Gilmar Luiz Coelho é juiz de Direito e presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (ASMEGO)Hoje e amanhã, Goiânia sedia o 12º Congresso Goiano da Magistratura, evento promovido pela Associação dos Magistrados do Estado de Goiás e Escola Superior da Magistratura de Goiás. Nestes dois dias, alguns dos mais renomados juristas brasileiros desembarcarão na capital goiana para o debate de temas que interessam, entretanto, não apenas aos operadores do Direito, mas a toda a sociedade. Tanto que em 2013 o congresso teve recorde de inscrições, com número de inscrições surpreendente de juízes, advogados, promotores, estudantes e comunidade em geral. Com o tema “A magistratura e o combate à corrupção e impunidade nos 25 anos da Constituição Federal de 1988”, as discussões travadas neste encontro lançarão luz, não tenho dúvida, sobre aspectos fundamentais relacionados à temática.A atualidade desse debate é indiscutível. Recentemente, vimos o Brasil ser sacudido, de Norte a Sul, em manifestações promovidas por milhares de filhos desse País que invocavam, entre outras coisas, o respeito no trato com a coisa pública. Tomadas por gente de todas as idades, as ruas das cidades brasileiras se transformaram num ambiente democrático para esta convulsão popular que gritou por decência, obediência à Constituição e dignidade.E é no Judiciário, na maioria das vezes, que a população deposita suas esperanças de que seus direitos serão garantidos e de que maus brasileiros, os cidadãos corruptos terão como resposta a força da lei. A magistratura tem, sim, papel fundamental no combate à corrupção e na proteção dos direitos do homem devidamente traçados na Constituição de 88. Mas trata-se, ressalta-se, de uma responsabilidade compartilhada com todos os demais habitantes dessa nação.Não se trata, a corrupção, somente, de um problema de controle das autoridades. Trata-se, a corrupção, de um mal presente nas mais diversas camadas da sociedade e extremamente nocivo às relações humanas e ao patrimônio público. Seus reflexos e efeitos são devastadores, sobretudo na vida dos cidadãos mais fragilizados economicamente, onde as consequências de atos de improbidade são mais severas. Ao considerarmos o combate à corrupção um compromisso de todos, abrimos incontáveis outros canais de controle social desse mal.O Judiciário tem feito sua parte, a despeito de toda a falta de estrutura de que padece. Ao estabelecer a Meta 18 para os Tribunais de todo o País, o Conselho Nacional de Justiça priorizou o julgamento de ações de improbidade administrativa e de crimes contra a administração pública. Segundo a meta, pretende-se julgar, até o final de 2013, todas as ações desta natureza que ingressaram na Justiça até 2011. E o Estado de Goiás, mesmo com mais de 90 unidades judiciárias desprovidas de juiz, tem se destacado entre os estados com o maior número de sentenças nesses casos.Cabe à população, portanto, posicionar-se como um agente em defesa de um patrimônio que é de todos nós. Cabe aos poderes constituídos e os organismos de defesa dos direitos do cidadão se fortalecerem com infraestrutura e recursos suficientes para uma eficiente, célere e satisfatória resposta aos desmandos com a coisa pública.Nas discussões que serão realizadas hoje e amanhã em Goiânia, a Associação dos Magistrados do Estado de Goiás contribuirá para o aprofundamento desse debate e o preparo dos operadores do Direito em Goiás no enfrentamento de um problema que atinge em cheio a dignidade de todos os brasileiros.
André Reis Lacerda é Juiz da Infância e Juventude e Diretor do Foro de Goianésia, diretor de Comunicação da ASMEGO e mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa, PortugalO papel dos pais perante o Estatuto da Criança e do AdolescenteA norma basilar que regula a proteção das crianças e adolescentes em nosso país está estampada no art. 227 da Constituição Federal Brasileira de 1988 que estipula que: “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança , ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Por sua vez, regulamentando mais pormenorizadamente a questão, o artigo 22, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro ao referir sobre os deveres dos pais: “Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais”. Daí, à primeira vista, importante se considerar que, a despeito das obrigações do Estado, autoridades e sociedade como um todo, cabe aos pais a responsabilidade mais direta quanto aos filhos, até porque são destes dependentes.O que se tem visto hoje em muitos casos, infelizmente, é justamente o não atendimento destes preceitos legais. O que há, no mais das vezes, é uma nítida inversão de valores, na medida em que vários pais, ao 'colocarem os filhos no mundo”, pensam que devem atribuir suas responsabilidades para as creches, professores, conselheiros tutelares, autoridades constituídas incluindo-se até mesmo a polícia. Isto porque, não raro, mães acorrem até as delegacias ou varas da infância e juventude pedindo para que estas autoridades “dêem um jeito em seus filhos'.Por óbvio que o mundo de hoje não é o de antigamente em que filhos tinham um 'temor reverencial' aos pais e a rebeldia própria da adolescência não se confundia com filhos agredindo e até assassinando seus pais, como frequentemente tem noticiado a mídia. Entretanto, não se pode com isto simplesmente 'lavar-se” as mãos, atribuir a culpa de tudo para fatores fora da família e acharmos que uma solução mágica irá resolver todos os problemas inerentes à criação dos filhos da noite para o dia. A solução, como intuitivo, precisa passar primeiro pela conscientização geral e cada vez maior que cada pai deve ter pela criação de seus filhos e que esta tarefa não pode ser tida como delegável, cabendo aos pais um cuidado diuturno com cada ato, com a educação permanente, e com o planejamento do futuro que se quer para seus filhos. Assim, , pode-se perceber que é dever dos pais ou responsáveis legais educação de sua prole, sem se poder argumentar que crianças e adolescentes podem fazer tudo o que desejam sem respeitar a autoridade daqueles que exercem o poder familiar.A infração à lei pelas crianças e adolescentes, como é conhecimento quase geral, acarreta a incidência do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) que, protege e, ao mesmo tempo, aplica-lhes medidas sócio educativas e protetivas aos inimputáveis. Ou seja, não lhes são aplicadas penas conforme disposto no Código Penal, apesar de tanta gente achar que a única solução seria uma inconsequente redução da maioridade penal, a “depositar” cada vez mais seres humanos em cadeias de um Sistema Penal brasileiro que já deu vários indícios de sua falência. E, em plano diametralmente oposto, muitos sustentam a tese também simplista de que o que falta é educação – como se educação fosse uma pauta de política pública apenas cobrável de governantes, própria de manifestações populares nas ruas e greves por melhorias de salários de professores, sem que se apresentem ações concretas de melhoria de todo o sistema ou mesmo desconsiderando que educação começa na nossa casa, começa da relação dos filhos com os pais.Urge ressaltar que educar é bem mais amplo do que simplesmente sustentar, ultrapassa a esfera econômica atingindo questões psicológicas, sociais, afetivas implicando a formação integral do ser como uma pessoa crítica, participativa, política e valorizada em todas as suas potencialidades. Nesta temática, o doutrinador Valter Ishida melhor esclarece as responsabilidades dos pais e tutores, com relação ao artigo 22, do ECA:“Este artigo possui fundamental importância para a Justiça da Infância e da Juventude. A grande maioria dos casos em que chegam à vara menorista versa sobre conduta incompatível dos genitores biológicos. Isto em decorrência de descumprimento dos deveres supra elencados, básicos na criação de crianças e adolescentes”.O referido autor, referendando o importante papel a ser desempenhado pelos pais ou responsáveis pelas crianças e adolescentes, menciona que a incumbência pela educação de alguém é tão relevante para o contexto social, que o descumprimento do dever de educar deveria ser severamente punido a fim de evitar novas práticas delituosas, quer seja, a reincidência. Ou seja, atribui-se hoje que os adolescentes infratores são os causadores de grande risco social, sem, contudo, ir-se nas causas efetivas dos problemas que os acometem, desconsiderando-se não só a falta de políticas públicas significativas na área da infância e juventude, bem como a própria responsabilidade dos pais – que deveria ser muito mais cobrada.As pessoas em geral deveriam estar preparadas para constituir família, procurando montar primeiramente uma estrutura principalmente, para ter filhos, pois a relevância no contexto sócio econômico, político e psicológico é tal que o descumprimento da tarefa de educador acarreta um desequilíbrio jurídico social. Quanto mais crianças sem os cuidados diretos e responsáveis dos pais tivermos, maiores as chances de ocorrerem chacinas, crimes, miséria, dentre outros males.Alguns pais e/ou responsáveis ainda não estão cientes de que o poder familiar é um exercício de cidadania. É mais um dever que um poder. Esclarecendo melhor, argumenta-se que os genitores têm o encargo inerente à construção da democracia, pois o sucesso e/ou fracasso social de nossos pupilos depende das orientações recebidas, onde o bem e o mal são dois pólos que se repelem e se atraem concomitantemente, a depender em grande parte dos exemplos que estes jovens têm para seguir. Assim, não é incomum ver em uma Vara de Família que pais que tenham cerca de 04 (quatro) a 05 (cinco) filhos com várias mulheres diferentes, com baixa formação escolar e, consequentemente, com salários sempre próximos ao mínimo, acabam por não conseguir dar atenção necessária aos filhos. Quando muito, têm dificuldades de pagar as várias pensões alimentícias, pelo simples medo de irem presos. Daí, quando crianças como estas não dão sorte de ter mães diligentes e guerreiras o suficiente que consigam educá-las sozinhas, acabam por perder por completo qualquer referência familiar que, depois, é muito difícil serem “consertadas” por professore, autoridades ou mesmo pela aplicação pura e simples das “medidas socioeducativas' que, estas, pela falta de estrutura em nosso país, estão longe conseguir a ressocialização almejada. Portanto, não é demagógico tentar dar mais peso àqueles que têm a obrigação legal de educar impondo limites nas atitudes de seus dependentes e participando de suas vidas.Qualquer psicólogo diria que a criança possui a tendência de copiar padrões de condutas que lhes são mais próximos. Por este motivo, retrata as atitudes que vivencia e observa. Não é punida pelos seus atos, mas protegida, através de procedimentos que a põe a salvo da discriminação, dos maus tratos e da exploração. Geralmente, guardam o medo e a timidez que ecoam negativamente, de uma forma ou de outra, eis que reproduzem os padrões do lugar em que vivem e das pessoas que convivem. Uma criança que convive vendo seu pai agredir sua mãe, bebendo e violentando-a verbalmente e fisicamente, tende a crescer achando que isto é normal, quando sabemos que não.As crianças e adolescentes, como princípio mínimo de cidadania, devem ser respeitados e assim aprenderão a respeitar os outros. A questão da cidadania é bem mais ampla do que podemos imaginar, vai além da mera participação política: votar e ser votado. A criança e/ou adolescente têm de se sentirem capazes, produtivos, para se sentirem úteis aos anseios da sociedade, criando-lhes um sentimento de que podem fazer o bem, sem perguntar a quem.O “trabalho” de crianças e adolescentes, antes de tudo, porém, é estudar, frequentar as aulas e levar a sério a educação. Frisamos que a Lei 8069/90, em nenhum momento, mencionou o fato de que crianças/adolescentes não devam cumprir determinações, ou ferir os princípios de justiça, que acabam por lesar a sociedade em geral. Ao contrário, a lei evidencia o cumprimento do ordenamento jurídico vigente, o agir de forma lícita, a idoneidade, a virtude e não o caos, que é determinado pelo desrespeito, falta de valores éticos e morais tão presentes hoje em nossa sociedade.A valorização dos familiares das crianças e adolescentes, através do trabalho, estudo, salário digno para o sustento da prole, atendimento médico compatível com a natureza humana, levarão o jovem a ter o desejo de dar continuidade ao ambiente salutar em que vive (reprisa-se os modelos, quer sejam bons ou maus); no entanto, existem pessoas sobrevivendo sem qualquer dignidade.Quando o ECA, em seu artigo 1º, dispõe sobre a proteção integral aos indivíduos entre zero e 18 anos, não quis dizer que eles tudo podem fazer e que não devam ter limites. Isto é um grande equívoco de interpretação.Faz-se necessário, em primeiro lugar, tentar definir o que se quer dizer quando se pronuncia essa palavra: limites. Palavra esta, por vezes, revestida de muitas interpretações e equívocos. Partindo deste ponto de vista, pode-se destacar questões importantes, e dentre elas o fato de que limites e disciplina ajudam as pessoas a sentirem-se seguras, portanto, estes são necessários.Vale dizer que a idéia de poupar uma criança de crescer acaba condenando-a a ser eternamente criança, imatura e despreparada para o convívio e para o exercício da cidadania. Em outras palavras, quando pais não dão limites para seus filhos acabam limitando-os em sua condição infantil, o que impossibilita a passagem à maturidade. As regras são extremamente relevantes para que a criança entre no universo da razão. É importante salientar que, para que isto ocorra, são necessários muitos “nãos” com seus devidos “porquês”, bem como ser paciente e escutar com atenção, sempre lembrando que as atitudes e exemplos dos pais são as melhores lições e melhor forma de educação. Mais tarde, quando a criança for maior, ela respeitará quem lhe ensinou a viver adequadamente dentro das normas sociais.Dar limites aos filhos é demonstração de amor incondicional. A sociedade não tolera crianças e adolescentes desordeiros, cheios de mimos e sem regras. Os pais têm o dever moral de educar seus filhos e isto tem a ver com limite/amor; caso contrário, estará sujeito a ver seus filhos transgredindo a lei, respondendo a um processo em consequência de suas ações negativas.Mas, ao se deparar com crianças e adolescentes indisciplinados e infratores, se está diante de problemas que não são somente deles, mas, principalmente, de nós adultos, uma vez que cabe a nós - pais, educadores e sociedade em geral - a responsabilidade constante por sua educação, consoante se depreende da própria lei 8069/90.As crianças e adolescentes refletem a nossa alma, e eles reconhecem as nossas inseguranças e incertezas. Tem-se que ter a consciência de que somos responsáveis pelo seu equilíbrio, seus atos e estabilidade emocional e tudo isto passa pelo binômio limite/cuidado que é reproduzido socialmente, mas que começa em casa, começa na relação entre pais e filhos.
Nelson Lopes Figueiredo é presidente da Academia Goiana de Direito, advogado e autor dos livros Descaminhos do Poder e O Estado InfratorCondenar o Estado, absolver juízesEntre tantas reflexões produzidas no calor das manifestações de junho, pleiteando melhoras nos serviços públicos essenciais, o excelente artigo Corrupção se combate com a Justiça, do presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás, juiz Gilmar Luiz Coelho, publicado neste espaço (14/7), depois de noticiar algumas das vicissitudes que dificultam a luta contra a corrupção pela via judicial, conclui augurando que as crianças não tenham receio de escolher, entre outras carreiras públicas, a de juiz. Apesar da extrema oportunidade dos referidos comentários, pouco se tem falado, dentro ou fora das ruas, sobre um serviço público de fundamental importância na democracia cujas deficiências são gritantes e admitidas por autoridades públicas do mais alto escalão: o mau funcionamento do Judiciário. Como dolorosa consequência, a prestação da justiça que deveria ser rápida e barata, é cara, demorada e, portanto, ineficiente em nosso País.O jurista Raymundo Faoro (Os Donos do Poder), em histórica entrevista (IstoÉ, 4/7/2001), enfatizou com a autoridade de sempre esse aspecto da crise do Poder Judiciário afirmando: “O Judiciário precisa de uma reforma. Este é um país que não tem juízes. O juiz com dez mil causas não tem nenhuma. Já tive experiência disso. O juiz pertence a uma classe das mais sacrificadas. Em geral, chega na hora certa, sai depois do expediente e leva trabalho para casa.” Considerando que qualquer reforma do Judiciário, decorridos mais de dez anos, deverá priorizar a democratização da justiça, esse depoimento continua atual. No mesmo sentido, em declarações prestadas (6/7/2011) o ex-presidente do STF, ministro César Peluzzo, classificou o sistema judicial brasileiro como “perverso, ineficiente e danoso para 90% das pessoas que procuram o Judiciário (…) e que só verão sua causa ganha 10, 15, 20 e não raro 30 anos depois.” Embora existam outros aspectos que comprometam o bom funcionamento judicial, a sobrecarga dos julgadores de todos os níveis, do juiz ao ministro do STF, é sem dúvida o principal obstáculo à distribuição democrática, a custos módicos, de uma justiça célere.Contraditoriamente, reclamando muitos protestos e passeatas, o poder público é o principal protagonista do acúmulo de demandas que abarrota o Judiciário, sacrifica os juízes e emperra as engrenagens de sua estrutura. Embora a “explosão de litigiosidade” que aflige as diversas instâncias judiciais decorra, indiscutivelmente, da democratização, da inclusão social e do próprio aumento populacional, o Estado é o maior litigante entre todos que buscam solução judicial para os conflitos. De acordo com o relatório intitulado l00 maiores litigantes, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em março de 2011, o setor público figura em 53,2% dos processos em tramitação, assim distribuídos: governo federal (14,4%), INSS (23,3%), Caixa Econômica Federal (8,5%), Banco do Brasil (4,2%) e os governos estadual e municipal (11%). E mais, é o maior entre os maiores recorrentes, sobrecarregando o Judiciário, principalmente nos tribunais superiores, com recursos sobre recursos, na sua maioria meramente protelatórios, visando tão somente evitar o fim do processo quando a decisão lhe é desfavorável.Superar esse entrave é o desafio imposto ao Estado contemporâneo por uma sociedade complexa, multiplicadora de conflitos e de demandas, vítima, em suas carências básicas, de injunções econômicas orquestradas globalmente e à distância, por forças invisíveis e poderosas. Também nesse aspecto de extrema relevância social a organização estatal, tal como se apresenta aparelhada e funcionando, ainda não conseguiu provar que não falhou. A conhecida máxima “o povo é o juiz dos juízes” pode ser convertida na seguinte sentença condenatória: o povo não absolve o Estado, por mais bons juízes que ele tenha.
Desembargador Nelson Missias de MoraisEx- Presidente da Amagis e ex-Secretário Geral da AMBVitaliciedade é garantia da própria cidadaniaOs movimentos sociais têm alcance importante para o revigoramento das instituições e do próprio estado de direito, pois são nesses momentos que se confirmam a força da democracia e da participação popular, para correção de rumos, quando algo está fora do eixo.Nas recentes manifestações, que se iniciaram em razão das majorações de passagens de ônibus em São Paulo, com reflexos em outras partes do Brasil, houve uma mobilização popular, convocada pelas redes sociais, com uma velocidade como nunca se viu.Foi um movimento espontâneo e sem liderança definida, que não foi conduzido a uma pauta mínima, que pudesse repor no eixo o que eventualmente estivesse fora e até mesmo para dar seqüência às reivindicações.De uma hora para outra o que se viu foi o Governo central produzindo uma agenda de ocasião, que passou a ser denominada de “positiva”, com trapalhadas de toda natureza, pois não conseguiu atingir o foco nem sensibilizar ninguém, chegando ao disparate de propor uma assembléia constituinte para tratar de um tema específico, ou seja, a reforma política, fulminada de inconstitucionalidade.O eco das ruas não estava nessa direção, embora relevante para a democracia e merecedora de uma discussão mais aprofundada e com seriedade, sem o ranço da resposta imediata para fenecer o incômodo que provoca uma mobilização popular.A partir daí o Congresso Nacional também passou a produzir a chamada “agenda positiva” legislativa.Não se pode olvidar que toda legislação casuística - para dar resposta imediatista a população - trás em si o perigo de atingir direitos caros à cidadania e a sociedade, conquistados por gerações, com prejuízo à liberdade e a própria vida de muitos. É lamentável, mas no apagar das luzes do semestre legislativo do Congresso Nacional o predicamento da vitaliciedade do magistrado brasileiro quase foi extinto.A sociedade não percebeu nem foi informada do alcance da medida, que seria um prejuízo irreparável para a cidadania.Juízes independentes, livres de pressão de poder político, econômico ou de qualquer outra natureza são necessários aos cidadãos na busca ou na reparação de um direito que lhe foi subtraído.As causas que aportam no Judiciário, muitas vezes por aqueles menos aquinhoados, como a do cidadão, já fragilizado, quando busca um medicamento não fornecido pelo governo ou um atendimento médico de emergência a ele negado, através da via judicial, precisa de resposta rápida e sem interferência dos poderosos.O magistrado livre das amarras do poder político, econômico ou de criminosos, onde o fraco e o forte se equivalem, foi uma conquista da cidadania e a ela se destina.O predicamento da vitaliciedade é a dimensão necessária do juiz independente, sem assombros na carreira, em razão das suas decisões.O que não está bem explicado é que o juiz pode perder o cargo sim, através de sentença condenatória com o trânsito em julgado.Seria um caos social e traria insegurança jurídica para a sociedade a possibilidade de o juiz, com base em decisões políticas ou por retaliação em razão do exercício da sua função judicante, ser demitido ou afastado.Os juízes, no exercício da sua função, têm peculiaridades que os diferenciam e impedem a perda do cargo por decisão administrativa. São agentes políticos, processam e julgam causas de interesses políticos, econômicos e criminosos vultosos.As PECs 53 e 505, a primeira no Senado Federal e, a segunda, na Câmara dos Deputados, relativizam a vitaliciedade do juiz brasileiro, facilitando sua remoção, afastamento das funções e demissão, por mera decisão administrativa, o que o torna vulnerável na sua independência para o enfrentamento das pressões a que está sujeito no exercício das funções.Esse é um grave prenúncio.Aliás, as garantias da magistratura, insculpidas na Constituição cidadã, art. 95, incisos I, II e III devem passar indenes do Poder Constituinte Derivado, por se encontrarem no âmbito das chamadas limitações materiais implícitas, com status de cláusula pétrea.No ordenamento jurídico pátrio existem normas que garantem a perda do cargo do juiz que o ocupa com indignidade, sem se resvalar, contudo, na garantia constitucional da vitaliciedade.Esse desvario legislativo para atingir garantias de independência do juiz brasileiro só pode ser creditado à necessidade de se desviar a atenção da sociedade que está focada em temas que exigem a mudança de comportamento de governantes e legisladores.A sociedade e a mídia têm um papel relevante na compreensão do alcance da garantia da vitaliciedade do juiz.A vitaliciedade do juiz é como a liberdade de imprensa para o jornalista e a inviolabilidade de opinião para o parlamentar. São cânones do estado de direito.Não se pode esquecer que quando a imprensa ou o parlamento são violentados, os juízes são os seus garantidores. É uma reverência a essa conquista da civilização. Nunca é demais lembrar que no período de restrição das liberdades democráticas a vitaliciedade foi suspensa, assim como a liberdade de imprensa e de opinião. Esse é um tripé intangível na proteção da democracia e da cidadania.As Associações de Juízes, que são o braço político da magistratura, têm proeminência na luta para a manutenção dessa garantia da sociedade e até aqui se fizeram ouvir.Nesse sentido a Associação dos Magistrados Mineiros, através do seu presidente, Herbert Carneiro, a quem tive o privilégio de acompanhar em Brasília, em contato com os parlamentares, contribuiu significativamente para evitar esse retrocesso.Acreditar que essa é uma defesa corporativista é a mais forte expressão da incompreensão dos valores que devem pautar o estado de direito.Desembargador Nelson Missias de MoraisEx- Presidente da Amagis e ex-Secretário Geral da AMB
Corrupção se combate com a justiça“Na primeira noite, eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim: não dizemos nada. Na segunda, já não se escondem. Pisam as flores, matam o nosso cão e não dizemos nada. Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa rouba-nos a luz e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada”. (Bertolt Brecht, em No Caminho com Maiakovski)Muitas crianças acalentam o sonho de serem policiais, bombeiros, promotores e juízes, crendo que, ao crescerem, poderão combater as maldades, proteger os cidadãos e colaborar com a construção de um mundo melhor. Com o passar do tempo, o simbolismo “mocinho e bandido” por vezes vai se perdendo no imaginário infantil e muitos deixam este sonho ser contaminado pela impressão de que não adianta lutar contra o sistema e comodismo de achar que apenas quem escolheu determinadas carreiras é responsável por combater injustiças, criminalidade e corrupção.É neste sentido que os protestos atuais nos enchem de esperança, por demonstrarem a saída da inércia, literais gritos de basta a tudo o que demonstra estar errado, refletindo a vontade de participação popular nos destinos de nossa nação.O recado já foi dado. As reações no âmbito da política já podem ser sentidas, pelo menos com a redução ou não aumento do preço das tarifas de transportes públicos; anúncios de destinação específica de verbas públicas para saúde e educação (pelo menos na promessa); proposta de reforma política, mesmo que de afogadilho; e o cancelamento categórico da PEC 37. Já é um alento. Demonstra que as vozes estão ecoando e, por isto mesmo, a hora é de não nos calarmos, pois o silêncio e a omissão de pessoas que querem mudar este estado de coisas é que constituem o combustível necessário contra a corrupção e a impunidade e dão margem para que sejam perseguidos todos aqueles que ousam contrariar os interesses de poderosos, que se acham acima da lei.Parece óbvio que alterar a legislação em determinados pontos é necessário. Mas transformar, por si só, o crime de corrupção em hediondo, dentre outras medidas, de nada adianta se, de outra ponta, retirarem-se as garantias e independência daqueles que lutam diuturnamente e de forma inglória contra a corrupção em geral.Na prática, instrumentos de combate à corrupção existem e são os juízes que condenam traficantes, que condenam por improbidade administrativa e desvios de verbas e são juízes e demais operadores do sistema de Justiça que, ao tentarem fazer o seu trabalho com honra e coragem, acabam sendo ameaçados, perseguidos, ficando, muitas vezes, por sua conta e risco. Basta lembrar o caso da juíza carioca Patricia Acioli que, ao encarar o tráfico de drogas mais de frente, foi covardemente assassinada.Agora, surgem novamente em nosso cenário um pacote de PECs que tentam retirar a independência e autoridade do Poder Judiciário. A PEC 33, recentemente colocada em pauta, acabaria com a prerrogativa constitucional da última palavra do STF, que tem incomodado vários artífices de desmandos; as PECs 53 e 75, em conjugação com a PEC 505/10, foram trazidas à tona para tentar “demitir” administrativamente juízes e promotores, sem que sejam julgados por uma sentença transitada em julgado e ferindo as prerrogativas da vitaliciedade, que é uma das maiores conquistas em prol da independência do Poder Judiciário, para que juízes possam fazer valer todo este grito hoje manifestado nas ruas e continuem decidindo sem medo de serem retaliados ou perseguidos.Assim, a bem da democracia que ora se levanta, depois de toda a luta que ainda temos pela frente, esperamos que, ao perguntarmos para um criança o que ela quer ser quando crescer, possa responder sem medo: quero ser policial, bombeiro, promotor, juiz, nutrindo a esperança de que não pisem em nossos jardins e não roubem os nossos sonhos.Gilmar Luiz Coelho é juiz de Direito e presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás
João Ricardo dos Santos Costa, juiz de Direito em Porto Alegre e coordenador do Movimento Unidade e ValorizaçãoPECs 33 e 505: riscos de retrocessoA Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu artigo 10, consagrou que “toda pessoa tem direito, em plena igualdade, ….” a um “Tribunal independente e imparcial”.As lições do nacional socialismo e o comportamento dos tribunais do Reich levaram à inclusão do dispositivo como um dos instrumentos de proteção universalmente reconhecidos na Carta das Nações Unidas.Inserida no restrito catálogo de garantias da Declaração Universal, a independência dos juízes consiste no principal instrumento de proteção contra a barbárie que já ultrajou a consciência da humanidade.Mal vencido meio século do Pacto Universal, verificamos que os riscos de retrocesso ainda existem e, mais grave, são reais. No Brasil, duas expressões claras do resquício fascista que ainda habita o nosso parlamento são as PECs 33 e 505/2010.A primeira propõe anular a função constitucional do Poder Judiciário como membro republicano de controle do poder político. A segunda pretende colocar por terra a vitaliciedade dos magistrados, possibilitando a demissão administrativa de juízes. Ambas em confronto com o preceito universal da independência judicial, incorporado na Constituição de 1988.As razões das propostas legislativas não escondem as intenções, bastando leitura rápida às respectivas justificações para percebermos que se tratam de verdadeira represália pela atuação moralizadora do Judiciário contra fichas sujas e imigrantes partidários.A PEC 505/210 está embalada no conceito equivocado de que a punição máxima para um magistrado é a aposentadoria compulsória quando, na verdade, a exoneração é prevista, exigindo, porém, decisão judicial transitada em julgado. Ocorre que o sistema recursal brasileiro, editado pelo próprio Congresso, dificulta a punição por seu excesso de procedimentos.A melhor solução para combater a impunidade em todos os níveis, seria aprovar a proposta de redução de recursos, medida já sugerida, aliás, pelo ex-presidente do STF, Min. Cezar Peluso. Os juízes brasileiros necessitam de instrumentos processuais eficazes, e não de mecanismos que violem a sua independência.A magistratura defende a perda do cargo daqueles que praticam atos de corrupção no exercício da atividade jurisdicional, porém isso não pode ocorrer na precariedade de um processo administrativo e sem o esgotamento do que chamamos de devido processo legal. Necessitamos sim, e a magistratura está cobrando do Congresso, uma legislação processual mais célere e efetiva.É grave e preocupante a facilidade com que se descartam as mais caras conquistas da sociedade, para implementarem-se modelos que privilegiam um projeto de poder, em detrimento de um projeto de nação.A quebra institucional do Judiciário pretendida pelas PEC 33 e 505 na verdade removerá a barreira que protege as mais amplas liberdades e a independência de outros agentes vitais à democracia, como o Ministério Público, a Advocacia e a Imprensa. Ruirão no mesmo ato, sem troca de cenário.(Artigo originalmente publicado no Blog do Frederico Vasconcelos / Folha e S. Paulo)
Em prol de vozes democráticas“Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes.”(Abraham Lincoln)Vivemos, nos últimos dias, movimento popular motivado pela insatisfação. As ruas estão tomadas por correntes variadas de cidadãos em protesto. O aumento da tarifa do transporte público pode ter sido a gota d’água, mas uma coisa é certa: a voz do povo tomou corpo para exprimir um grito engasgado de “basta”, exprimindo a necessidade de mudanças em todos os níveis. A liberdade de expressão é uma das pedras de toque de qualquer democracia. E, neste sentido, quem ama a liberdade concorda em apoiar e incentivar manifestações pacíficas.Entre as várias bandeiras levantadas pelos manifestantes, são categóricas as reivindicações por mais transparência, mais lisura com a coisa pública, um sonoro “não à corrupção” e, no geral, um grito de socorro por mais Justiça!Como se sabe, o Poder Judiciário, como guardião por excelência da Constituição Federal, representa o último refúgio do cidadão contra os desmandos e toda a sorte de iniquidades. E, nos milhares de processos que protocolizam-se todos os dias, materializa-se a esperança do resguardo dos direitos, o restabelecimento da justiça dos casos entre as pessoas e, concretamente, também espera-se o combate à corrupção, como é feito pelas centenas de magistrados goianos que, além de envolverem-se a todo o tempo com as dores e sofrimentos das pessoas, digladiam-se dia a dia na luta pela aplicação da lei e tentativa de colaborar na construção de um País mais justo.A estas questões, soma-se a conjuntura por vezes denunciada, como excesso de trabalho, necessidade de reaparelhamento do Poder como um todo, que sofre com a falta de estrutura física e, sobretudo, de material humano. É preciso que a Justiça, com todas as limitações orçamentárias, lute para continuar crescendo e estruturando-se, pois só assim poderá fazer frente a todas as demandas sociais a que hoje é chamada a decidir, correspondendo à expectativa popular de que “o gigante se levante”.Alguns podem pensar que, na verdade, o que precisamos é de aprimorar nossas leis, procedimentos, rotinas de gestão, extirpar fórmulas burocráticas, revisar jurisprudências, decidir de forma mais objetiva, expedita e desapegada de formalismos por vezes desnecessários. Concordamos que tudo isto constitui uma mudança de paradigma e que a Justiça tem tentado fazer sua parte e se adaptar aos novos tempos. Entretanto, há um mínimo exigível de estrutura e de pessoal adequados para que a magistratura possa dar a resposta merecida pela população. E, como se sabe, não existe Justiça sem seres humanos, não se realiza Justiça sem juízes.O Conselho Nacional de Justiça reporta que “nos últimos 5 anos, 83 magistrados brasileiros pediram exoneração, cerca de 200 aposentaram-se precocemente e mais de 100 aprovados em concurso público desistiram de ingressar na magistratura”, em função da quantidade exorbitante de trabalho e grandes responsabilidades e cobranças. Este cenário nos indica descontentamento generalizado com a estrutura de trabalho e com a política de valorização da carreira. O enfraquecimento do Judiciário, evidentemente, acaba por fragilizar os alicerces da democracia que, com muito custo, foi edificada em nosso País.Acreditamos que os poderes constituídos terão sensibilidade de promover os atos necessários para a imperativa criação e instalação de novas unidades jurisdicionais no primeiro e segundo grau, atendendo-se prioritariamente aos locais onde o déficit é mais gritante, medida que, é preciso reconhecer, tem recebido especial atenção da atual gestão.Voltando ao tópico específico das manifestações populares, não há como dissociar a necessidade de aparelhamento do Judiciário para poder continuar na luta contra a injustiça. Na luta contra a corrupção, Goiás tem se destacado como o Estado que mais julgou ações de improbidade no cenário nacional. No que tange às estratégias para o combate a este estado de coisas, teremos em outubro congresso cujo tema é: A Magistratura e o Combate à Corrupção e a Impunidade nos 25 anos da CF/88, trazendo para discussão vários dos maiores juristas com experiência e especialidade na área.Que venham novas manifestações, mais democracia, mas sempre de forma pacífica. A propósito do nosso Hino, agora cada vez mais entoado de forma cívica, “mas se ergues a Justiça a clava forte, verás que o filho teu não foge à luta”. Deem-se mais condições de trabalho à aguerrida magistratura que a resposta, necessariamente, será uma sociedade mais amparada em seus direitos e seus reclames.
Maria Luiza Póvoa CruzJuíza de direito aposentada; advogada e presidente do IBDFAM-GODiferenças na sucessão do casamento e na união estávelO marco da união estável como entidade familiar foi a Constituição Federal de 1988. Após, no afã de dar plena eficiência ao exercício de direitos, o legislador editou a Lei nº 8.971/94 e a Lei nº 9.278/96.Foi tempo de paz. O juízo das varas de família, nos julgamentos, davam a proteção legal para os companheiros observando a razoabilidade, conforme os direitos já garantidos aos cônjuges.Porém, o Código Civil de 2002 mudou o tempo, desafinou com a Constituição e as leis, trouxe retrocesso a quem vive em união estável. Seu único artigo sobre o direito sucessório do companheiro (1.790) feriu os princípios constitucionais da dignidade e da igualdade de quem é figura relevante para entidade familiar brasileira atual.O local onde o Código situou o companheiro anuncia a desigualdade: no título “Da Sucessão em Geral”; quando deveria estar no Capítulo da Ordem de Vocação Hereditária, ao lado do cônjuge (artigo 1.829).O cônjuge é a estrela do direito sucessório. Tem status de herdeiro concorrente com os descendentes (condicionado ao regime matrimonial), com os ascendentes (independente de regime matrimonial); e, se ausentes, herda na totalidade. É, ainda, herdeiro necessário (artigo 1.845), não pode ser afastado da herança, salvo por indignidade ou deserdação.Quanto ao companheiro, o legislador lhe privou dos direitos conquistados. Ele, para herdar, percorre toda Ordem da Vocação Hereditária, concorrendo com os descendentes; na ausência desses, com ascendentes e colaterais. Ainda, há o limite aos bens onerosos, adquiridos na vigência da união, e um sistema de fixação das cotas hereditárias em supremacia aos vínculos sanguíneos.A desigualdade não se justifica, mas se explica.O projeto do Código Civil atual é de 1975, e o anterior a ele não protegia a união estável em lugar algum. Dessa forma, trazê-la para o Código Civil, mesmo em desvantagem, era avanço. Mas a Constituição de 1988 andou mais rápido, adiantou os passos, igualou o companheiro ao cônjuge. Aí, em 2002, o artigo 1.790 do Código Civil nasceu velho.Felizmente, magistrados, numa visão civil constitucional do ordenamento jurídico, têm afastado a aplicabilidade do artigo 1.790 do Código Civil, pela flagrante violação aos princípios constitucionais mencionados. Entretanto, há os aplicadores do direito que, sob uma ótica civilista, entendem que a não aplicação do artigo 1.790 do Código Civil faria julgados contra legem.Se o julgador for constitucionalista, o companheiro poderá herdar como o cônjuge; se for civilista, herdará só os bens onerosos, sob a “mira” do artigo 1.790 – terreno movediço.Com respeito às opiniões contrárias, é necessária uma visão principiológica do intérprete da lei para afastar de pronto a aplicabilidade do artigo 1.790, trazer a paz ao jurisdicionado e ao ordenamento jurídico.Significa superar a letra fria da lei, herança do positivismo, para fazer valer os princípios, cada vez mais revestidos de força normativa imprescindível para a aproximação do ideal de Justiça, e que a Constituição elegeu como fundamentais.A Constituição de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana – vértice do Estado Democrático de Direito – como princípio fundamental, e estabeleceu como objetivo fundamental “promover o bem de todos, sem preconceitos e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV)”.Ora, união estável e casamento sedimentam-se na vontade, afeto e comunhão de vida.Diferenciam-se pelo modo de formação, nada mais. Assim, nas sucessões, ao companheiro deve-se aplicar o regime jurídico do cônjuge, em igualdade.O tratamento desigual para a sucessão do companheiro pode e deve ser solucionado pela jurisprudência e doutrina, no andar dos valores da sociedade; até que as alterações legislativas aprimorem o texto legal.E aqui fica o registro: quando o legislador claudica, o ônus recai sobre o julgador. De consequência, ao jurisdicionado, resta o dissabor.
André Reis LacerdaJuiz de Direito e diretor de Comunicação da Associação dos Magistrados do Estado de GoiásAs audiências públicas como fator de legitimação democrática das decisões da Justiça Estadual Brasileira em matéria ambiental: necessidade de um ativismo verde em primeiro grau de jurisdiçãoTraz inquietação a dúvida sobre se a inclusão de audiências públicas em procedimentos judiciais no Brasil tem se mostrado ainda incipiente, sobretudo tendo em vista que o a matéria só está prevista formalmente e de forma categórica em relação à competência do Supremo Tribunal Federal e considerando-se a necessidade de edificação concreta do Estado Democrático de Direito – que pressupõe a necessidade de participação popular em decisões que lhe são mais caras. E tal constatação toma maior vulto, sobretudo se estiver em causa a matéria ambiental que, com potencial de afetar a cada um dos indivíduos e também reflexamente a toda comunidade difusamente, deve merecer consideração de todos os interessados. Com isto, caberia analisar-se quanto à possibilidade de se criar uma cultura e conscientização coletivas quanto à co-responsabilidade na preservação ambiental. [continue lendo aqui].
Herbert CarneiroPresidente da Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis/MG) e desembargador do TJMGQual é o Judiciário que a sociedade deseja, afinal?Algumas pessoas de outros setores e do próprio Judiciário crucificam, sistematicamente, a magistratura, em intervenções midiáticas de quem parece só buscar o aplauso fácil. Mas que, por outro lado, não fazem qualquer esforço para colocar a proposta de reforma da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) no Congresso Nacional, onde o debate deve ser aberto a toda a sociedade, inclusive aos magistrados.Talvez, atendendo aos consecutivos apelos da magistratura, ou por outras razões, o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, decidiu formar nova comissão para elaboração do estatuto da magistratura a ser encaminhado ao Congresso Nacional.Informações infundadas e inverídicas atribuem o atraso de mais de 25 anos nessa reforma ao que chamam de ‘forte reação corporativa’. Ao contrário, nesse mesmo período, a magistratura brasileira, por meio de suas associações de classe, sempre defendeu, pública e permanentemente, a revisão do atual estatuto, imposto pela ditadura, em 79.Por meio desse debate, no Congresso Nacional, podemos e devemos discutir, aberta e honestamente, o Judiciário que a sociedade deseja. Não somos contra a discussão das férias de 60 dias por corporativismo, mas, em nome da saudável e democrática defesa dos interesses de uma categoria, seria oportuno discutir quais seriam nossos deveres, direitos, vencimentos, benefícios, conquistados ou não, desde que, sempre, amparados na Constituição.Com a nova Loman, estará em discussão o problema das chamadas ‘morosidade e ineficiência’ do Poder Judiciário, analisando, por exemplo, a razão pela qual milhões de sentenças dadas na 1ª instância são acompanhadas de igual ou superior número de recursos, adotados constitucionalmente por advogados e promotores, contra as mesmas decisões. E que, depois de julgadas em 2ª, ainda são levadas à 3ª e 4ª instâncias.No Brasil, é histórico, só conferem valor à Justiça após a 4ª instância em total desfavor às decisões do 1º, 2º e até do 3º graus. Igualmente, tornou-se normal e republicano, neste País, o fato de o Poder Executivo, em função de um projeto de governo, ignorar a autonomia constitucional de outro Poder (Judiciário), sob a conivência de um terceiro (Legislativo), na hora de votar o Orçamento da União.Que Judiciário queremos, afinal? Nós, juízes e desembargadores, não temos apego a leis anacrônicas e continuaremos a defender um novo e urgente estatuto da magistratura que defina os nossos deveres e direitos pautados na Constituição e na redemocratização do País e do próprio Judiciário.Defendemos um estatuto que estabeleça a carga processual de cada magistrado, sua jornada de trabalho, o número de juízes por habitante, o tamanho das férias e as condições de trabalho e de segurança dignas que preservem a vida de quem, muitas vezes, tem que contrariar grandes e poderosos interesses e, frequentemente, enfrentar o crime organizado.Juízes ainda não têm hora para começar e terminar o trabalho e não deveriam deixar para o dia seguinte aquele pedido de habeas corpus, que chegou depois do expediente, de quem foi preso, talvez, injustamente ou sem provas. Nem ignorar a concessão de um mandado de prisão, por flagrante delito, para membro do crime organizado. Muito menos deixar para amanhã uma decisão para alguém que carece de uma urgente intervenção cirúrgica.Tabu é não querer discutir e reconhecer essa realidade. Em vez disso, reduzem o debate ao comparar benefícios amparados em leis, como as férias de dois períodos, a privilégios e regalias, jogando-os na vala comum das piores anomalias nacionais.Senhores ministros e senhores parlamentares, os magistrados estão prontos e dispostos a participar desse debate, que deve envolver toda a sociedade, na construção do futuro do Judiciário, sob a égide da cidadania e do estado democrático de direito.
Nelson Missias de MoraisDesembargador do TJ-MG e secretário-geral da AMBPensamento único não combina com a democraciaAgredir juiz no Brasil está virando mania. Até há pouco tempo respeitava-se a sua autoridade e decisões, embora isso nunca tenha impedido o justo direito de recorrer a outra instância contra essa ou aquela sentença. Como é da lei, como é da democracia e do Estado de Direito.Nos últimos 10 anos, por conta da crescente judicialização, resultado da redemocratização do país, paradoxalmente, alguns, quando têm seus interesses contrariados, passaram a agredir a honra do juiz, a ameaçá-lo e até mesmo a matá-lo, como aconteceu naquela triste noite de 11 de agosto de 2011, quando a combativa e dedicada magistrada Patrícia Acioli recebeu 21 tiros da intolerância com a justiça. Não há dúvida de que aqueles disparos foram contra o próprio estado de direito.O país mudou, está mais democrático, o juiz também mudou e está mais próximo do cidadão e integrado ao mundo em que vive. Hoje é um profissional que conhece melhor a realidade brasileira, das capitais e do interior. Está presente e mais próximo ao cidadão e, mesmo sem segurança, atua de forma dedicada na pacificação social em todos os rincões do país.Como agente político, esse profissional também quer ter vez e voz no processo de decisões e não é mais aquele que se recolhia ao seu próprio mundo para decidir sobre o destino dos outros à luz dos limitados códigos, como se a construção desses não fosse fruto da experiência humana.Ao longo do tempo, o magistrado conquistou, legitimamente, o direito de participar e de se organizar para ser ouvido e dar sua contribuição na melhoria da qualidade de vida das pessoas e das instituições democráticas. Nesse contexto, as associações de classe tem um papel fundamental que são, na verdade, o braço político da magistratura.Acompanhar e participar das decisões do Congresso Nacional, como a que criou, por exemplo, quatro Tribunais Regionais Federais, é legítimo e garantido pela Constituição, que, por sua inspiração democrática, clama cada vez mais por participação do cidadão e de suas organizações, até para legitimar as decisões dos três poderes constituídos.São conquistas democráticas que nem o presidente de um poder pode tirar.Desde 2008, e mais intensamente a partir de 2011, as associações de magistrados têm pregado no deserto junto aos três poderes constituídos a defesa das melhorias das condições de trabalho e na própria carreira. Nesse período, conseguiram apenas 15% de correção nos seus subsídios, em três parcelas anuais, a partir de janeiro deste ano, ante uma perda inflacionária até aqui de 36%.Como outras categorias, ouviram ‘não’ às suas mais justas reivindicações, como o resgate do adicional por tempo de serviço e a paridade entre ativo e inativo, pautadas no incentivo e aprimoramento da carreira. Nem por isso desistiram ou vão desistir de buscar melhorias para todo o sistema, que, ao final, serão revertidas para o cidadão brasileiro, razão e destinatário final da distribuição de justiça.Democracia é assim mesmo. É a construção coletiva do direito e dos avanços e requer tolerância, respeito, paciência e, principalmente, diálogo sem o qual prevalece apenas o poder absoluto de quem se considera acima das leis e da Constituição. Democracia também é debate, divergência, pluralismo de idéias e opiniões. Numa democracia plena não há donos do Estado, nem pensamento único, ainda que um ou outro considere quesuas idéias sejam as mais corretas.Faltam respeito e valorização a essa classe, que, além de vocacionada, não pode exercer outra atividade que não a de levar e distribuir justiça por este País, aonde quer que viva o cidadão, nas mais longínquas comarcas.O Judiciário é aquela última instância, última trincheira do cidadão, quando todos os outros poderes e órgãos falharam ou se omitiram. É aquela voz que a Constituição cidadã resgatou em favor da preservação dos direitos do fraco perante os fortes, independentemente de pressões e de poderes econômico e político. Ninguém poderá silenciá-lo, nem mesmo a força do poder e dos palácios. Os juízes não são súditos, ao contrário, são protagonistas da prestação de justiça e da democracia.Como é de conhecimento público, há 10 anos tramitava no Congresso Nacional uma proposta de Emenda Constitucional destinada à criação dos Tribunais Federais, de modo a diminuir a sobrecarga verificada no 2º grau de jurisdição desse ramo do Poder Judiciário e facilitar o acesso do cidadão à justiça.A proposta legislativa, de autoria do mineiro, senador Arlindo Porto, teve o apoio das associações de magistrados, da Ordem dos Advogados do Brasil, de governadores de estado, ministros, senadores e deputados e do próprio Conselho Nacional de Justiça, órgão responsável pela administração do Judiciário. Foi votada em dois turnos tanto na Câmara quanto no Senado.Sua aprovação não foi “açodada” muito menos “sorrateira”; nem as associações atuaram na “surdina”, ao contrário, sempre o fizeram de modo público e oficial. A importância dos novos Tribunais Regionais Federais já foi suficientemente apontada em estudos e debates feitos ao longo de uma década.De acordo com dados de 2011, pelos 1.223 juízes do 1º grau da Justiça Federal são recebidos 940 mil processos novos por ano, ao passo que no 2º grau, com 134 desembargadores, são recebidos 525 mil.Se posicionar contra a proposta sob o argumento de desrespeito à competência da iniciativa soa mais como atestado de confissão de quem deveria fazê-lo e se omitiu. Aliás, em se tratando de emenda constitucional não há que se falar em vício de iniciativa. Enfim, não se trata de uma atuação “sorrateira”. Representa, acima de tudo, um compromisso com o aprimoramento da Justiça Federal no Brasil e com o cidadão que reclama por uma justiça mais próxima e ágil.
O PRINCÍPIO DA OPERABILIDADE E A EQUIDADE COMO INSTRUMENTOS DE TUTELA JURISDICIONAL EFETIVASirlei Martins da CostaJuíza Titular da 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Goiânia/GO, especialista em Direito Civil e Processo Civil. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.RESUMO: O presente trabalho pretende fazer uma análise acerca da aplicação do princípio-norma da operabilidade e da equidade como instrumentos de efetivação do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva no processo civil moderno. O estudo passa pela defesa da ideia de que a interpretação da norma processual deve estar em compasso com o direito fundamental à tutela jurisdicional, sob pena de não se resguardar direitos amparados no sistema normativo. Desta forma, é preciso encontrar a técnica processual adequada e, para tanto, necessário se faz contornar o quanto possível as imperfeições da Lei, o que somente é possível se houver refutação da interpretação literal da lei ou sua aplicação mecânica, o que implica na observância do princípio da operabilidade e na aplicação da equidade de maneira mais ampla do que normalmente se extrai da interpretação literal do artigo 127 do CPC.PALAVRAS CHAVE: direito fundamental; tutela jurisdicional; princípio da operabilidade; norma aberta; equidade.SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Direitos Fundamentais. 3 Direito Fundamental a Tutela Jurisdicional Efetiva. 4 Princípio da Operabilidade. 5 Normas Abertas. 6 Normas Processuais Abertas no Projeto do CPC (PL 166/2010). 7 Equidade. 8 Equidade Como Elemento de Integração da Norma Aberta. 9 Conclusão. 1. INTRODUÇÃO A elaboração do presente trabalho objetiva tratar das questões relativas à aplicação do princípio da operabilidade e da equidade como formas de garantia do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva incide sobre o legislador e também sobre o juiz. Na elaboração da norma, o legislador é obrigado a instituir técnicas e procedimentos que permitam a realização dos direitos materiais. O problema é que as relações sociais se tornam mais complexas a cada dia e, diante desta realidade, é quase impossível a previsão de tantas regras processuais que amparem sob medida todos os direitos materiais previstos no ordenamento.As garantias individuais e os direitos fundamentais foram ampliados a partir de leis que entraram em vigência depois da Promulgação da Constituição Federal. Neste aspecto, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90 de 11-9-1990) e o Estatuto da Criança e do Adolescente ( Lei 8.069 de 13-7-1990) foram marcos.O Código Civil (Lei 10.406 de 10-01-2002), cuja vigência se deu a partir de janeiro de 2003, representou um ponto de partida na instituição de novos paradigmas que passaram a nortear as relações privadas. Houve, com referida Lei, verdadeira mudança de premissa axiológica, uma vez que o Código Civil de 1916 foi concebido a partir de uma feição nitidamente individualista, ainda como expressão da concepção político-filosófica vigorante depois do triunfo da Revolução Francesa, sendo o homem o centro do mundo e capaz, com sua vontade e sua razão, de ordená-lo. Por isso, se consagrou o primado da vontade e submeteu os contratantes ao que constava da avença, devendo esta ser interpretada de acordo com a intenção das partes. Os contratos eram regidos pelos princípios da (1) liberdade contratual; (2) obrigatoriedade do contrato (pacta sunt servanda); e (3) relatividade dos efeitos contratuais. Valia, portanto, o que era expresso pelos contratantes, como se estes sempre estivessem em condições de igualdade no momento da celebração.Em outras palavras, as partes podiam celebrar contratos como quisessem e eram obrigadas a cumprir o pactuado, desde que observados os limites legais e seus efeitos não atingissem estranhos ao contrato. Esta forma de construção encontra-se dentro do modelo social ultrapassada.O atual Código Civil abandonou o modelo fechado e adotou cláusulas gerais, o que possibilita ao juiz menos apego à norma escrita e maior possibilidade de julgar segundo a ética, costumes e princípios gerais. No tocante ao contrato, o Código adotou o princípio da função social, conforme se vê no artigo 421.A partir do Código Civil vigente, outras leis sugiram, sobretudo no âmbito do Direito de Família, revelando quase sempre perfil ajustado à filosofia político-constitucional, enfatizando os princípios da sociabilidade, eticidade, operabilidade e concretude, todos consolidados no Código Civil. Tudo isso consolida avanços normativos no âmbito do direito material que, se bem compreendidos e aplicados pelos operadores, tornarão realidade as metas de efetivação dos princípios mencionados. Contudo, o direito processual necessita seguir no mesmo compasso, o que demanda que os princípios já referidos sejam norteadores também do processo civil.Não há como se pensar na realização dos referidos direitos senão por meio da jurisdição que assenta seus alicerces no direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.É preciso, portanto, encontrar a técnica processual adequada e, para tanto, necessário se faz contornar o quanto possível as imperfeições da lei, o que somente é possível se houver refutação da interpretação literal da lei ou sua aplicação mecânica sempre que a redação estiver em descompasso com os princípios constitucionais.O emprego de normas abertas, apesar de toda discussão que elas despertam, é uma tendência legislativa que visa ao enfrentamento da amplitude que o novo arcabouço de garantias representa para o processo.O Código de Processo Civil (Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973) em vigor se mostrou circunscrito ao tratar das normas abertas. Pode se relacionar os artigos 14, II, 461 e 789.O Projeto do Novo Código de Processo Civil, em andamento no Congresso Nacional, reforça a tendência de ampliação das cláusulas gerais âmbito do Processo civil, na medida em que alarga as hipóteses de contemplação do instrumento.No exercício de interpretação das cláusulas gerais no âmbito do Processo Civil é possível maior contemplação da gama de direitos e garantias que se respaldam na Constituição Federal, em princípios gerais e em leis que também vigem a partir de princípios norteados pela eticidade, operabilidade e sociabilidade. Para que isso ocorra, entretanto, o magistrado deverá contemplar e exercer com todo rigor o princípio da operabilidade, o qual deve estar respaldado por outros princípios constitucionais.Não há dúvida de que o processo deve servir ao fim maior que é a efetiva entrega do bem da vida. Contudo, também é certo que as limitações existem e podem servir de empecilho para a efetividade que se espera do processo. As limitações podem ser compreendidas na seguinte ordem: a) Ausência de estrutura adequada, ante a falta de juizes, servidores e defensores públicos suficientes frente às demandas; b) Falta de condições físicas adequadas para atender a demanda; c) Leis de organizações judiciárias mal elaboradas e promovedoras de mais embaraços no desenvolvimento do processo, principalmente em razão de regras de distribuição inadequada; d) Leis processuais pouco eficientes para atender e amparar a diversidade de hipóteses de busca por direitos; e) Leis processuais muito rígidas, o que limita a possibilidade do juiz adaptá-las às exigências encontradas na prática judicante; f) Pouca disposição dos magistrados para inovarem e buscarem a técnica processual mais eficiente diante do caso concreto.O enfrentamento de alguns dos problemas acima relacionados exige a observância do princípio da operabilidade, sendo esta definida como a habilidade de manter um sistema em funcionamento dentro de requisitos operacionais pré-estabelecidos.O princípio da operabilidade deve ser visto como exercício de prática processual que afasta todos os atos processuais que não tenham objetivo prático a determinar a realização da entrega da prestação jurisdicional. Em outras palavras, os atos processuais devem ser realizados sempre visando à concretização da jurisdição.Tal exercício pressupõe a busca de uma jurisdição que supere o simples julgamento do processo em trâmite. Além do julgamento em tempo razoável, deve se perseguir o ideal de justiça que não pode se restringir ao âmbito do direito material. O ideal de justiça deve impregnar toda a prática do processo, já que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva pressupõe acesso ao judiciário, duração razoável do processo e julgamento justo.Para se chegar ao julgamento justo, a equidade deve ser tratada como instrumento de hermenêutica jurídica, o que pressupõe a releitura da morma contemplada no art. 127 do Código de Processo Civil, atribuindo-lhe interpretação que vá além da literal, segundo a qual o juiz só decidirá por equidade “nos casos previstos em lei”.2. DIREITOS FUNDAMENTAISNão se pretende aqui tratar do desenvolvimento das várias teorias dos direitos fundamentais, concebidas por inúmeros juristas, e tampouco tratar das divergências de suas teorias.O tema Direitos Fundamentais é por demais amplo e o que se fará aqui é apenas uma introdução à matéria sem o aprofundamento que o título exige, pois para tanto seria necessário que o presente trabalho se incumbisse apenas dos Direitos Fundamentais, mas a pretensão é de enfrentamento de temas correlatos, conforme exposto na introdução.Denomina-se direitos fundamentais porque “repercutem sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade, quando se diz que possuem uma fundamentalidade material”, no dizer de Ingo Wolfgang Sarlet, citado por Marinone1. É possível afirmar, portanto, que os direitos fundamentais estão ligados à ideia de fundamentalidade humana.Os doutrinadores costumam tratar dos direitos fundamentais no aspecto formal e material. A primeira está relacionada ao sistema constitucional positivo e, no direito brasileiro, estão catalogados sob o Título II da CF/88, sob a rubrica “Dos direitos e garantias fundamentais”, embora se admita a existência de direitos fundamentais não previstos nesse Título, como é o caso do direito ao meio ambiente2.Vale lembrar ainda que a Carta Magna no artigo 5º afirma no § 2º que: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”A fundamentalidade material parte da premissa de que os direitos fundamentais repercutem sobre a estrutura do Estado e da sociedade. A caracterização de um direito fundamental sob o aspecto material depende da análise de seu conteúdo, isto é, “da circunstância de terem, ou não, decisões fundamentais sobre a estrutura do Estado e da sociedade, de modo especial, porém, no que diz com a posição nesse ocupada pela pessoa humana.3A Constituição Federal cuida dos direitos fundamentais atribuindo-lhes garantias especiais. Assim o faz, por exemplo, quando determina que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (art. 5º, § 1º, CF) e também quando os arrola dentre as cláusulas pétreas (art. 60, CF).De qualquer forma, as normas estabelecedoras de direitos fundamentais consolidam valores, os quais incidem sobre a totalidade do ordenamento jurídico e definem norte para as incumbências dos poderes legislativo, executivo e judiciário.3. DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA No Direito brasileiro, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva está explicitamente contemplado no texto constitucional, no art. 5º XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.A norma constitucional determina que haverá garantia, pelo Estado, de todos direitos da pessoa. Assim como cabe ao Estado outorgar os direitos ao indivíduo e à coletividade, também lhe incumbe a obrigação de garantir e proteger referidos direitos.De fato, o direito à tutela jurisdicional não poderia deixar de ser pensado como fundamental porque é decorrente da própria existência de direitos, sem estes, não haveria que se preocupar com sua possível lesão ou ameaça. A tutela jurisdicional também é consectário da proibição de autotutela.A tutela jurisdicional efetiva requer o aparelhamento estatal no sentido de permitir o ingresso no judiciário de todos que supõe haver sofrido lesão ou ameaça a direito. O acesso somente é possível mediante a instauração de defensoria pública em todas as unidades da federação, ideal este que ainda não se concretizou no Brasil.O acesso ao judiciário não pode ser enxergado apenas como entrada ou formulação do pedido ao juízo. Acesso deve ser entendido como ingresso com vista a obter do judiciário a resposta possível diante do caso concreto em tempo razoável, princípio este que foi inserido na constituição por meio da emenda 45/2004 e está insculpido no inciso LXXVIII do art. 5º.A ideia de jurisdição efetiva compreende julgamento e cumprimento do julgado em tempo razoável. A depender da situação concreta, o julgamento deve inclusive ter caráter preventivo, se necessária for a medida para resguardar direito material. Todas estas ideias, já tão consolidadas no momento atual derivam da premissa de que o objetivo da jurisdição é de atender às necessidades do direito material.É preciso, portanto, encontrar a técnica processual adequada e, para tanto, necessário se faz contornar o quanto possível as imperfeições da lei. Não se trata de afastar a lei. Cuida sim da sustentação de que as normas processuais devem ser menos rigorosas no tocante ao estabelecimento do procedimento. Quando o procedimento é traçado de forma rigorosa, como se fosse possível encaixar dentro dele todas as pretensões que podem ser formuladas ante a lesão ou ameaça de direito, inevitavelmente se estabelece o engessamento das possibilidades de atuação do magistrado e muitas vezes isso impede que o processo sirva ao seu objetivo.Jurisdição efetiva, portanto, é aquela em que, além de manter abertas as porta para o fácil acesso do jurisdicionado, promova, em tempo razoável, o julgamento. Não se trata apenas de mérito, mas também das medidas cautelares e tutelas de urgência, de maneira a possibilitar o exercício do direito material previsto no ordenamento jurídico do País.4. PRINCÍPIO DA OPERABILIDADEO princípio da operabilidade deve ser entendido como o objetivo de simplificar e de afastar toda complexidade. A ideia é exatamente a de promover o resultado ou fazer acontecer.O exercício do princípio da operabilidade perpassa pelo emprego de procedimento simplificado e célere que facilite o alcance do objetivo do processo.O princípio da operabilidade dá ao juiz maior amplitude interpretativa da norma porque a realização da entrega jurisdicional está intimamente ligada à ideia de equilíbrio e este deve ser buscado nas próprias relações geradoras do conflito. A análise delas deve ocorrer por uma perspectiva muito mais centrada na peculiaridade de cada caso concreto, o que vem sendo possível por meio de cláusulas abertas, as quais exigem hermenêutica social de cada situação.A partir do princípio da operabilidade, pensa-se o processo como mecanismo de acesso ao judiciário e obtenção de julgamento justo, sendo este visto como o julgamento que é fundamentado criteriosamente no ordenamento jurídico e realizado em tempo razoável.Por tempo razoável, deve-se entender aquele que não frustra a expectativa de direito do sujeito, englobando as tutelas definitivas e preventivas.A norma prevista no parágrafo único do artigo 28 do Projeto de Lei nº 166/2010 é a manifestação legal mais evidente do acolhimento do princípio da operabilidade da norma processual: segundo referido dispositivo, para evitar perecimento de direito, as medidas urgentes poderão ser concedidas por juízo incompetente.5. NORMAS ABERTASAs cláusulas abertas são normas jurídicas incorporadoras de um princípio ético orientador do juiz na solução do caso concreto. Trata-se de norma a ser preenchida com conteúdo que passa pela exegese do magistrado. Todavia, há limitação da possível discricionariedade porque as decisões necessariamente devem estar fundamentadas.O atual Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor foram os primeiros a adotar as cláusulas gerais, o que possibilita ao juiz menos apego à norma escrita e maior possibilidade de julgar segundo costumes e princípios gerais.O emprego de normas abertas no âmbito do Processo Civil pretende viabilizar a realização do direito fundamental à tutela jurisdicional.É preciso pensar o processo a partir de instrumento eficiente para exercício de direitos e garantias. Para tanto, o emprego das normas abertas e o exercício constante da atividade equitativa do juiz são condições imprescindíveis.Para a adequada interpretação das normas abertas e seu preenchimento nos casos concretos, fundamental a formação mais constitucionalista do julgador, na qual a melhor interpretação da norma será sempre aquela capaz de atender às necessidades de direito material, e que confira a devida efetividade ao direito fundamental à tutela jurisdicional.Interpretar, portanto, consiste na atividade intelectual com vistas a descobrir o sentido e o alcance da norma. Os parâmetros para tal atividade baseiam em princípios que vigem no tempo e no espaço onde a norma será aplicada. Na sociedade moderna, nem mesmo a lei pode ser empecilho para a efetivação dos direitos e garantias prometidos no ordenamento, devendo este ser entendimento como o conjunto de regras e princípios capazes de garantir a concretização dos direitos fundamentais.Obviamente, não se pode esperar que o ideal aqui tratado seja alcançado a partir de um processo burocrático e engessado em normas rígidas. Como consequência disso, Carlos Maximiliano nos orienta que “não se pode restringir muito o papel do juiz em face dos Códigos. A sua função, como intérprete e aplicador do Direito, é necessariamente vasta e complexa; porque a lei deve regular os assuntos de um modo amplo, fixar princípios fecundos em consequências, e não estabelecer para cada relação da vida uma regra específica; não decide casos isolados, formula preceitos gerais”.4A normas abertas dão ao juiz o poder de utilizar a técnica processual adequada para atender a exigência do caso concreto. A obrigatoriedade de fundamentação afasta a possível crítica à exacerbada discricionariedade que poderia resultar do emprego das normas abertas. Neste sentido, é o ensinamento de Marinoni no artigo intitulado “A legitimado da atuação do juiz a partir do direito fundamental a tutela jurisdicional efetiva”:“Acontece que as normas processuais abertas não apenas conferem maior poder para a utilização dos instrumentos processuais, como também outorgam ao juiz o dever de demonstrar a idoneidade do seu uso, em vista da obviedade de que todo poder deve ser exercido de maneira legítima.”5Todo exercício de interpretação para preenchimento da norma aberta deve ter como norte o alcance da justiça e até o conceito de justiça e o valor que circunda tal conceito deve ser respaldado em fundamentação.6. NORMAS PROCESSUAIS ABERTAS NO PROJETO DO CPC O Projeto de Lei do novo Código de Processo Civil em andamento no Congresso Nacional é muito mais fecundo na previsão de cláusulas abertas do que o atual Código de Processo Civil. Embora o Projeto ainda esteja na fase de tramitação, já é possível constatar a tendência de alargamento da atuação do juiz em função do aumento das cláusulas abertas.O artigo primeiro do projeto tem a seguinte redação: “Art. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.” Grifei.Prevê ainda referido projeto de lei:“Art. 6º Ao aplicar a lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, observando sempre os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.”São artigos que necessariamente deverão ser aplicados a partir do princípio ético orientador do juiz. No último artigo citado, a palavra eficiência deve ser interpretada a partir do principio da operabilidade da norma processual.O artigo 7º revela o quanto o procedimento se torna mais maleável, devendo sempre garantir o contraditório, sem o qual não é possível o julgamento justo:“Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz velar pela efetivo contraditório em casos de hipossuficiência técnica.”O presente artigo não comporta comparação mais aprofundada das normas, mas a partir dos artigos acima citados, já é possível perceber o quanto o Novo Código de Processo Civil deverá ser mais fecundo em normas abertas e o quanto isso importará em atividade interpretativa mais vasta e mais autonômica por parte do magistrado.7. EQUIDADEO instituto da equidade e sua importância para a hermenêutica jurídica passou a ser tema recorrente em artigos científicos. Está havendo, no meio doutrinário, aguçado empenho para se solucionar eventuais conflitos entre o artigo 127 do Código de Processo Civil e a equidade que sempre deve nortear o aplicador do Direito.O conceito de equidade está intimamente relacionado às concepções jurídico-filosóficas. Segundo Maria Helena Diniz, o “termo 'equidade' não é unívoco, pois não se aplica a uma só realidade, nem tão pouco equívoco, já que não designa duas ou mais realidade conexas ou relacionadas entre si. Tem a equidade sido, de uma certa forma, entendida como um direito natural em suas várias concepções.”6Alípio Silveira trabalhando o conceito de equidade traz a seguinte explicação:“sob o ponto de vista racional, a equidade vem a equiparar-se ao próprio fundamento do direito e da justiça, fundamento esse que varia com as várias doutrinas jurídico-filosóficas: direito natural (em suas várias concepções), direito justo, direito racional; trata-se de um fundamento de caráter valorativo ou deontológico. Quanto ao ponto de vista social, a equidade considera a realidade social subjacente”7A partir das explanações acima, e também das várias conceituações encontradas na doutrina, é possível concluir que equidade é a busca do razoável com o fim de aplicar a justiça no caso concreto.A ideia de equidade está relacionada a aplicação da norma com o fim de promover a justiça. Isso não supõe que o Direito, enquanto ciência, pudesse conduzir ao injusto. A norma é que em algumas situações pode estar em descompasso com o justo, que é sempre um conceito cultural, variável no espaço-tempo.Prevê o artigo 5º da Lei de Introdução a Norma do Direito Brasileiro (Lei 4.657 de 04-09-1942) que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Referido dispositivo legal trata propriamente da equidade e outorga ao magistrado inclusive o poder de deixar de aplicar norma ou até mesmo julgar “contra legem” desde que atenda aos fins sociais e ao bem comum, pois estes são, sempre, o objetivo do Direito.A interpretação do artigo 5º em consonância com os princípios norteadores dos direitos fundamentais impõe a conclusão de que o aplicador do Direito deve utilizar da equidade sempre, não havendo que esgotar as hipóteses elencadas no artigo 4º da referida Lei (analogia, costume e princípios gerais do direito).Da mesma forma, a interpretação do artigo 127 do Código de Processo Civil (CPC), que prevê que “O juiz só decidirá por equidade nos casos expressos em lei” não deve conduzir à conclusão de que o juiz só pode se valer da equidade quando a própria lei lhe conferir tal faculdade.Para começar, “lei” deve ser entendida como ordenamento jurídico e não apenas lei no aspecto estricto senso. Ademais, tal autorização não deve necessariamente estar explicita caso a caso: muitas vezes pode estar implícita no ordenamento jurídico. Em verdade, sempre que o julgador se vê diante de uma norma aberta ou de uma norma de conceito aberto deve se valer da equidade, que deve ser constantemente empregada como exegese da norma aberta.A equidade somente não deve ser aplicada pelo interprete da norma quando esta for inflexível, como é o caso do artigo 1829 do Código Civil (CC).Segundo lição de Limongi França, citado por Maria Helena Diniz, “a despeito da existência de casos de autorização expressa em lei, concernente ao uso da equidade, essa autorização não é indispensável, uma vez que não apenas pode ser implícita, como ainda o recurso a ela decorre do sistema do direito natural.”88. EQUIDADE COMO ELEMENTO DE INTEGRAÇÃO DA NORMA ABERTAPara muitos autores, dentre eles Dilvanir José da Costa, Maria Helena Diniz, Alípio Silveira e José de Aguar Dias, equidade é elemento de integração do Direito. Veja-se ensinamento de Maria Helena Diniz:“A equidade, no nosso entender, é elemento de integração, pois consiste, uma vez esgotados os mecanismos previstos no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, em restituir à norma, a que acaso falte, por imprecisão de seu texto ou por imprevisão de certa circunstância fática, a exata avaliação da situação a que corresponde, a flexibilidade necessária à sua aplicação, afastando, por imposição do seu fim social, o risco de convertê-la num instrumento iníquo.A equidade exerce função integrativa na decisão: a) dos casos especiais que o próprio legislador deixa, propositadamente, omissos, isto é, no preenchimento das lacunas voluntárias, ou seja, daquelas hipóteses, que já mencionamos, em que a própria norma remete ao órgão judicante a utilização da equidade; e b) dos casos que, modo involuntário, escapam à previsão do elaborador da norma; por mais que se queira abranger todos os casos, ficam sempre omissas dadas circunstâncias, surgindo, então, lacunas involuntárias, que devem ser preenchidas pela analogia, costume, princípios gerais de direito, sendo que, na insuficiência desses instrumentos se deverá recorrer à equidade. A equidade seria o sentimento do justo concreto, em harmonia com as circunstâncias e com o caso sub judice. É o recuso intuitivo das exigências da justiça, em caso de omissão normativa, buscando efeitos presumíveis das soluções encontradas para aquele conflito de interesse não normado.”9Portanto, a equidade deve ser empregada como elemento de integração da norma aberta, como mecanismo capaz de garantir que tal técnica legislativa conduza a um sistema mais justo.No direito processual civil, a norma aberta deve ser empregada sempre como forma de não engessamento dos procedimentos e como meio de permitir ao magistrado maior flexibilidade da norma. Isso não se confunde com ausência de regra procedimental. Trata-se tão somente de permitir maior amplitude, de modo a permitir que a norma processual seja capaz de atender ao seu objetivo, que é a tutela jurisdicional efetiva.O emprego das normas abertas no âmbito do Direito Processual deve servir de ferramenta à garantia do direito fundamental à jurisdição efetiva e a integração da norma aberta deve se dar com a equidade, que nada mais é que a realização da justiça no caso concreto.Neste sentido, ensinamento de Alípio Silveira:“Para que uma ordem jurídica funcione, e sobretudo para que funcione satisfatoriamente, é muitas vezes indispensável recorrer a princípios ou critérios não formulados explicitamente, a critérios implícitos, mas que devem operar como postulados inelutáveis.”109. CONCLUSÃOA diversidade e a complexidade das relações humanas no atual momento da sociedade gera uma amplitude de possibilidades de lesão a direitos que não se conhecia em outras fases da sociedade. Os direitos materiais, por sua vez, são tão amplos que a norma processual completamente fechada ou totalmente inflexível pode dificultar ou até mesmo impedir que o processo civil atenda ao seu objetivo primordial que é servir ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.A garantia do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva exige do legislador a elaboração de normas com vista a encontrar a melhor técnica processual e impõe ao magistrado o emprego do princípio da operabilidade como forma de simplificar o processo e torná-lo eficaz ao fim que se propõe.As normas abertas se apresentam como mecanismo capaz de dar maior flexibilidade ao processo e, por certo, promover a outorga dos direitos discutidos no processo de forma mais ágil e eficiente.No exercício de interpretação da norma processual aberta, o magistrado deve empregar a equidade como integração normativa, fundada no exercício da ponderação que resulte no julgamento justo do caso concreto.ABSTRACT:The present paper intends to analyze the application of the norm-principles of interoperability and equity as instruments of effectuation of the fundamental right to the jurisdictional tutelage in the modern civil process. The study defends the idea that the interpretation of the processual norm must be in step with the fundamental right to the jurisdictional tutelage, otherwise the rights sustained in the regulatory system shall not be protected. Therefore, it is necessary to find the convenient processual technique and, for this purpose, it is necessary to circumvent the law flaws as much as possible, what is feasible only if there is a rebuttal to the literal interpretation of the law or is mechanics interpretation, which implies the observance of the principle of interoperability and the application of equity in a wider way than it is normally extracted of the literal interpretation of the article 127 of the Civil Process Code.Keywords: fundamental right; jurisdictional tutelage; principle of interoperability; open norm; equity. 10. REFERÊNCIASBOBBIO, Norberto. Era dos direitos, 1ª ed. São Paulo: Ed. Campus, 2004.DINIZ, Maria Helena. As Lacunas no Direito, 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 11ª São Paulo:Saraiva, 1999.JÚNIOR, Freddie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. Salvador: ed. Podivm, 2007.MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito.Rio de Janeiro. Forense. 2008.MARINONI, Luiz Guilherme, Técnica processual e tutela de direitos, São Paulo, Ed. RT, 2004.MARINONI, Luiz Guilherme, Teoria Geral do Processo, São Paulo, Ed. RT, 3ª ed, 2009.MARINONI, Luiz Guilherme, O projeto do CPC – Crítica e propostas, São Paulo, Ed. RT, 2010.REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 3ª ed, 1999.ROBERT Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, Madrid, Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002.SILVEIRA, Alípio. Hermenêutica Jurídica – seus princípios e fundamentos no Direito Brasileiro. Vol. 1 e Vol. 4. São Paulo: Brasiliense, 1985.
Autor: Cláudio dell'Orto, presidente da AMAERJ - Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro.Justa remuneraçãoNo mundo real, onde as pessoas constituem famílias e precisam de justa remuneração para pagamento das contas que não cessam, uma adequada política remuneratória pelos serviços prestados é essencial.Justa remuneração é um direito de todo trabalhador. A Constituição Federal indica que o valor deve ser capaz de assegurar, no mínimo, alimentação, moradia, saúde e educação. Além disso, deve ser recompensado o investimento necessário para a formação de um bom profissional. Qualificação somente se adquire com exaustivo treinamento que demanda, conforme a atividade profissional, longo período de tempo.No Brasil, empresas privadas, públicas e o governo adotaram um sistema em que a remuneração é integrada por várias verbas autônomas vinculadas a alguns objetivos como alimentação, moradia e saúde. Este sistema é apontado por especialistas em recursos humanos como forma de incentivar os profissionais e estimulá-los a permanecer vinculados à entidade que investiu na sua formação, evitando evasão de talentos.Os magistrados, da mesma maneira que todos os profissionais, são submetidos a formação especial e deles se espera, além de profundo conhecimento técnico do Direito e das Leis, um especial comprometimento com realização dos objetivos fundamentais da República porque são membros de Poder de Estado, escolhidos através de rigoroso concurso público, acessível a qualquer brasileiro que se disponha a cumprir as várias etapas de preparação que podem durar vários anos.Os magistrados não podem desempenhar nenhuma outra atividade econômica, exceto um cargo de professor, o que exige que o sistema remuneratório dos Magistrados, membros do Poder Judiciário, seja um instrumento capaz de assegurar um nível de vida compatível com as responsabilidades lançadas pela sociedade nos milhões de processos que diariamente precisam ser decididos para que todos os brasileiros possam ter uma vida mais justa, reduzindo desigualdades sociais.Uma remuneração adequada certamente permitirá que os brasileiros disponham de um Judiciário melhor porque os melhores profissionais não serão estimulados a migrar para outras áreas do Direito onde os salários e vantagens financeiras sejam mais atraentes. Os estudantes de Direito, sabendo que a Magistratura é bem remunerada terão mais um estímulo para se dedicarem ao estudo aprofundado das Leis e do Direito. Os magistrados que já acumulam experiência no serviço jurisdicional trabalharão com a certeza de que suas famílias terão uma vida compatível com a responsabilidade das atividades que exercem e que as despesas poderão ser quitadas sem problemas.Neste quadro, é lamentável, que numa interpretação distorcida se levantem maledicências contra uma conquista da magistratura brasileira que se denominou de auxílio-alimentação. Os magistrados lutaram por um direito reconhecido a praticamente todos os trabalhadores e a outras carreiras de Estado e, após, uma longa querela obtiveram a simetria ao Ministério Público. Portanto, se o auxílio-alimentação deixou de ser pago no momento em que era devido, nada mais justo que ocorra a quitação dos valores atrasados. Exatamente como decidem os juízes brasileiros em favor de milhões de trabalhadores, aposentados e pensionistas que diariamente precisam de ordem judicial para receber aquilo que não lhes foi pago no momento certo.Defendemos que todos os brasileiros, inclusive os Magistrados, recebam remuneração adequada e que se algum valor não lhes for pago no tempo oportuno que o responsável seja condenado ao integral pagamento da conta.Uma Justiça independente e eficiente precisa ser bem remunerada!
Autor: Jairo Ferreira Júnior, Juiz Substituto.Tema por demais intricado é a circunstância da maioridade civil em face à hipótese de exoneração de alimentos, haja vista que, com a entrada em vigor do novo Código Civil e por força da falta de informações de alguns, surgiu a ideia de eficácia automática da cessação da responsabilidade do dever de alimentar, o que não pode ser implementado “a ferro e fogo”. Sabe-se que, pelo novo diploma jurídico (art. 5º), aquele que completar 18 anos atingirá a maioridade. Portanto, e nesse diapasão, apto ao exercício de todos os atos da vida civil. De outro norte, compete aos pais o dever de sustentar seus filhos, sendo esta uma especial responsabilidade advinda do poder familiar (artigos 1.566, IV e 1.724 do CC), a qual cessa, por regra, com a maioridade alcançada (artigo 1.635, II, do CC). Referida obrigação possui escopo também na Constituição Federal, o que pode ser verificado na previsão disposta no artigo 22 da Lei nº 8.069/90. Deste modo, é certo que há um franco conforto entre a maioridade atual e o dever de alimentar, o qual, repita-se, cessa diante da extinção do poder familiar que, por sua vez, decorre da maioridade alcançada.Nos casos de separação judicial ou divórcio, impõe-se aos pais o dever de prestar alimentos aos filhos menores, sendo que, nem sempre, a relação que se finda é permeada de cordialidade e afeto, deixando, em muitos casos, estilhaços na vida dos pais que acabam por refletir no sustento e educação dos filhos. Quando nos deparamos com esta situação, malgrado o constrangimento que encerra, o cônjuge responsável pelo pagamento da pensão alimentícia, por vezes, anseia pela expectativa de, tão-logo possível exonerar-se da responsabilidade imposta legalmente junto aos filhos menores, o que vem ao encontro da previsão de maioridade antecipada pelo novo Código Civil, de 21 anos para 18 anos. Ocorre que o alcance da maioridade não implica em imediata exoneração da obrigação de o pai prestar alimentos ao filho, pois que, em muitos casos, o filho ao atingir a maioridade continua a depender economicamente do prestador de alimentos.Nesta seara e sempre que o filho estiver voltado para os estudos, em especial em academia superior, é salutar a necessidade de se prorrogar a dependência econômica aliada à continuidade do dever de alimentar, posto ser a causa justa e nobre. Insta ressaltar, porém, que o sopesamento da continuidade de prestar alimentos, ainda que o filho atinja a maioridade, deve estar atrelado à disciplina estudantil do mesmo, não sendo razoável a permanência da obrigatoriedade quando se tratar de simples capricho ou de flagrante desestímulo ao trabalho capaz de angariar o seu próprio sustento. A propósito o filho maior que ainda não se graduou em curso superior, não exerce atividade lucrativa e em verdade dedica seu tempo às noitadas, boates, farras e bebedeiras, ao passo que o pai sofre para manter a luxúria e pouco caso do filho ingrato. Nesta linha de pensamento, eximir-se-á o filho de assumir um trabalho e manter-se com o fruto do seu próprio labor tão-somente quando fizer jus à benesse de ser alimentado, sempre que estiver percorrendo as trilhas do saber profissionalizante.Ao jovem que, ao atingir a maioridade, não demonstrar qualquer interesse acadêmico, não é razoável nem aconselhável o direito aos alimentos, nuance essa que não pode passar despercebida aos olhos do judiciário. A vida em sociedade, ainda que no âmbito familiar, reclama ponderações diante de cada caso concreto, competindo ao julgador avaliar, inter-partes, as verdadeiras justificativas, hábeis ou não, que podem embasar o pleito de prorrogação do dever de alimentar, sob pena de incentivo ao ócio. Destarte e em conclusão, tem-se que o dever de alimentar não pode cessar de forma automática quando o filho atingir a maioridade, posto que a orientação nos estudos continua sendo dever dos pais, não obstante a extinção do poder familiar.Referida circunstância há de ser condicionada, porém, à vontade do filho de, verdadeiramente, valorar os alimentos recebidos, de forma a engrandecer-se pessoalmente, caso contrário, deverá o mesmo arcar com as custas do seu próprio sustento, em nome da valorização de ordem moral e principiológica que devem nortear o espírito de cada um. S. He-GO, 26/9/07.
Ezequiel Morais é autor e coautor de várias obras jurídicas, dentre elas “Código de Defesa do Consumidor Comentado” (Edt. RT) e “Contratos de Crédito Bancário e de Crédito Rural – Questões Polêmicas” (Edt. Método). Advogado. Professor em diversos cursos de pós-graduação. Coordenador do Instituto de Especialização (IESPE/RTG). Membro de bancas examinadoras de concursos públicos. Palestrante.Recentemente, o jornal Folha de São Paulo veiculou uma notícia sob o título “Coca-Cola rompe contrato com Ronaldinho após meia aparecer com Pepsi”. O fato ganhou repercussão nacional e internacional, merecendo aqui algumas breves e informais considerações. Vamos lá.Eis a nota da Coca-Cola: "A Coca-Cola Brasil reconhece a trajetória e o valor do jogador Ronaldinho Gaúcho. No entanto, tendo em vista a significativa alteração das condições sob as quais foi selada a parceria, a continuidade da relação tornou-se inviável".Tal nota foi feita porque Ronaldinho Gaúcho – que tinha contrato de patrocínio com a Coca-Cola até 2014, segundo o referido jornal – rompeu o contrato ao aparecer na entrevista de apresentação do seu novo clube em Belo Horizonte (Atlético-MG) junto a algumas latas de Pepsi, como se estivesse a beber o refrigerante da empresa concorrente da Coca-Cola.Bem, analiso o ocorrido sob a ótica do Direito – especificamente do Direito Contratual. Antes, lembro-me do famoso “caso Zeca Pagodinho” (Cerveja Brahma x Cerveja Nova Schin). Recordam-se da “traição”? Pois é, não é a primeira vez e nem será a última.Talvez, Ronaldinho Gaúcho possa ter sido ingênuo; talvez, possa ter se esquecido da sua obrigação junto à Coca-Cola – não havendo, pois, em ambas as hipóteses, incidência da má-fé na relação contratual.Ou talvez seja possível (reafirmo: possível!) que o jogador (até mesmo pelo seu histórico no futebol) tenha quebrado o contrato com a Coca-Cola propositadamente, no afã de firmar – se já não o fizera – outro contrato de maior valor com a empresa concorrente (Pepsi).Aliás, essa atitude – leia-se suposta intenção – do jogador (se realmente for constatada) tem nome e suporte: “Teoria do descumprimento eficaz” ou “Inadimplemento eficiente”; noutras palavras: “Efficient breach Theory”. Dita teoria surgiu primeiramente na década de 1970 nos EUA e “sugeriu a existência de uma quebra eficiente de contrato” no sentido de que o “inadimplemento de um contrato aumenta o bem estar social se os benefícios que a quebra contratual garante ao devedor são maiores do que as perdas geradas para o credor”.Logo, levando em consideração essa provável e premeditada quebra contratual por parte do mencionado jogador e analisando a eficiência na resolução (leia-se resilição/rescisão) do contrato, podemos prever a existência de custos de transação positivos.É, sem dúvida, caso seja confirmada a última hipótese descrita, uma “meia verdade” para Ronaldinho Gaúcho (trago à lembrança o poema intitulado “Verdade”, de Carlos Drummond de Andrade).Mas e quanto à outra “meia verdade”, que completará a “verdade inteira”?Ah... essa outra “meia verdade” pertence à Coca-Cola, que considera resolvido o contrato em razão da patente inadimplência da outra parte e, por isso, tem o direito de pleitear indenização – mesmo na hipótese de ingenuidade ou esquecimento do jogador, visto que este adotou um comportamento surpresa e pode ter causado dano à imagem e dano material. Feriu-se a confiança – e a tutela jurídica geralmente ampara o contratante que teve a sua confiança violada. Não foram observados os deveres anexos ou acessórios de proteção, esclarecimento e lealdade; todos eles estão implícitos nos contratos, decorrem do princípio da boa-fé objetiva e geram expectativas de atitudes dos contratantes no sentido de cooperação.Portanto, a vontade e a base negocial (negócio jurídico + realidade) estão intimamente ligados, e a superveniente dissociação ou modificação dessa última, quando altera por demais as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, resulta em traumas que podem ferir a eqüidade, que podem gerar a revisão contratual (em homenagem ao princípio da conservação dos pactos) ou até mesmo a rescisão contratual. Ademais, na hipótese, a discrepância da realidade posterior com a da anterior à firmatura do contrato é chamada de alteração subsequente das circunstâncias.Nesse sentido, recordemo-nos que a vedação do comportamento contraditório (ou do comportamento surpresa) assegura a manutenção da situação de confiança criada nos negócios jurídicos. É regra de coerência, na qual é vedado que se aja em determinado momento de uma certa maneira e, depois, seja adotado um comportamento contrário à conduta inicial ou ao que foi estabelecido em contrato.Enfim, qualquer que seja a “meia verdade” levada em consideração ou qualquer que seja o ponto de vista adotado, surge, então, um dos vários problemas que devemos resolver no campo contratual. A propósito, friso sempre (valendo-me de Décio Zylbersztajn) que “na simbiose entre Direito e Economia, o maior problema a ser resolvido refere-se aos critérios. Enquanto o Direito vale-se da equidade, a Economia prioriza a eficiência”.Ezequiel MoraisPs: Sobre o inesquecível mestre Drummond? Aí vai o poema:VERDADE“A porta da verdade estava abertaMas só deixava passarmeia pessoa de cada vez.Assim não era possível atingir toda a verdade,porque a meia pessoa que entravasó conseguia o perfil de meia verdade.E sua segunda metadevoltava igualmente com meio perfil.E os meios perfis não coincidiamArrebentaram a porta. Derrubaram a porta.Chegaram ao lugar luminosoonde a verdade esplendia os seus fogos.Era dividida em duas metadesdiferentes uma da outra.Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.Nenhuma das duas era perfeitamente bela.E era preciso optar. Cada um optouconforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia”. Carlos Drummond de AndradeObs: “Este poema apareceu inicialmente no livro Corpo, de 1984, um ano antes da publicação de Contos Plausíveis. Entre as duas edições há ligeiras mudanças. Vale a pena observar essas alterações porque elas sempre revelam um pouco dos métodos de composição do poeta. Em Corpo (...), no terceiro verso da terceira estrofe, o que era ‘seus fogos’, passou a ser ‘os seus fogos’. Na mesma estrofe, o que antes era ‘metades’ transformou-se em ‘duas metades’. Na última estrofe, em lugar de ‘perfeitamente bela’, como se lê, estava ‘totalmente bela’. O trecho ‘E carecia optar’ evoluiu para ‘E era preciso optar’. A frase final permaneceu a mesma, mas a palavra ‘conforme’ pertencia, antes, ao penúltimo verso. (Drummond: 100 anos, Carlos Machado, 2002)”. Disponível em: <http://www.algumapoesia.com.br/drummond/drummond02.htm>. Acesso em: 5 julho de 2012.
Autor: Mateus Milhomem de Sousa é Juiz de Direito do 1º Juizado Criminal de Anápolis-GO.A formação cultural de qualquer povo envolve um complexo conjunto de fatores e informações, que deságuam na educação formal.Nessa esteira, assunto dos mais relevantes, não apenas quando se leva em conta a divisão dos povos por etnias, mas também quando tratamos apenas do indivíduo em si, independentemente da nacionalidade, é a educação financeira.O tema remonta aos primórdios da civilização, tendo seus alicerces e origens relacionados ao escambo, prática que evoluiu para as trocas com moeda, usada até hoje como forma de representação de valores e transações gerais, especialmente a compra e venda.Nem as religiões, que precipuamente cuidam de assuntos ligados à moral, à ética e à fé, deixam de abordar a questão da educação financeira, tamanha a sua importância. Basta notar que o texto bíblico (aproximadamente dois mil anos), em várias passagens, enfrenta os temas da riqueza ou do dinheiro, o que demonstra o quão ligado ao homem sempre estiveram.Sem embargo, é possível concluir que a economia é elemento básico e essencial a qualquer povo, estado ou nação. Os países desenvolvidos possuem tal título graças, principalmente, a fatores de ordem econômica, pois administraram bem seus valores e riquezas, cuidando especialmente de seus negócios e, consequentemente, educando a população nesse sentido.Assim, a educação financeira é determinante mesmo em países com enorme poderio e desenvolvimento econômico, como os Estados Unidos, que esteve recentemente submetido a intempéries relacionadas exclusivamente a particularidades de sua economia. Vale lembrar o fenômeno ocorrido naquele país, em 2008, quando um importante desequilíbrio financeiro relacionado ao mercado imobiliário foi capaz de abalar toda a potente economia norte-americana e, em consequência, a mundial. O fenômeno, na época, foi denominado pela mídia internacional como “Bolha Imobiliária” e consistiu em um tremendo descompasso entre as manobras ambiciosas do mercado e a realidade financeira.O assunto não deixa de ser importante para o cidadão, isoladamente. Com a abundante oferta de créditos e bens existentes em nosso mercado, próprios do capitalismo, observa-se que a maioria das pessoas tem extrema dificuldade em lidar com seus orçamentos, se colocando em situações delicadas, até vexatórias, em decorrência de uma vida financeira mal administrada, em detrimento de si, da família e, em última análise, da própria instituição que ofereceu o crédito.Uma reação em cadeia é disparada. A inadimplência aumenta e é levada ao Judiciário, que possui pouca infraestrutura para absorver esta elevadíssima demanda, gerando maior descrédito à Justiça. A instituição que terá prejuízo com a inadimplência, por sua vez, tentará repassar essa diferença adiante com o aumento das taxas de juros, o que piora ainda mais o quadro de desequilíbrio orçamentário.Forçoso admitir que o capital exerce um poder muito grande sobre os homens, sendo capaz de definir o destino das pessoas, dos povos e das nações. No tocante ao orçamento doméstico, a problemática é a mesma, e o indivíduo poderá causar uma série de transtornos e dissabores a todos, família e sociedade, a partir do momento em que não atua com consciência e planejamento ao realizar suas transações financeiras.O consumismo entra nesse contexto de discussão. As pessoas, devido à falta de conhecimento específico, abusam de seu poder de compra e de crédito, ao passo que deveriam ter a consciência voltada a nivelar a necessidade de compra à importância da poupança, buscando, com esse entendimento, conquistar o equilíbrio financeiro e evitar problemas futuros e, numa próxima fase, tornar-se um investidor.A problemática não é atual, ao contrário, é antiquíssima. Acreditamos que o estado seja, talvez, o principal responsável por todo o quadro apresentado, na medida em que não se preocupa em proporcionar ao cidadão a devida instrução financeira e uma formação mais completa para o enfrentamento da vida cotidiana, preocupando-se primordialmente com os impostos a serem arrecadados, com a geração de empregos e com o giro da economia, mesmo que sem nenhum lastro de autossustentabilidade, o que transfere para as gerações futuras o custo de uma colheita política que é imediata.As grades escolares deveriam conter disciplinas relacionadas, ao menos, à economia doméstica, para que a formação do indivíduo contemplasse a oportunidade de aprender e entender a matemática de juros e o alerta para o perigo de assumir compromissos além de sua capacidade orçamentária. Do contrário, o cidadão, em um dado momento, se vê totalmente endividado e só vai perceber a real situação tardiamente, quando já está totalmente comprometido e mergulhado em dívidas e problemas de toda ordem, que podem ocasionar todos os tipos de desatinos e, inclusive, disparar a criminalidade.A educação financeira adequada poderá mesmo prevenir crimes de adolescentes, ávidos por consumo e sem nenhuma experiência de vida, pois trará mais tranquilidade para que possam esperar o momento certo de poupar e de consumir, ao invés de deixá-los ao ritmo de aventurarem-se em drogas e assaltos. Por quantas vezes o criminoso conseguirá o dinheiro sem ser preso? Ocorrendo o pior, o lucro que teria sido conseguido compensou a investida delituosa? Estas são alguns questionamentos éticos que têm por base as finanças, a lei do custo-benefício, e que farão os jovens melhor avaliar seus primeiros objetivos financeiros.Os governos devem criar políticas para tentar acudir tais deficiências sociais, desde a mais tenra idade, pois se algo falta aos cidadãos de todos os matizes sociais é o mínimo de educação financeira, o que gera, embora não isoladamente, demanda frequente por aumentos de salários e mais inflação. Bem como corrupção, prostituição, perda de valores ético-morais, ganância desmedida, crimes contra o patrimônio, propaganda enganosa, agiotagem, ameaças, falsificações e uma série incrível de desarmonias severas.Sob este aspecto, imagina-se até que poderiam ser criados cursos rápidos de economia para a população interessada, em que um certificado identificaria a pessoa como capaz ou habilitada a realizar com mais precisão transações financeiras, principalmente no que diz respeito a empréstimos de maior prazo ou valor. Para os bancos, esta seria também medida interessante, pois quando da concessão de algum empréstimo ou financiamento, além da documentação de praxe, seria possível solicitar tal certificado de capacitação financeira, o que favoreceria a oferta de produtos e taxas de juros diferenciadas para aquele cliente.O tema é relevante. Devemos estar mais atentos a esse aspecto da formação econômica do cidadão, com vistas a implantar em nosso meio o conceito de crédito consciente, medida que seria de bom grado a todos, seja cidadão, seja Estado, seja instituição financeira. Basta ver os noticiários para notar que nosso povo está muito endividado, financeiramente aturdido e os governos não podem continuar inertes com a transformação de cidadãos de uma classe ativa em meros escravos financeiros e pagadores de carnês. Recente pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo apontou que cresceu o endividamento da população, e que o percentual de famílias endividadas chegou a 57,3%, no mês de junho de 2012.Diante disto, vale ressaltar o quão importante é a educação financeira, tema rico em reflexos, com repercussões, inclusive, sobre a saúde psíquica das pessoas. Não se constrói um povo civilizado, uma nação adiantada, sem a informação, sem o preparo contínuo de seus cidadãos.Por fim, a Justiça não foi estruturada para receber tamanha demanda de consignatórias, revisionais, busca e apreensão, cobranças e outras ações decorrentes do desequilíbrio financeiro, e a lei, muito burocratizada, padece de lógica e eficiência para solucionar este impasse. Sendo quase impossível receber uma dívida no Brasil, a sociedade sobrevive com um elevadíssimo custo financeiro girando a roda da desarmonia, a qual poderá descarrilar em gerações perdidas pelo descontrole financeiro.*Colaborou Áureo do Brasil Cunha, Servidor da Justiça.“A educação financeira é determinante, mesmo em países com enorme poderio e desenvolvimento econômico. Sendo quase impossível receber uma dívida no Brasil, nossa sociedade sobrevive com um elevadíssimo custo financeiro girando a roda da desarmonia, a qual poderá descarrilar em gerações perdidas pelo descontrole financeiro.”
Autor: Itaney Francisco Campos é desembargador do TJGO, diretor Cultural da ASMEGO, autor de Notícias Históricas do Bairro de CampinasOs naturais de Campinas e também aqueles que viveram ali parte de sua vida até por volta das primeiras décadas de 1980, quando tem início o grande processo de transformação da capital goiana, carregam consigo um alento d`alma, uma chama interior que se alimenta de saudade, afeto e orgulho em relação às tradições, aos costumes e à gente daquela comunidade. É o chamado sentimento campineiro, que leva seus cidadãos a resistirem às mudanças urbanísticas e culturais que devastam as mais caras tradições, os hábitos familiares e o perfil urbanístico da antiga cidadezinha, hoje um misto de bairro pujante, - com um comércio em polvorosa e um trânsito caótico -, e resquícios da vila bucólica que foi e que luta para preservar as feições arquitetônicas das décadas iniciais até os meados do século XX. Extrapolando o mero sentimento bairrista, esse estado anímico campineiro revela-se sobretudo no cultivo de sua história, no registro de suas lendas e vínculos familiares e exaltação de suas figuras políticas e empresariais. Há uma ambiguidade de sentimentos, em que se propugna pelo desenvolvimento e modernização do bairro, ao mesmo tempo em que não se quer ver desfeitos os casarios do começo do século, devastados os extensos quintais, repletos de árvores frutíferas, esgarçados os laços familiares e abandonados os rituais domésticos e religiosos. O deputado e escritor Gerson de Castro Costa antevia, em 1942, o futuro que se descortinava para a cidade, ao escrever o ensaio “Goiânia, a metrópole do oeste”, em que retratou bem a situação do bairro: “Campinas tem duas partes distintas pelo aspecto e pela tradição: a velha e a nova. Na primeira, que representa o passado, se encontra o casario branco e colonial, de quintais amplos e plantados de toda espécie de árvores frutíferas. Aí está em tudo o sabor romanesco das coisas antigas. Ruas menos largas e transitadas, oferecendo à alma humana a calma remansosa das vilas de outrora. A igreja católica, o convento dos redentoristas e o colégio Santa Clara incensam a atmosfera de uma religiosidade claustral e reconfortante. Na segunda, que foi construída dentro de alguns meses, está a vida agitada do século. Bares e restaurantes, casas de diversões, oficinas, chaminés, veiculos apressados e hotéis superlotados – aí se agita a massa cosmopolita que coopera no progresso de Goiânia.”A intensa verticalização dos setores nobres da capital, com adensamento populacional e aumento extraordinário da frota de veículos, aliada ao crescimento demográfico dos bairros, afetou também o Bairro de Campinas, que nos dias úteis se depara com sérios problemas de estacionamento. A exemplo do que ocorre nos grandes centros urbanos, a mobilidade da população é ameaçada diariamente pelo alto volume de veículos trafegando pelas estreitas artérias do bairro. O congestionamento no trânsito de veículos atormenta os moradores, sobremodo no horário comercial. A poluição sonora e visual, a invasão dos camelôs, a insegurança e a falta de espaços verdes somam-se à situação caótica do estacionamento, insuficiente para a quantidade de veículos particulares. Anda não se verificou ali o aparecimento incontrolável dos espigões e arranhacéus, de que são pródigos os bairros nobres da capital. Mas o setor enfrenta problemas que já parecem crônicos.Em “Campininha das Flores e sua história”, o articulista Paulo Roberto Prado assinala que “Campinas se transformou em um dos maiores pólos comerciais do Centro Oeste. É um shopping aberto, que ocupa ruas e avenidas igualmente ilustradas por inúmeras lojas e gente, muita gente”. E acrescenta: “Na Av. 24 de outubro é possível encontrar todos os grandes varejistas de móveis, vestuário e calçados, agências de todos os bancos e ainda clínicas e hospitais nas ruas paralelas. A avenida Castelo Branco é referência no país no ramo do agronegócio. Em seus longos quarteirões estão reunidas lojas que atendem o homem do campo em todas as suas necessidades”. Anota, ainda com propriedade, que “ a grande densidade comercial de Campinas, talvez a maior da região Centro-Oeste, fez do bairro um local diferenciado. São nichos de compras, por atacado ou a varejo, uma situação única em Goiânia. Com tamanha diversificação e a fama dos preços acessíveis, os consumidores surgiram, mas os moradores saíram. O êxodo foi provocado pela densidade comercial que tirou a qualidade de vida do lugar e pela valorização dos imóveis.Campinas, que já foi a singela Campininha, faz-se hoje campo de batalha em que se digladiam as forças irresistíveis do progresso, com o seu cortejo predatório, e a resistência preservacionista, com seus humores e amores das tradições e costumes. Uma luta hercúlea, da qual somos testemunhas oculares e protagonistas involuntários.
Autor: Jesseir Coelho de Alcântara, juiz de Direito e professorRecentemente acompanhamos o drama de um colega magistrado federal que estava na presidência de um processo criminal e pediu seu afastamento do caso sob a alegação de que estava se sentindo ameaçado. Com certeza não se sentia confortável e seguro para dirigir o feito de enorme repercussão nacional. Ele recebeu total apoio das associações de classe e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) diante do nefasto quadro apresentado. Pelo menos esse amparo chega, mesmo que capenga, nessas horas cruéis. Muitas vezes o juiz é um solitário e um ermitão e só é lembrado nesses momentos fatídicos.Alguns entendem que esse revés faz parte da profissão do julgador. Muito embora eu nunca ter sido ameaçado, penso que ninguém tem obrigação de colocar a cabeça na guilhotina, fruto da promessa de um mal que poderá advir oportunamente. O juiz é bem remunerado para trabalhar muito, não para sofrer infortúnios ou ser enterrado como herói. Evidente que ele passa por atribulações.Acredito que somente quem sofre uma ameaça, mesmo que velada, tem condições de aferir em seu íntimo o que isso pode representar para sua alma.Ora, juiz é um ser humano como qualquer outro mortal. Quem se aventura a ser super-homem pode se dar mal e quebrar a cara. De consequência, o magistrado deve ter vida social normal. Nada impede que ele participe de festa, jogue futebol, visite amigos e familiares, frequente academia para cuidar de seu físico, torça para um time de futebol, etc. Claro que ele não pode se olvidar de que necessita laborar com afinco: julgar rapidamente os processos, presidir audiências com diligência, ser cortês com as partes e seus advogados, não ter a chamada “juizite” (doença crônica que afeta o magistrado que se julga mais poderoso que Deus), e acima de tudo ser humilde, porquanto pelo texto bíblico ela precede a honra. Deve ser simples como a pomba, mas astuto como a serpente para não ser um tolo.Dessa forma, conclui-se que o juiz, seja ele federal, estadual ou trabalhista, como ser humano e não de outro planeta, um extraterrestre, participa das vicissitudes desse mundo tenebroso e mal e, como consequência, pode sorrir, pode chorar e pode sofrer..Artigo publicado originalmente na edição de 14 de agosto do jornal O Popular