça e inspirando futuras gerações. Que nossa dedicação e sabedoria continuem a moldar um sistema judicial mais inclusivo e igualitário. Juntas, somos fortes e imparáveis.
Patrícia Carrijo é juíza, presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) e vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Relatório divulgado pelo Tesouro Nacional, que compara com outros 50 os valores destinados pelo nosso país ao Judiciário, deu margem a críticas semeadas contra o Poder responsável por resguardar a democracia no nosso país.
O relatório pode até ser justo, se se olhar pelo horizonte dos direitos às liberdades, garantidos pela Constituição e assegurados pelo próprio Poder. No entanto, injusto pelo viés perseguidor aos trabalhadores daquele que é o pilar da Justiça.
O que se investe para sustentar esse pilar passa, maldosamente, a ser tachado de “gasto”. Enxerga-se nisso um evidente sinal de que utilizam apenas recortes da realidade com o rasteiro objetivo de “provar” que no Brasil — o sétimo país mais populoso e, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com mais de 30 milhões de processos novos a cada ano — se “gasta mais com o sistema de Justiça do que a média dos demais analisados.
Incrivelmente, usam a gasta artimanha de extrair dados selecionados para as comparações, no estilo “este nos serve” e “este, não”. E é uma chuva delas, que cai em solo fértil das estatísticas, porcentagens, médias e muito mais-ou-menos até chegar perante os pés e olhar lá tão alto o impressionante Produto Interno Bruto (PIB) para ser ele o referencial do cotejo. E cultivam ali os exageros, pois sem eles pode não haver plateia. E, ainda, porque, na era digital, nas críticas em que se dissimula, e se simula, se critica ainda mais.
Que a transparência é um dever dos órgão públicos, e o acesso à informação um direito da sociedade, é indiscutível. Na construção dessa ponte a mídia é peça fundamental, mas a mesma não pode servir de passagem para qualquer que seja a interferência que escancare a porteira libertadora das ideologias pessoais. Mas a excessão tem se tornado ato costumeiro. Infelizmente.
Para solucionar os mais de 30 milhões de processos, fazem-se necessários investimentos em infraestrutura no trabalho humano. E o Judiciário responde com trabalho prestado à sociedade, às vezes em volume sobre-humano, sendo o prazer do beneficiador muitas vezes maior que o do beneficiado. Os resultados são a qualidade de excelência muito bem auferidas pelo CNJ, que avalia periodicamente os tribunais do país. Por isso, exige-se investimentos, visto que seria injusto a paga ser em bronze pelo que se recebe com selos prata, ouro ou diamante.
Patrícia Carrijo é juíza, presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) e vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Quando eu era criança, os adultos me contavam a história de um grupo de pessoas vítimas de um acidente de avião que caiu na neve, e que foram obrigadas, após a escassez de todos os recursos, a comer carne humana para sobreviver até que se chegasse o resgate. Lembro-me de, em algumas dessas vezes, algum deles fazer a observação de que os sobreviventes tiveram de responder a processo judicial, porque “comer carne de gente, além de pecado, é crime”.
O recorte que eles usavam para entreter as crianças era da verídica história das 45 pessoas que partiram de Montevidéu, no Uruguai, a maioria jovens de um time de rúgbi, para disputar uma partida no Chile, em 1972. No caminho, o mau tempo fez com que a aeronave se chocasse com uma montanha e caísse no Vale de Las Lágrimas, na Cordilheira dos Andes. Dezesseis morreram com o impacto, e os sobreviventes tiveram de enfrentar, por mais de 70 dias, dentre outras dificuldades, frio de até 30º negativos.
Saindo da adolescência, tive contato, na faculdade de Direito, com o texto proposto pelo professor Lon L. Fuller, da Universidade de Harvard: “O Caso dos Exploradores de Cavernas”.
Nessa história, exploradores de caverna ficam presos em uma delas e, diante da impossibilidade de rápido resgate, decidem pelo jogo de dados qual deles seria morto para servir de alimento aos demais. Assim se procedeu e, após o resgate, os vencedores e sobreviventes foram processados. Aí sucedem-se as defesas e acusações, que geraram textos ricos objetos de estudo.
Arte e magistraturaSão exemplos, o primeiro verdadeiro e o segundo, fictício, de quão melindrosos podem ser os litígios que chegam aos tribunais, e aos quais juízes e desembargadores estão sujeitos a se deparar. Como expliquei, começamos a aprender a diferenciar, já na faculdade, e a não confundir o Direito com a lei, e nem esta com a Justiça. Se se cai nesse limbo, certamente se gerará uma bola de neve de decisões medíocres.
Humanizar o jurisdicionado (e o magistrado)É ofício do magistrado observar humanamente o jurisdicionado, mas sem se atrever a fazer justiça, pois nosso dever é aplicar a lei sob uma Justiça vendada, mas não imóvel, e sim sempre pronta para se defender; e estarmos conscientes de que o direito nem sempre estará expressamente contido na letra da lei, sendo necessário ir buscá-lo na analogia, nos costumes, nas jurisprudências, nas doutrinas, súmulas.
Por isso, necessitamos que haja também um olhar humano para os magistrados, que são a ponta das decisões, que devem ser, indiscutivelmente, de qualidade. Não somos máquina, nem podemos trabalhar com a exatidão das máquinas, das fórmulas, dos scripts, dos código-fontes, dos algoritmos, nem com a predominância da inteligência artificial, a exemplo do Chat GPT.
O sistema de Justiça e a sociedade que o busca clamam por criação de mais unidades judiciais, uma das soluções para a celeridade das resoluções dos processos, pois lá serão desovados, e, ainda, a realização de concurso público.
Saúde mentalAo mesmo tempo, metas criadas geram competições por alcance de selos, números. E tudo isso abala nossa saúde física e mental. É de grande importância o controle de números por órgãos correcionais, mas, em tempos de inteligência artificial para gerar demandas predatórias, inúmeros sistemas, atividades administrativas, cobrança por capacitação jurídica e busca por premiações objetivadas pelos tribunais de Justiça, esse controle não pode implicar em cobranças excessivas àqueles que trabalham diariamente por decisões que jamais devem perder, mas sim melhorar, dia a dia, a qualidade: desembargadores, juízes, assistentes e demais servidores do sistema de Justiça.
Patrícia Carrijo
é juíza, presidente da Asmego (Associação dos Magistrados de Goiás) e vice-presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).
“Da prolixidade costuma gerar-se o fastio”, muito bem grafou Miguel de Cervantes na sua extensa e mais famosa obra. Desviarei, nas andanças por essas linhas, de caminhos que por ventura levem a rifões semelhantes aos incontáveis ditos pelo fiel escudeiro Sancho Pança durante as aventuras ao lado de seu amo Dom Quixote. Mas, se novamente me permitem: “A persistência é o caminho do êxito” — Charles Chaplin.
E volto a persistir, ao escrever sobre a necessidade de aprovação urgente da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 10/23), que trata da Valorização por Tempo na Magistratura (VTM). É sabido que ela corrigirá distorções remuneratórias, e concederá aos aposentados a paridade constitucional. Além disso, poderá ser uma das iniciativas essenciais de reparação e de reestruturação da carreira, e mecanismo de impedimento de perdas de quadros qualificados para outras do setor público ou da iniciativa privada, como, inevitavelmente, tem ocorrido nas últimas décadas.
No tocante ao magistrado em si, é a garantia de uma de suas prerrogativas, um direito legítimo ao qual todo trabalhador deve ter acesso; enfim, a VTM é o reconhecimento ao crescimento e à dedicação profissional. É por ações como esta que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e as afiliadas, a exemplo da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), têm trabalhado. Devemos manter a magistratura no topo das carreiras que despertam nos jovens e nos mais experientes operadores do Direito o interesse de optarem por ela como a definitiva para a vida profissional. A garantia de progressão colabora sobremaneira e pode ser determinante para essa decisão, visto que a carreira exige dedicação exclusiva, devido às imposições da Constituição Federal a seus membros.
A PEC, que contempla ainda membros do Ministério Público, é de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que apresentou o texto no início do ano passado, em substituição à PEC 63/2013, arquivada em definitivo em virtude do encerramento da legislatura. O senador tem destacado o temor de que a evasão e a falta de atrativos para os bons quadros na magistratura poderá causar no país um caos jurídico, e que o reparo via VTM significa uma forma de não diminuir o volume nem qualidade do serviço público ofertado aos brasileiros.
As associações estão no páreo e auferiram, com seus históricos de busca por soluções para demandas da magistratura, harmonioso relacionamento e abertura para constante diálogo com as casas legislativas e os executivos. Assim faremos durante todo o ano de 2024, e sempre, por esta e outras conquistas, convencidos de que nossos parlamentares seguem, além de muitos outros positivos, um dos princípios de Rosseau, em busca da evolução das relações sociais: “As boas leis permitem que se façam outras melhores; as más conduzem a piores.”
Patrícia Carrijo é juíza, presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) e vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se aposentam neste ano por idade, e mais uma vez os juízes de carreira não têm preferência na indicação e nem sequer porcentagem reservada a eles por lei. Essa é uma demanda da magistratura, e um trabalho que as associações estaduais e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) empreendem há anos. Os ministros são Ricardo Lewandowski, que deixa compulsoriamente o Supremo no mês de maio, e Rosa Weber, em outubro. Ambos completam 75 anos de idade, a máxima para se manter no posto.
Desde o início deste ano, pululam na imprensa e no meio jurídico listas com possíveis nomes para substituí-los. Nos palpites para todos os gostos, observa-se notadamente, e em sua maioria, figuras de destaque em diversas outras carreiras que não a magistratura. Isso é possível porque nossa Constituição exige do indicado, simplesmente, ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade, notável saber jurídico e reputação ilibada.
A história de nosso STF é honrada e construída por personalidades possuidoras de alta qualificação para os cargos que ocuparam ou ocupam nesse órgão que é o topo da Justiça brasileira. Mas sem sombra de dúvidas o saber jurídico demonstrado por todas elas é inerente aos juízes de carreira. Tanto pelo escolhido ofício em si, quanto pela vivência diária possibilitada no desempenho de operadores do direito.
Está na essência dos juízes de carreira, como julgadores, os atributos necessários a desempenhar com maestria o cargo de ministro do STF. É lhes característico o poder de análise do todo, o de sustentar o equilíbrio entre as forças das partes e o de observância dos detalhes. E, certamente, manterão essas qualidades, em seu mais alto grau, também nas causas mais complexas do país.
Se não para em tempo de concorrer para essas duas já previstas, que seja alterado com urgência o Art. 101 da Constituição para que certa porcentagem das 11 vagas de ministros do STF seja exclusiva para juízes de carreira. Atualmente, existem várias propostas de redação, para o modo de escolha, de quem indica ou até para tempo de permanência e de experiência jurídica para se estar apto ao cargo. Nós, juízes de carreira, pleiteamos essa fatia exclusiva para nós.
A luta da magistratura é histórica e será mantida, até que tenhamos para determinada vaga nomes apenas de juízes de carreira — desde nas listas e bolões até à nomeação. Até lá, nos inspiremos na frase de Sêneca, em Cartas a Lucílio, na certeza de que seremos atendidos:
“A glória é a sombra da virtude, e acompanhá-la-á sempre, mesmo se esta não quiser. Mas, assim como a sombra ora precede, ora segue os corpos, a glória às vezes mostra-se visível à nossa frente, outras vezes, vem atrás de nós.”
Patrícia Carrijo é juíza e presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego)
Patrícia Carrijo é juíza, presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego) e vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).
Apesquisa “Perfil da magistratura latino-americana” reafirmou a persistência de antiga preocupação da magistratura brasileira: nosso País é o segundo da América Latina onde os juízes mais sofrem ameaças de morte ou à sua integridade física. Segundo os números, 50% dos magistrados relatam esse tipo de situação; 20% dizem se sentir totalmente seguros; e 15% sentem-se totalmente inseguros.
Como uma das consequências mostradas na consulta, um a cada três juízes brasileiros toma regularmente remédios para controle de estresse, ansiedade ou outra condição de saúde relacionada à atividade jurisdicional. E mais preocupante: 51% do total necessitam de tratamento psicológico ou psicanalítico desde que ingressaram na magistratura.
O levantamento é do Centro de Pesquisas Judiciais da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em parceria com a Federação Latino-Americana de Magistrados (FLAM) e com o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe).
Não à toa, é pleito antigo da AMB o reconhecimento da magistratura como atividade de risco, pois são profissionais que recebem frequentes ameaças ou são até assassinados no exercício da atividade jurisdicional, por estarem na linha de frente de julgamentos e das condenações de réus das áreas criminal, cível e trabalhista. E, muitas vezes, contra grandes organizações criminosas.
No Congresso Nacional tramita proposta normativa para inserir integrantes da magistratura e do Ministério Público nos termos do inciso II, do § 4º, do art. 40 da Constituição. A luta é para que seja reconhecido, na nossa legislação, o exercício dessas carreiras como realmente atividade de risco.
Tentativa semelhante foi frustrada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que indeferiu pedido de antecipação de tutela feito pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), de que a magistratura configura atividade de risco. A decisão foi amparada no argumento de que há magistrados que desenvolvem toda a carreira em áreas de competência de pouco ou nenhum perigo.
Mas, como centelha de esperança, as decisões judiciais são mutáveis e, diante da persistência da atividade judicante demonstrar riscos como difamação, ameaças e até morte, a lei pode evoluir para assegurar aos magistrados, além de liberdade, segurança para trabalhar.
Enquanto aguardamos, medidas podem ser tomadas pelos próprios tribunais ou em parcerias com os demais Poderes. Conforme os próprios magistrados responderam à pesquisa, estão entre as soluções o aperfeiçoamento de tribunais colegiados para os casos mais graves, de modo a evitar que recaia somente sobre um magistrado a responsabilidade pelos casos; blindagem dos veículos oficiais; escoltas armadas e mudanças das sedes dos tribunais para áreas mais centrais das cidades.
Enquanto magistrada e presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), defendo adoção definitiva e a regulamentação do trabalho híbrido em todos os tribunais, na forma presencial e virtual remoto, aos moldes do que foi adotado durante a pandemia de covid-19. Uma solução que, além de economia, agilidade, dinamismo e maior produtividade, daria maior segurança aos magistrados, por ficarem menos expostos aos perigos enfrentados cotidianamente.
Patrícia Carrijo
Presidente da ASMEGO
Juízes e desembargadores de todo o país elegeram, neste mês de novembro, a nova diretoria da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), entidade que congrega 14 mil magistrados e é a maior do mundo. Pela primeira vez, Goiás ocupa a vice-presidência da insitutição representando por uma juíza.
Fundada em 1949, a AMB tem como deveres a defesa das prerrogativas e direitos dos magistrados, o fortalemcimento do Poder Judiciário e a promoção dos valores do Estado Democrático de Direito. Muito mais do que uma entidade classista, opera em defesa da democracia e carrega, também, a nobre missão atribuída ao Judiciário, de contruibuir para a promoção de uma sociedade mais justal, solidária e igualitária.
Entretanto, dado o contexto pelo qual passa a magistratura nos últimos anos, uma das principais tarefas da AMB tem sido lutar pela valorizaçãod a classe, bem como pela autonomia e independência do Poder Judiciário, que embora asseguradas pela COnstituição da Repúblcia, são ameaçadas constantemente por projetos que tramitam no Congresso Nacional.
São exemplos o projeto que prevê exigência de quarentena de cinco anos para que magistrados possam se candidatar a cargos eleitorais, de modo a igualá-los aos políticos ficha-suja; e a defasagem do subsídio, que se traduz em perdas salariais de 44,7% sobre os ganhos que teve o salário mínimo, nos últimos 15 anos; dentre outras matérias igualmente cerceadoras.
É urgente lutar pelas pautas remuneratórias, por melhorias necessárias na matéria que trata da forma da previdência, e pleo direito do magistrado de julgar em conformidade com a lei. Ainda que sentenças expedidas sejam sempre fundamentadas na Constituição e nas leis de ordenamento jurídico, juízes e desembargadores sofrem constantes ataques, que objetivam desligitimar a liberdade de decisão que lhes é conferida.
Nessa conjuntura, a chapa eleita para gerir a AMB, cujo presidente é o juiz Frederico Mendes (TJ-PR), e a qual tenho a honra de integrar como vice-presidente, tem como propósito trabalhar pela valorização da carreira, pelas eleições diretas para cúpula dos tribunais, reestruturação remuneratória, direitos, prerrogativas e segurança dos magistrados.
Tudo isso com transparência e estreitamento do diálogo com representantes dos poderes das instutições. É preciso avançar nas discussões que afetam diretamente a carreira da magistratura, de modo a assegurar o respeito e fortalemcimento a que a classe faz jus.
E compreender que todo esse caminho garante aquilo que mais buscamos e por que trabalhamos: o aprimoramento da prestação jurisdicional. Ofertar ao cidadão uma Justiça célere e cada vez mais eficiente é a nossa primeira missão.
Patrícia Carrijo é juíza e presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego)
Há pouco mais de um ano, em abril de 2021, entrou em vigor no Brasil a Lei nº 14.132/21, que introduziu, na Parte Especial do Código Penal brasileiro (Capítulo VI, art. 147-A), penas para o crime de perseguição. Na era da Internet, essa prática ficou conhecida como stalking.O termo tem origem na língua inglesa e deriva do verbo stalk (vigiar, espiar, ficar à espreita). Vários casos já foram levados à Justiça com base na mudança legislativa. A modalidade criminosa, nesse caso, é apontada quando alguém (stalker) passa a perseguir outra pessoa obsessivamente, causando à vítima enormes prejuízos, de ordens diversas.Quem já sentiu sua privacidade invadida e sua liberdade restringida por essa prática reiterada sabe o quão nociva ela pode ser. Nos últimos anos, por advogar em muitos casos de divórcio, separações não consensuais, em disputas de guarda de filhos e partilha de bens, várias vezes me deparei com clientes (mulheres, em sua maioria) padecendo desse tipo de perseguição criminosa que causa, quase sempre, danos à integridade psicológica e emocional das vítimas.Mais recentemente, porém, tornei-me eu, também, alvo da prática de stalking, conduta criminosa assumida por um estelionatário. Fui vítima de calúnia, difamação e importunada dezenas de vezes. Tentou-se atingir minha reputação, falsificaram documentos e assinaturas e disseminaram informações falsas entre meus contatos pessoais e de trabalho. Já sob o vigor da nova legislação, obtive rápida resposta do Poder Judiciário, tendo sido, o acusado, condenado.As últimas estatísticas disponíveis apontam para um número de usuários ativos de mídias sociais crescente em todo o mundo. Somos hoje perto de 4,5 bilhões de pessoas conectadas em aplicativos de relacionamento, como o Instagram, Facebook, Twitter, entre outros. A rapidez com que as conexões humanas se dão nesses espaços torna-se instrumento poderoso nas mãos de pessoas que querem praticar esse tipo de crime. A disseminação de notícias falsas (as tenebrosas fake news) pode arruinar reputações, projetos, instituições. É preciso estar atento e forte, combatendo tais práticas, por meio de denúncias formais, e não se curvando, jamais, diante da tentativa do perseguidor de subjugar seu alvo.Maria Luiza Póvoa CruzAdvogada do MLPC e Advogados Associados e juíza aposentada
Os servidores públicos e a maioria das categorias da iniciativa privada lutam constantemente pela paridade dos reajustes de seus vencimentos com os do salário mínimo, referencial no país do que seria justo para corrigir a inflação e garantir que o trabalhador, se não tiver ganho real, pelo menos não acumule perdas salariais no decorrer de sua carreira. Essa reposição deveria ser assegurada a quem ingressou num cargo que lhe remuneraria com um certo poder de compra e que, por direito, seria mantido.O psicólogo Fredrick Herzberg definiu, em sua teoria, os fatores de motivação que incentivam os funcionários a trabalharem mais e, ao mesmo tempo, aumentam a satisfação no trabalho. Dentro das necessidades na área emocional, ele catalogou o trabalho desafiador, o reconhecimento, os relacionamentos e o potencial de crescimento. Nas necessidades mais básicas e tangíveis estão segurança no emprego, salário e benefícios. Quanto à estrutura salarial, esta deve ser apropriada e razoável, e igual e competitiva para aqueles no mesmo nível.No campo constitucional, a não reposição das perdas inflacionárias, como vem acontecendo no serviço público, pode ser considerada uma verdadeira redução dos vencimentos, proibida de forma bem explícita no Art. 37, no inciso X, da Constituição Federal, com a redação: "A revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data".Na magistratura, por exemplo, além dos atrasos, quando os vencimentos são reajustados, os índices ficam bem abaixo da perda inflacionária registrada naquele período. Nos últimos 15 anos, numa análise detalhada, eles acumularam perda de 44,7% se se comparar ao ganho do salário mínimo no mesmo espaço de tempo. Essa injustiça colabora, assim como em outras carreiras, para a evasão de quadros qualificados para atividades da iniciativa privada. Além de ser um desestímulo à atração desses quadros para se repor as perdas de pessoal da magistratura.Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF), na aprovação de sua proposta orçamentária para 2022, excluiu o reajuste salarial para os ministros da Corte. Os vencimentos deles servem de base para os de uma gama de servidores do serviço público, dentre eles a magistratura, tão necessária à sociedade e que, no dia a dia, enfrenta muitas privações inerentes ao cargo, tão relevante e dotado de tamanha responsabilidade para quem o exerce.Num momento de crises sanitária e econômica mundiais, a magistratura não está a exigir ganhos e avanços na carreira, mas se contrapor a medidas de políticas econômicas que aceitam aumento de gastos em áreas como a eleitoral, com ampliação mais que generosa para o Fundo Eleitoral, em detrimento a pagar aos trabalhadores seus direitos assegurados em lei, que colaborariam na recuperação do poder aquisitivo que conquistaram ao ingressar no posto a que se propuseram, repondo as perdas com a inflação. Não se pode ficar à mercê dos governos tomarem a iniciativa dessa recomposição dos subsídios. Muito menos esperar por um cenário em que terão condições ideais para cumprir com o que nos é garantido.A forma como os reajustes são concedidos, atualmente, nos faz lembrar do episódio do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, quando Quincas Borba, em estado de mendicância, surrupia do amigo Brás seu relógio no momento em que o abraça para se despedir e agradecer pela ajuda recebida. Tempos depois, ele restitui ao amigo, nas palavras dele, "não com o mesmo, porém outro, não digo superior, mas igual ao primeiro". A reparação, após a privação do uso do objeto, só foi possível porque o antes mendigo recebera de uns parentes uma volumosa herança inesperada.A continuar no batido do relógio atual, ou na esperança de que recursos inesperados sejam conquistados pelo país para nos atender, em duas décadas os vencimentos dos magistrados descerão para algo próximo ao valor do salário mínimo. Isso para o alto nível de qualificação que nos é exigido. Não paremos no tempo.Patrícia Carrijo - Juíza e presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego)
Em 31 de outubro, estará aberta a disputa pela vaga no STF, quando o decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, se aposentará. A disputa é natural, afinal trata-se do cargo máximo na hierarquia do Poder Judiciário, destinado apenas a 11 brasileiros, em uma população de quase 210 milhões de habitantes.Na atualidade, desses 11 ministros, apenas dois são advindos da magistratura, sendo que hoje somos mais de 15 mil magistrados em todo o Brasil. Ou seja: apenas 20% do STF é oriundo da magistratura.A constatação nos faz refletir sobre o porquê de hoje, na mais alta corte do Brasil, haver apenas dois juízes de carreira entre os seus pares.Afinal, ao magistrado não falta nem conhecimento teórico nem empírico sobre o sistema judiciário brasileiro. Nós, juízes, passamos boa parte das nossas vidas em pequenas ou grandes comarcas, entre diligências, julgamentos, ouvindo testemunhas, partes e advogados. Lidamos no nosso dia a dia com decisões que afetam milhares de vidas: julgando, liberando, condenando e absolvendo pessoas.Nada mais natural, portanto, que a indicação para ministro do STF – cujas decisões têm o poder de influenciar milhares de vidas – seja oriunda da magistratura, que é quem conhece a fundo e olho no olho cada nuance do nosso sistema judiciário, seja em uma comarca de pequeno porte no interior de Goiás ou em uma grande cidade como Goiânia, Belo Horizonte ou São Paulo.Seguindo esse raciocínio, acredito e defendo que um juiz de carreira tem todas as credenciais para ocupar o mais alto cargo do judiciário brasileiro, não apenas por defender uma magistratura forte, mas, principalmente, por acreditar que o sistema judiciário brasileiro ficará ainda mais independente, autônomo e próximo de cada cidadão do Brasil.Patrícia Carrijo é juíza e presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego)Artigo publicado no Jornal O Popular 23 de setembro de 2020
A maior qualidade de um homem público é a coerência. Em 1913, há 105 anos, vaticinava Rui Barbosa em seu discurso O Caso do Amazonas (Senado Federal no então estado do Rio de Janeiro):"O povo não tem representante porque as maiorias partidárias, reunidas nas duas casas do Congresso, distribuem a seu bel-prazer as cadeiras de uma e de outra casa, conforme os interesses das facções a que pertencem. O povo sabe que não tem justiça; o povo tem certeza de que não pode contar com os tribunais; o povo vê que todas as leis lhe falham como abrigo no momento em que delas precise, porque os governos seduzem os magistrados, os governos os corrompem, e, quando não podem dominar e seduzir, os desrespeitam, zombam das suas sentenças, e as mandam declarar inaplicáveis, constituindo-se desta arte no juiz supremo, no tribunal da última instância, na última corte de revisão das decisões da justiça brasileira".Apontava o famoso Águia de Haia a importância de o povo ver-se representado no Congresso e o risco da existência de juízes cooptados pelo esquema de corrupção e da desmoralização pelo sistema corrompido daqueles que se mantêm honestos.O povo elege aqueles que acredita que irão representar os interesses da nação nas casas legislativas, que não tornarão a coisa pública joguete de interesses privados.Que esperança lhe resta caso venha a assistir o triste espetáculo do abuso no manejo das leis ou do simples desrespeito ao ordenamento jurídico para fazer prevalecer, com a força, os interesses privados de quem representaria o público?A esperança reside nos juízes. Se entre eles, como aponta Rui Barbosa, alguns forem corrompidos, se forem seduzidos pelo poder e se os magistrados honestos forem alijados desse mesmo poder, isolados, humilhados e desconsiderados, então só restará o desespero.Não vamos nem devemos nos imiscuir na legítima disputa que houve no Senado, por sua Presidência, entre os senadores Renan Calheiros e Davi Alcolumbre, contudo, como fizemos na época em que o primeiro senador atingiu toda a magistratura ao se referir a um colega como juizeco, em estrito exercício de seu mister constitucional de tutelar os direitos de quem procura o Judiciário, vimos agora mostrar à sociedade quem, na prática, quer ser o Golias e, principalmente, destacar que todos, pequenos e gigantes, um dia, podem precisar da Justiça.Sobre o primeiro aspecto, ficou muito claro que sua excelência e suas duas personalidades (o velho e o novo Renan) queriam a todo custo chegar, mais uma vez, à Presidência do Senado. No início do processo, como bom articulador que é, negou a pretensão, contudo, quando chegou a hora de a “onça beber água”, como se diz, mostrou suas garras e, por ironia do destino, para ser gigante ou permanecer em sua dupla personalidade, precisou justamente do Judiciário.O Judiciário ainda é, no Brasil, a última barreira de proteção dos direitos civis. Os juízes brasileiros são, ainda são, aqueles a quem o cidadão pode recorrer. Mesmo em nossa imperfeição, pois faltam juízes e falta a estrutura para julgar milhões de processos, diariamente os juízes brasileiros, apenas para citar alguns exemplos, concedem inúmeras internações hospitalares, determinam a realização de cirurgias, concedem obrigações de prestação de alimentos a necessitados e lutam contra uma criminalidade organizada que por séculos subtraiu as riquezas deste país.E também concede liminares, em caso de desobediência ao devido processo legislativo!Não estamos aqui condenando a atitude do Senador em ir ao STF, por seu presidente, buscar a reparação de uma situação que em sua ótica feria ao regimento interno do Senado e até mesmo nossa Constituição e democracia, como o mesmo se arvora em suas entrevistas. Pelo contrário, achamos que ele e todos os cidadãos devem mesmo ir à Justiça, quando entendem que seus direitos estão sendo violados ou ameaçados.É um dos maiores direitos de todo e qualquer cidadão, ou melhor, garantia constitucional processual de acesso à Justiça numa ótica material, na qual assegura a plena cidadania com o efetivo cumprimento de todos os demais direitos, em especiais os fundamentais.O que chamamos atenção é a falta de coerência de sua excelência, pois até então atacava de modo indiscriminado todos os magistrados, fazendo uma campanha odiosa de que somos privilegiados e que o mal deste país está na magistratura, e recorre justamente a ela quando quer ter mais acesso ao poder.O poder realmente embriaga, ou melhor, por ele vale tudo, até mesmo recorrer a quem costumeiramente é tido como o mal deste país.Todos os juízes estarão à disposição de toda a sociedade 24 horas, independentemente de falarem mal ou não de nós, porque até mesmo os de má-fé, e infelizmente são muitos, nós temos o dever constitucional de atendê-los e de forma eficiente, como impõe o artigo de 37 de nossa Carta Magna.Quando agimos, presentando o Estado-juiz, não temos vontade própria, logo não fazemos juízo de valor se quem nos procura presta ou não presta, se nos atingiu ou não, cumprimos a vontade da Constituição e das leis constitucionais em proteger quem quer que seja, e foi isso que Renan (o velho ou o novo) teve do Poder Judiciário na última sexta (1º/2), isso sem adentrar ao mérito em si da decisão.E tomara que também não bote a culpa na Justiça de sua derrota, pois, como sempre diz, na realidade, com ou sem manobra, lhe faltou votos, e muitos.Os magistrados devem sempre estar presentes para fazer valer a lei. E que fique bem claro, a lei, pois preferências pessoais não podem se conjugar com o dever de entregar justiça, em especial num país sedento por ela.A Justiça, realce-se, deve ser a última voz a ser consultada e a ser ouvida. A ela não compete imiscuir-se nos demais Poderes, se não para fazer prevalecer a lei.E dela deve partir o mais alto exemplo, a mais lídima figura, para que não pairem dúvidas sobre os motivos do julgamento.Não há justificativa para que juízes escolham os processos que julgarão, deixando que alguns aguardem anos nos escaninhos das escrivanias esperando a conjunção astronômica conveniente para seu deslinde, enquanto outros são decididos com a celeridade própria do fritar batatas.O Judiciário não é protagonista da democracia, e sim seu guardião, a presença constante de que os bons atos serão premiados, e os maus, punidos.Se a Justiça tornar-se cúmplice ou subalterna a qualquer dos Poderes, não será justiça, mas torpe feitor a executar as ordens vis de seus patrões.O magistrado não se envolve em demandas, ele as resolve, pondo termo com a aplicação da lei. Menos ou mais do que isso será sempre injustiça. Edu Perez de Oliveira é juiz do TJ-GO e José Herval Sampaio Junior, presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio Grande do Norte (Amarn) e professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern).
Juiz Lázaro Alves Martins JúniorO juiz Lázaro Alves Martins Júnior, da 1ª Vara de Ceres, escreveu um artigo sobre as funções essencialmente e materialmente públicas de um Estado, que são as atividades executivas, legislativas e a de julgamento, garantidas pelas forças policiais. No artigo, fez um paradigma com o modelo montesquiano, em que Estados Modernos, há prevalência das estruturas em arquétipos.Leia na integra: As únicas funções essencialmente e materialmente públicas em um Estado, são as atividades executivas, legislativas e a de julgamento, garantidas pelas forças policiais, de mesmo jaez estatal por serem inafastáveis para a mantença da soberania. Elas podem estar reunidas em uma só pessoa ou órgão, como nas monarquias absolutas ou em Estados ditatoriais. Em Estados Modernos, ou melhor ainda, Constitucionais, há a prevalência das estruturas em arquétipos próximos e provindos do modelo montesquiano mas, absolutamente, não existe a imperativa necessidade de que qualquer carreira fora dessas funções, onde seus membros são classificados por alguns juristas como agentes políticos, seja pública e com tratamento diverso dos trabalhadores em geral. Reitero, nenhuma!Sob essa perspectiva é assombrosa qualquer ilação onde se aponte o Poder Judiciário e seus membros, que são essenciais materialmente para o funcionamento do Estado, como os responsáveis por rombos financeiros no erário.Como mero exemplo e sem qualquer demérito às demais carreiras, formalmente essenciais no texto Constitucional nacional, existem aproximadamente 17.000 juízes das diversas esferas em atividade no Brasil. Em contraposição, existem aproximadamente 50.700 membros de carreiras jurídicas públicas para lidar com os processos que envolvem o interesse público. Destes números, enumeram-se: 17.000 membros do Ministério Público; 27.200 Advogados Públicos federais, estaduais e municipais; e 6.500 Defensores Públicos federais e estaduais, onde todos, naturalmente, carecem de apoio administrativo, o que resulta em mais cargos públicos.É possível a sustentação da defesa jurídica do Estado sem um Promotor de Justiça? Sim, e existem países que adotam esse modelo, embora me pareça absolutamente inadequado para o Brasil. Todavia, seria possível a defesa dos entes federativos e dos interesses públicos por advogados advindos do estrado de aproximadamente 1.000.000 de inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil? Não? Por qual motivo? Cediço é que os conceitos de Justiça e Moral são relativos para aqueles que se imiscuem de forma, mesmo que superficial, nas sendas da filosofia e sociologia. Assim o são também, como conceitos abertos, a Eficiência, a Adequação e etc. Mas partindo do substrato de que não existem diferenças substanciais entre membros do Judiciário, do Ministério Público e da Advocacia, conforme prevê o Estatuto da OAB, o que impediria que estes últimos cumprissem com a mesma eficiência os múnus de uma carreira pública de postulação e defesa, tornando o Estado menos oneroso e burocrático?Ressalta-se que o mesmo número de juízes acima mencionado, presidem todos os processos sob os cuidados dos 50.000 agentes provindos das carreiras jurídicas públicas e também julgam – ou melhor, tentam julgar – os demais processos envolvendo apenas os interesses privados. Não contam ainda os magistrados com algumas prerrogativas destinadas a advogados públicos em diversas unidades federativas do país, tais como: praticar a advocacia privada concomitante à pública (o que parece uma relação autofágica da classe contra o advogado privado); ter atividade empreendedora ou política; receber honorários advocatícios cumulados ao subsídio; e, ao final, receber subsídios e gratificações equivalentes aos de magistrados e membros do Ministério Público.Friso que o que foi discorrido acima não é, de forma absoluta, um ataque aos membros das demais carreiras jurídicas. Não, longe disso. Como dito, o Ministério Público tem sido um enorme aliado do Judiciário em prol de um acendramento no trato da coisa pública e é imprescindível ao nosso país. A advocacia pública presta relevantes serviços para minimizar perdas aos entes federativos, existindo outras inúmeras carreiras nos quadrantes estatais que, proporcionalmente, gozam de menos ônus e melhores remunerações gerais.O sentido desse artigo é demonstrar que existe em evolução um processo de inversão de valores, onde uma função materialmente essencial tem sido enfraquecida perante as formalmente essenciais, com a certeza de que se a mídia e o Poder Público se empenhassem, verdadeiramente, em esclarecer os fatos, seria singela a conclusão de que não são os membros do Judiciário e sua remuneração quem colocam o Brasil em dificuldades financeiras.
Em artigo resposta publicado neste sábado, 24, no jornal O Popular, o presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (ASMEGO), juiz Wilton Müller Salomão, refuta as críticas sobre a atuação e os direitos da Magistratura emitidas por Adão José Peixoto em seu texto " A lei e a ética", divulgado no último dia 18 pelo veículo.Wilton Müller pondera que "ao contrário do que sugere o autor, os juízes são verdadeiros guardiões da lei e da ética, tendo já provado ao País a importância de seu trabalho. É pela atuação dos atuais magistrados que, como nunca antes na história do Brasil, detentores de grande poder econômico e político estão sendo julgados e condenados de acordo com a lei, pagando pelos crimes cometidos."O presidente alerta que este e demais ataques são uma tentativa de manchar a imagem da Magistratura, a fim de enfraquecer sua atividade e postura combativa ao que não está em acordo com a lei. "O auxílio-moradia, atacado no artigo "A lei e a ética", possui amparo legal, existe em diversas carreiras públicas e privadas e a sua continuidade será julgada pelo STF. Então, qual o motivo de somente no caso da Magistratura o assunto ser repetido à exaustão? Além dos comentários sobre a verba de moradia, o autor comete erros graves. Diferentemente do mencionado no texto, em Goiás, não existem auxílios informática, educação e saúde", esclarece.Leia, abaixo, a íntegra do artigo "Ataque aos juízes".Fonte: Assessoria de Comunicação da ASMEGO | Mediato Multiagência
Juiz Mateus MilhomemO juiz Mateus Milhomem de Sousa, do 1º Juizado Especial Criminal de Anápolis, escreveu, junto com a analista judiciária Paula Oliveira Lacerda Gambogi, um artigo sobre a função de sniper (atirador de elite), onde discute a possibilidade de tornar inconstitucional o Decreto nº 5.642/2002, do Gabinete do Governador de Goiás. De acordo com o magistrado, o sniper é uma atividade altamente técnica e fiscalizada e, devido ao perigo em que a vítima se encontra, em certos eventos, e a necessidade de agir com celeridade, não deveria necessitar de autorização prévia do governador para realizar tiro de neutralização, conforme prevê o decreto. Leia a íntegra do artigoO artigo explica que o Decreto nº 5.642 de 19 de agosto de 2002 criou a Comissão de Gerenciamento de Crises, normatizando em alguns de seus artigos, as atividas das Polícias Militar e Civil e do Corpo de Bombeiros Militar no atendimento a eventos de natureza policial, com envolvimento de reféns, e rebeliões em presídios. Seu Artigo 11 determina que se, durante a ação policial, não obter sucesso nas negociações e a situação exigir o emprego da solução tática, ela deverá ser precedida de autorização do Governador do Estado.Os relatores discorrem que, os snipers são acionados apenas em situações com reféns, são profissionais altamente treinados para atuarem como último recurso quando presente uma ameaça direta e imediata à vida de inocentes. “Assim, depender de autorização de pessoas distantes do cenário pode ser hipótese que destoa da necessidade rápida e pronta intervenção”, afirmam.Arguição a InconstitucionalidadeDe acordo Mateus Milhomem e Paula Gambogi, a necessidade da autorização do governador cria “um grande obstáculo aos trabalhos da polícia, pois pode privilegiar critérios políticos em âmbito estritamente técnico.” Explicam, ainda, que a lei penal prevê as exclusões de ilicitude, como o estado de necessidade e de legítima defesa em situações de emergência.Dessa forma, trazem à tona o debate de que a tese de inconstitucionalidade do decreto se sustenta pela violação na competência privativa do governador, uma vez que, apesar da Constituição do Estado do Goiás estabelecer que o líder do executivo possui competência para promulgar decretos, a fim de regulamentar leis, o Decreto nº 5.642/2002 não possui essa finalidade, “o que seria totalmente inconcebível juridicamente pela questão do princípio da hierarquia das leis”, informam. Ademais, aduzem que o decreto é desnecessário, por colidir e atrapalhar as exceções já criadas no Código Penal, onde todos cidadãos, da força policial ou não, já devem seguir.Por fim, concluem que “se até um cidadão comum, em dadas situações definidas em lei (legítima defesa ou estado de necessidade), poderia agir sem qualquer autorização prévia para salvar alguém que esteja em risco, muito menos um policial treinado e fiscalizado necessitaria dessa enorme restrição criada pela lei, pois já estaria submetido à autoridade do comandante da cena da ação.”CompetênciaPara se declarar a inconstitucionalidade da lei, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) deve ser proposta. De acordo com o artigo 103, da Constituição Federal, a medida pode ser interposta pelo Procurador Geral da República, pelo Presidente da República, pela Mesa do Senado Federal, pela Mesa da Câmara dos Deputados, pela Mesa da Assembleia Legislativas, pelos governadores de Estado, pelo Conselho Federal da OAB, por partido político e por confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.Fonte: Rota Jurídica